Entrevista/ Gustavo Fernandes, oncologista

Novas formas de tratar o câncer

Ao CB.Saúde, o médico destaca que a pandemia atrapalhou o acesso às terapias, mas houve avanços em pesquisa

Paulo Martins*
postado em 06/05/2022 00:01
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A pandemia de covid-19 impactou a saúde de uma forma geral, com lotação de hospitais, por exemplo; e o medo de exposição ao novo coronavírus afetou o tratamento de doenças, como o câncer. Diretor de oncologia do Grupo Dasa, Gustavo Fernandes destacou, em entrevista à jornalista Carmen Souza, que a crise sanitária afastou a população de hábitos de cuidado com o corpo. "Se pensarmos na expectativa de vida, muitas pessoas não cuidaram da saúde, perderam a rotina de atividade física, ganharam peso, naturalmente perderam os check-ups, e isso tem impacto. Ainda existe um certo medo das pessoas em voltarem ao hospital", detalhou o médico, ontem, no programa CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília.

Esses dois anos de pandemia impactou no tratamento de pacientes com câncer?

Dois anos de retardado nos cuidados da saúde são muito significativos. Se pensarmos na expectativa de vida, muitas pessoas não cuidaram da saúde, perderam a rotina de atividade física, ganharam peso, naturalmente perderam os check-ups, e isso tem impacto. Ainda existe um certo medo das pessoas em voltarem ao hospital. A covid-19 é um trauma, mas é preciso tratar e vai causar prejuízos ao futuro. O agravamento dos casos tem acontecido de duas formas: na redução de exames, como os de mamografia e colonoscopia, de check-up — o que traz um grande impacto na detecção precoce. A colonoscopia, a partir dos 45 anos, feita a cada 5 anos, diminui a chance de morte em 60%. As mamografias tiveram uma redução anual. Além do atraso nos exames, que traz pacientes com tumores maiores. A segunda, são os pacientes com sintomas e que tiveram medo de buscar atendimento e deixaram de receber um diagnóstico. É bom lembrar que sintomas persistentes devem ser investigados.

O que tem surgido de avanços na medicina personalizada ligada ao tratamento do câncer?

Há duas formas de individualizar o tratamento: olhando na biologia da doença e olhando para o paciente, no consultório. Este é um exercício diário e que incentiva decisões mais compartilhadas. Eu diria que informação se tornou algo comum; conhecimento, nem tanto. De alguma forma, temos que entregar ao paciente o que ele entende ser melhor. Um estudo recente mostrou a avaliação da quimioterapia em três e em seis meses, para reduzir o retorno do câncer de cólon. Depois de três meses, perguntou-se aos pacientes quantos por cento de cura a mais gostariam de ter para em mais três meses de tratamento. Esse número era 15%, e o tratamento oferecido era de 2%. Para os médicos, era significativo. Para os pacientes, não. A maneira precisa de tratar os tumores com estratégias mais inteligentes é o que vem evoluindo nos últimos 20 anos, e, nos últimos 10, vem sendo liderado pela imunoterapia, incentivando o sistema imunológico contra o tumor. Para isso, é necessário estimular o que vem sendo aprimorado metodologicamente e trazendo resultados lindos, o que abre os sorrisos dos médicos e dos pacientes.

Nos últimos dois anos, pesquisas foram paralisadas ou há avanços que ajudem no enfrentamento aos tumores?

A pandemia tem alguns legados para o país. Entendeu-se que precisamos desenvolver ciência e pessoas com criatividade e capacidade de reagir. A questão da medicina em geral foi a condição de fazer teleatendimento. Em qualquer lugar do país, se consegue ter acesso a especialistas. Acho que o SUS vai se beneficiar disso. Consegue-se prover uma consulta 80%, 90% boa, com a praticidade de o indivíduo fazer um tratamento sem ser fora de casa ou da cidade. Desenvolvemos a habilidade de lidar com informações genéticas e de imunidade. O desenvolvimento de vacinas é muito semelhante ao de algumas terapias para câncer, as quais se injeta moléculas de RNA. Isso foi acelerado com a crise. Uma vez que tivemos todo esse problema, a pesquisa avançou numa velocidade significativa, o que vai trazer benefícios para os pacientes com câncer.

Por que a atividade física é tão importante no tratamento?

Mesmo um cardiologista, há 20 anos, citaria os mesmos fatores: atividade física, baixa ingestão de álcool, não fumar e ter um sono apropriado são coisas que reduzem doenças cardiovasculares, inflamações e cânceres. A atividade física mantém o peso e os marcadores inflamatórios baixos, além de melhorar o sistema imune e poder evitar a existência do câncer. Isso traz uma melhora no tratamento, reduzindo a incidência. Mesmo com quem tem um tumor, é mais fácil tratar um indivíduo com uma condição cardiovascular e atlética melhor do que um indivíduo sedentário. A atividade física é muito importante para a vida.

Podemos pensar
em outros cuidados?

As coisas que são de responsabilidade individual. Evitar a exposição ao Sol excessiva, pelo risco de melanoma e de queimadura solar na infância. Em natureza coletiva, a poluição ambiental está relacionada ao câncer de pulmão, em especial. As iniciativas para diminuir essa poluição, das emissões poluentes e arborização trariam o câncer para um patamar menor. A questão das vacinas, como a da hepatite B, reduz o câncer de fígado; e, para o HPV, reduz o risco de tumores de colo de útero, pênis e canal anal, por exemplo. É uma promoção à saúde.

*Estagiário sob a supervisão
de Guilherme Marinho

 

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