Em entrevista ao Correio, uma das vítimas que caiu na armadilha de criminosos presos por extorquir, invadir e tomar lotes de famílias da Estrutural, detalhou como ocorreu a negociação para a compra de uma casa vendida por R$ 70 mil pelo grupo. A residência, situada no Setor Norte da região, havia sido tomada dias antes por eles, que expulsaram uma mãe e a filha que moravam no local. Neste sábado (30/4), o Correio contou como funcionava o esquema e a função de cada um dos integrantes da quadrilha.
Ederson França, Wesley Carvalho Bezerra (o “Instalação” e braço direito de Ederson), Luis Antenor Cruz Silva, Jeferson Santos Teixeira e Pedro Henrique Ribeiro de Souza escolhiam vítimas mais vulneráveis, como idosos ou pessoas que moravam sozinhas. Em seguida, criavam subterfúgios para tomar posse dos imóveis. Em abril de 2021, Wesley criou um pretexto para tomar a residência de mãe e filha: colocou o próprio sobrinho no telhado da casa da família. O menino caiu e se feriu, o que motivou o criminoso a acusar a dona da casa de ter deixado um fio de energia no telhado e a ameaçou. “Vai ser cobrado”, disse. Tanto "Chininha" quanto Wesley deram início a uma série de ameaças de morte.
“Elas se mudaram e deixaram um homem de confiança para tomar conta da casa. O novo morador, no entanto, não intimidou o grupo. Em um certo dia, quando chegava no imóvel encontrou dois homens armados. Com medo, ele fugiu”, afirmou o delegado-adjunto da 8ª DP, Luiz Gustavo Ferreira.
Os criminosos ficaram em posse da casa da mãe e filha por poucos dias e logo anunciaram a venda por R$ 70 mil. Inocentemente, duas mulheres souberam do comunicado e compraram a propriedade. Como pagamento, a mulher deu um Honda Civic avaliado em R$ 40 mil, uma motocicleta e R$ 10 mil. “Quando comprei, eles me deram a procuração. Me deram tudo e eu realmente achei que estava agindo na legalidade. Quando me mudei, ainda gastei com reforma”, relatou, sob condição de anonimato.
O processo não gerou qualquer desconfiança das mulheres, uma vez que os criminosos levaram as duas até o Cartório de Valparaíso de Goiás, onde fizeram uma cessão de direitos da casa e pagaram R$ 150. Na ocasião, Chininha se passou por Jeferson e assinou a documentação. Segundo as investigações da PCDF, seria uma forma dele disfarçar o envolvimento no estelionato. “Os criminosos ofereceram à elas, ainda, uma ‘escritura pública’, que era falsa”, detalhou o delegado Luiz Gustavo.
“Eles cobraram R$ 2,5 mil pela escritura. Achei caro, mas o próprio Chininha me ligou e disse que iria pagar e, quando eu recebesse, poderia repassar o valor. Então, vi uma oportunidade de ter o documento. Como minha mãe morreu e tinha me deixado uma casa, tirei disso para poder pagar”, contou a vítima.
"Tomo remédios antidepressivos por causa dessa situação”
Após se mudarem para a casa, as amigas souberam por vizinhos que a verdadeira moradora, na verdade, havia sido expulsa por criminosos. Mas o negócio já estava feito e o dinheiro havia sido repassado ao grupo. Antenor chegou a enviar um motoboy até a casa para entregar a falsa escritura. No mesmo dia, Antenor foi localizado e levado à delegacia e os policiais foram até a residência e contaram às vítimas que elas haviam caído em uma armadilha. “Nosso chão caiu. Era algo que eu estava investindo e que achava que era meu. Perdi tudo e era tarde demais. Tivemos que sair de casa e fomos morar de favor, até conseguir um aluguel. Até hoje, tomo remédios antidepressivos por causa dessa situação”, desabafou.
Luís Antenor, integrante do grupo, falsificou a escritura. À época, ele prestava serviços em um escritório imobiliário do Recanto das Emas, e foi lá que, supostamente, criou e manipulou o documento, sem o consentimento do chefe. A escritura ostentava até o timbre de um Cartório de Alexânia e teria sido registrado no Livro 185, do 2º Ofício de Notas, Protesto, Registro de Pessoas Jurídicas, Títulos e Documentos. Policiais civis chegaram a cumprir mandado de busca e apreensão na imobiliária e apreenderam computadores, tablets, celulares, além de recibos e papéis.
Ao Correio, o dono da imobiliária negou que Antenor trabalhou na empresa e que, em 2020, ele fez um serviço de serralheiro em uma propriedade rural dele, além de serviços de pintura em imóveis de clientes do escritório. “Não tenho vínculo nenhum com essa pessoa. Em relação a busca e apreensão, sem sombra de dúvidas foi abuso de poder. A própria Justiça mandou devolver todos os equipamentos apreendidos, sem sequer fazer a perícia. Já estamos providenciando uma ação reparatória”, frisou. Ainda de acordo com ele, Antenor contou mentiras em depoimento e afirmou que processará o acusado por calúnia, difamação e falso testemunho.
O Honda Civic oferecido como pagamento aos criminosos foi recuperado, após a Justiça deferir a decisão de apreensão do veículo. O carro foi abordado pela polícia na Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia) e estava sendo conduzido por um homem. Aos policiais, o motorista alegou ter comprado o automóvel de uma outra pessoa em Valparaíso (GO). Após a deflagração da operação, mãe e filha tiveram o imóvel devolvido e as mulheres que "compraram" a casa dos criminosos precisaram deixar a residência.
Todos os envolvidos foram presos pela PCDF no ano passado. Jeferson e Pedro foram os primeiros a serem capturados, em 27 de agosto. Já Wesley, braço-direito de Ederson acabou detido em 18 de outubro do ano passado. Por último, Chininha foi localizado e preso em 4 de abril, em uma feira de Samambaia.