O desafio de aliar a educação de estudantes de Ceilândia à literatura é o foco do projeto A Arte do Cordel, que já chegou a 3,3 mil alunos de mais de 20 escolas da cidade, com o apoio da Coordenação Regional de Ensino. Na Escola Classe 15, de Ceilândia Sul, onde são realizadas oficinas, o tema escolhido para este bimestre foi Cordel da Saúde, com a participação de 800 alunos do 5º ano do ensino fundamental a 3ª série do ensino médio. O professor da disciplina na unidade e criador do projeto, Raimundo Sobrinho, 48 anos, é quem inspira as turmas na EC 15 sobre rimas, métricas, leitura e interpretação de texto.
Aluno do 5º ano, Samuel Vasconcelos, 10 anos, acredita que o gosto pelo cordel o motivou a entender o papel da poesia na vida das pessoas. "As rimas me atraem, mas gosto muito de ler e escrever, porque estou mostrando o que penso", diz. Ele acredita que A Arte do Cordel estimula os estudantes a aprenderem mais com literatura. "Acho que é uma ideia para a gente ficar melhor na escrita e no raciocínio", completa.
"Hoje, me apego mais à poesia de cordel. Até quando fico sem nada para fazer em casa, faço cordel, porque a gente se inspira muito", revela Nathália Ananda, 10, também do 5º ano. Ela confessa que teve dificuldade no começo para organizar os versos e as estrofes.
Para Raimundo Sobrinho, o maior desafio é ensinar a poesia para os alunos durante as oficinas, porque ficam muito tempo no celular no dia a dia, o que, segundo ele, atrapalha a concentração. "O que espanta muito e deixa eles em choque é quando a gente trabalha a metrificação (forma para medir os versos até a sétima sílaba poética), que é algo profundo, mas eu coloco livros de cordelistas para terem como referência", contextualiza.
O projeto, apoiado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC-DF), conta com intérprete de Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), para viabilizar o acesso a alunos com deficiência auditiva. Na EC 15, a tarefa é de Adriana de Oliveira, 44. Ela explica que recebe o planejamento das aulas dos professores. A primeira etapa é a comunicação por meio de Libras entre dois alunos surdos da turma. A segunda, é a língua portuguesa. Ela faz o acompanhamento individualizado desses alunos especiais para relatar tudo à escola e às famílias dos estudantes, como é o caso de Gabriel Madeira, 13.
Saiba Mais
O estudante faz a interpretação do tema com desenhos. Na Arte do Cordel, ele produziu um trabalho inspirado no começo da pandemia de covid-19 no DF, em 2020. Gabriel diz que o projeto o motiva a estudar e a aprender mais para poder passar de ano com boas notas. "A professora foi falando o que a gente podia desenhar, e eu já sabia o que tinha que ser feito."
Inspiração
Foi outra a inspiração do colega Danilo Valverde, 9, para começar a escrever: assistir a uma reportagem de televisão sobre o jovem cordelista João Neto, 11, de Equador, município do Rio Grande do Norte, localizado a 280km da capital, Natal. O professor Raimundo mostrou o vídeo em sala de aula e Danilo passou a redigir e guardar os cordéis em casa. "Cheguei a dar de presente para a minha mãe, que gostou muito e bateu palmas junto com a minha irmã, de 7 anos", relembra. "Mamãe querida / Te amo para toda vida / Você tem beleza / Isso eu tenho certeza / Você é uma princesa da realeza" foi o cordel em homenagem ao Dia das Mães.
Cada oficina tem duração de uma a três horas, com leitura de cordéis, exploração do gênero, exibição de vídeos sobre a técnica e produção de xilogravura (cordel em folheto). Os encontros também incluem a elaboração e a revisão de textos pelos próprios alunos.
A pedagoga Viviane Pereira da Silva, 38, explica que, em todos os bimestres, a escola trabalha com um projeto literário. Desta vez, o tema escolhido foi EC 15 — cada um cuidando da saúde de todos. "Alguns alunos produziram quadras (versos) de cordel para dar de presente no Dia das Mães, e tivemos a ideia de usar o tema da saúde", conta.
Emocionada, Viviane fala sobre a relação que tem com o repente, desde criança, quando também escutava o gênero sertanejo. "Meu pai ouvia muito músicas desse estilo, principalmente do cantor Lucas Evangelista, com letras e melodia que se parecem com o cordel, que, quando conheci, me trouxe essa memória de infância", recorda. Ela conheceu o trabalho de Raimundo no ano passado, quando o educador fez uma oficina on-line. "Não vi a adesão dos alunos, mas me encantei, porque via meu pai ouvindo essas poesias", relembra a educadora.
Segundo a professora, a literatura de cordel abriu as portas para a realização de outros projetos, como é o caso do Brasília de todos os cantos, que começará em breve, com a participação de escritores do DF. Os convidados vão ler textos e poesias em eventos organizados pela EC 15 de Ceilândia Sul.
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