FAMÍLIA

Dia Nacional da Adoção: uma expressão de amor que supera barreiras

Dia Nacional da Adoção reforça importância de conscientização sobre a garantia do direito ao afeto de uma família a todas as 115 crianças e jovens do Distrito Federal, que aguardam por um lar definitivo para viver

Ana Maria Pol
postado em 25/05/2022 06:00 / atualizado em 25/05/2022 06:15
Maria Aparecida e a filha Patrícia Félix de Lima -  (crédito: Fotos: Arquivo Pessoal)
Maria Aparecida e a filha Patrícia Félix de Lima - (crédito: Fotos: Arquivo Pessoal)

"Fui adotada, adotei e, hoje, estou na fila de adoção, à espera da chegada de mais um filho." De filha à mãe adotiva, a história da administradora Patrícia Félix de Lima, 41 anos, é exemplo de que formar laços afetivos independe de ligação genética. Para muitos, é a partir da adoção que surge uma nova chance de viver em um contexto familiar e social. No Dia Nacional da Adoção, celebrado nesta quarta-feira (25-5), a história da administradora recorda a importância de garantir o direito ao afeto de uma família a todas as 115 crianças e jovens que, impossibilitados por diferentes razões de conviver com os pais biológicos, aguardam, na fila de adoção do Distrito Federal, a oportunidade de encontrar esse carinho, cuidado e atenção.

Com um dia de vida, Patrícia foi adotada pela dona de casa Maria Aparecida, 73. "Há quarenta anos atrás, tudo acontecia de uma forma diferente. Meus pais entraram na indicação, depois de perderem um filho e passarem por um parto complicado com o segundo. Surgiu a oportunidade de entrar no cadastro de adoção e foi quando nos tornamos família", diz. Apesar do carinho que sempre recebeu em casa, Patrícia diz que também precisou lidar com alguns tabus. "Antigamente, muitas pessoas escondiam os casos de adoção e, apesar de não terem escondido de mim esse processo, eu não verbalizava com frequência por medo da receptividade das pessoas", recorda.

  • Josmária Madalena Lopes com os filhos Paula Beatriz Lopes e Pedro Henrique Lopes Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Patrícia Félix de Lima passou de filha à mãe adotiva Arquivo Pessoal
  • Maria Aparecida e a filha Patrícia Félix de Lima Fotos: Arquivo Pessoal

Com o passar dos anos, tabus foram quebrados e, com o apoio e incentivo que recebeu de sua mãe, Patrícia passou a enxergar a adoção como motivo de orgulho e escreveu um dos capítulos do livro Adoção tardia — Relatos de famílias nascidas de uma escolha, do Instituto Aconchego, em que conta sua história e todo o processo que viveu como filha e mãe adotiva. "Nós já avançamos muito na forma como a sociedade encara a adoção. Hoje entendemos que é uma forma de ser mãe ou pai, e que a família vai cuidar, zelar, não importa a forma como a criança ou jovem chegou", pontua.

E é isso que a administradora tenta transmitir à sua filha, de 12 anos. A decisão pela adoção sempre foi a primeira opção de Patrícia que, ao conhecer seu esposo, o economista Flávio Santiago Moreira Silva, 41, há cerca de 25 anos, decidiram, juntos, amadurecer e levar para frente a ideia. Há seis anos, Flávio e Patrícia aumentaram a família, com a chegada da primogênita. "Trabalhei por uns anos como assistente social e vi que os mais velhos sempre ficavam para trás. Decidimos optar por crianças acima de sete anos, e nossa filha nasceu para nós com seis, mas parece que foi nossa a vida toda", pondera. Seis anos depois, a família decidiu ingressar na fila de adoção e hoje, já habilitados, garantem que não vêem a hora de terem mais um filho.

Conta que não fecha

Assim como Patrícia, 587 pretendentes no DF aguardam pela oportunidade de adotar, segundo dados da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ/DF). Mas, a regra do universo da adoção revela uma matemática invertida, uma conta que não fecha, já que hoje, há 115 crianças e adolescentes aguardando, sendo que a maior parte delas possui idade superior a dez anos e tem mais de dois irmãos. De acordo com o supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do DF, Walter Gomes, a incoerência se justifica pelo perfil escolhido pela maioria dos pais. Historicamente, o desejo dos pretendentes é de se adotar, primordialmente, crianças de zero a três anos, sem irmãos ou com no máximo um irmão, de idade próxima.

"Esse é o célebre perfil clássico desejado para adoção, reivindicado por 95% das famílias inseridas no Sistema Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça. A maioria dos aptos para adoção são crianças de faixas etárias mais avançadas, com prevalência de pré-adolescentes e adolescentes e grupos de irmãos.

Além da enigmática equação que nunca fecha, os processos adotivos passaram por redução ao longo dos últimos anos no Distrito Federal. Em 2019, 71 processos foram realizados, contra 65 em 2020. Já em 2021, apenas 59 processos de adoção foram concluídos. Walter explica a queda. "Tem se verificado um número maior de crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional ou familiar sendo reintegrados às suas famílias naturais", pontua.

O supervisor cita como fator para queda dos processos, a redução considerável no número de crianças entregues voluntariamente para adoção à Justiça Infantojuvenil. "A despeito do progressivo aumento no número de mulheres que manifestam o desejo de entrega voluntária em adoção, apenas 30% delas efetivamente ratificam a entrega em audiência judicial. De igual forma, se menos crianças são entregues voluntariamente em adoção, por conseguinte, menor será o número de aptos no cadastro", completa.

Para os pais que querem e sonham em adotar, Walter explica que é preciso ter em mente que a adoção é antes de tudo entrega incondicional e dedicação integral. "Que dessa história fazem parte a dor, a vergonha, a raiva, o medo e o sofrimento, e que os novos pais precisam oferecer um espaço de pleno pertencimento afetivo, imprescindível à reelaboração e superação de toda a negatividade pretérita", conta.

Sem romantização

A servidora pública Josmária Madalena Lopes, 49, conta que a adoção sempre foi uma possibilidade em sua vida. Ela morou em um abrigo por cinco anos e a ideia de adotar nunca lhe foi estranha. "Decidi adotar quando vi que era o meio de me tornar mãe. Sempre quis ter filhos. Conversei com minha família e dei entrada no processo", diz. Foi em 2017 que a servidora ganhou seus filhos, os irmãos Pedro Henrique Lopes, 16, e Paula Beatriz Lopes, 17. Josmária defende que a maternidade não é algo que se aprende do dia para a noite. "É o convívio diário que te torna mãe. Ainda existe um senso comum de que crianças abrigadas dão trabalho, quando na verdade, criar dá trabalho. Independentemente da origem", afirma.

O processo de adaptação em uma nova família não é algo fácil para os pais e, muito menos, para quem foi adotado. "Quando acolhidos, as crianças e adolescentes que foram negligenciadas por suas famílias precisam passar por um processo de adaptação. A maioria não sabe o que é uma família funcional", pontua.

Penha destaca a importância do processo de reintegração familiar. "Essa criança ou adolescente precisa lidar com o luto de perder sua família de origem e abraçar o espaço afetivo para receber a outra família", pontua. Por isso, a psicóloga ressalta a importância da família que pretende adotar, estar preparada para viver desafios. "A criança ou adolescente também passou por uma história, e tem um grau de segurança e confiança baixo", completa.

A romantização que gira em torno da adoção ainda é grande e, de acordo com a especialista, é preciso que a sociedade compreenda que adotar vai além de dar carinho.

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Um problema que precisa ser abordado: o tal do abandono parental

Dentre os principais motivos de abandono das crianças estão a negligência da família biológica, vulnerabilidade, violência física e/ou sexual

A adoção escancara um problema ainda maior, que é o abandono parental. De acordo com o levantamento da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ/DF), dentre os principais motivos de abandono das crianças estão a negligência da família biológica, vulnerabilidade, violência física e/ou sexual. Por isso, especialistas reforçam que sensibilizar e conscientizar a sociedade para a importância dos cuidados na primeira infância é fundamental para se construir um adulto seguro.

O abandono envolve diversas questões, desde intelectual, afetiva à material. Por isso, a mestra em direito da criança e do adolescente, e professora de direito do Ceub, Selma Sauerbronn, reforça a necessidade de tratar o tema. “Todos os direitos fundamentais pontuados nos textos constitucionais buscam assegurar o desenvolvimento saudável, integral da criança e adolescente. Esse abandono vai impactar de forma extremamente negativa para o desenvolvimento saudável da criança e adolescente”, explica.

Um dos direitos fundamentais reservados às crianças e adolescentes, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é a convivência familiar e comunitária. De acordo com a psicóloga Miriam Cássia Mendonça Pondaag, professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Iesb, para tratar o problema do abandono parental, é preciso que o estado melhore as políticas públicas voltadas para o fortalecimento dos vínculos familiares. “Infelizmente, a qualidade das respostas do estado, do suporte às famílias ainda é muito deficitário”, diz.

De acordo com Miriam, pensar na criança é ter, antes de tudo, o olhar voltado para as suas famílias. Ela explica que o trabalho é preventivo, e é preciso que se invista em políticas que atendam as famílias em situação de vulnerabilidade. “É muito importante que a sociedade compreenda as causas das retiradas das crianças das casas e da inserção das crianças no processo de adoção de uma maneira mais rica e complexa. Não é só um adulto que não ama, mas há, sim, a incapacidade para o cuidado, ou uma família que não tem capacidade de prevenir os riscos e violência”, pondera a psicóloga.

A especialista reforça que uma das alternativas é difundir modelos parentais mais adequados. “Esse trabalho deve ser de capacitação para o cuidado, através de ofertas estatais, como a ampliação de vagas em creches, e de horários integrais nas escolas. Ampliação da assistência social às famílias e inclusão delas em programas de promoção da autonomia econômica, ofertando educação de qualidade e capacitação”, cita. Na situação de risco e violência, Miriam ressalta: “É preciso identificar a origem disso e fazer com que haja a intervenção de uma equipe multiprofissional, que oferte saúde, assistência social e orientação do poder judiciário para que seja compreendido oq esta acontecendo e seja prevenida a reincidência”, completa.

Entenda mais sobre as etapas do processo de adoção

1ª fase - habilitação - o candidato dá início ao processo formal de inscrição com vistas à adoção junto a Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal. Participa do curso de preparação psicossocial, passa por entrevistas técnicas, o Ministério Público se manifesta concordando ou não com o pedido de inscrição e o juiz irá proferir concordando o não para a inserção no cadastro nacional de adoção.

2ª fase - a espera - quando o candidato já está com o nome no sistema nacional de adoção e está aguardando ser chamado para conhecer a criança de acordo com o perfil estabelecido no cadastro.

3ª fase - estágio de convivência - onde o candidato será apresentado para aquela criança e iniciará a convivência, através de visitas, estreitamento afetivo.

4ª fase - construção do vínculo - consolidação dos vínculos, e a equipe técnica vai reportar ao juiz que a adoção atingiu os seus objetivos e a sentença pode ser proferida.

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