Quando o assunto é a qualidade dos serviços públicos nas áreas de saúde, educação e mobilidade urbana, os brasilienses não têm dúvidas: ônibus e hospitais são os piores equipamentos do Distrito Federal. Por outro lado, as creches oferecidas pela Secretaria de Educação e o programa nacional Saúde da Família (PSF), sob gestão da Secretaria de Saúde, são bem percebidos pelos moradores da capital do país.
Os coletivos do DF receberam 78,4% de avaliações negativas e mais de 84% consideram as unidades hospitalares regulares, ruins ou péssimas. Em contrapartida, 40,9% dos brasilienses julgam a atuação das creches positivamente e, entre as famílias atendidas pelas equipes do PSF, a percepção otimista acerca do sistema de saúde público chega a dobrar em relação às casas que não recebem as visitas dos profissionais.
É o que aponta o estudo A Qualidade dos Serviços Públicos no DF: Uma Visão da Cidadania, elaborado por um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e divulgado ontem. "As críticas aos ônibus são inúmeras: pouco frequentes, cheios, passam muito tempo parados, quebram bastante, o preço da passagem é caríssimo e são desconfortáveis", elenca o professor da UnB e doutor em ciência política, Lucio Rennó, um dos responsáveis pela pesquisa. O levantamento ouviu 1.000 entrevistados, na primeira quinzena do mês passado, em 26 das 33 regiões administrativas do DF. A estratégia de seleção dos domicílios incluiu cotas de gênero, idade e escolaridade, com base na escolha aleatória de setores censitários, após definição do tamanho de cada grupo de renda.
O professor cita a avaliação do metrô — que recebeu 40,2% de percepções positivas e 38,4% de visões negativas — e destaca a baixa presença do transporte metropolitano no DF, já que 21,4% dos entrevistados não souberam opinar. "O metrô, que foi muito bem avaliado, reduziria a pressão sobre os ônibus, que poderiam ser usados para outras funções, como circulação apenas urbana. A solução da mobilidade urbana não está exclusivamente no ônibus, está na integração dos modais", sugere Lucio Rennó.
A análise do pesquisador é ressaltada pela atendente Helen Lopes, 23 anos, que usa os coletivos como principal meio de locomoção. "Tinha que ter mais ônibus circulando nas horas de pico, quando as pessoas estão chegando e indo embora do serviço. Eu chego a esperar 1h30 por um ônibus para ir para casa", reclama a moradora de Ceilândia, que trabalha na W3 Norte. "Os ônibus vêm lotados e quebram muito", completa Helen.
Atendimento
A percepção dos brasilienses a respeito da mobilidade urbana se reflete na prestação dos serviços relacionados à saúde. Com a clavícula quebrada após ser atropelada por uma motocicleta, a microempreendedora Maria Mercedes Vieira, 63, foi ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT), mas não conseguiu atendimento. Ela esperou cerca de cinco horas na unidade de saúde. "Só tinha três médicos para atender e fazer cirurgias. Cheguei a chorar e implorar por atendimento, porque estava com muita dor", lembra a moradora do Setor Primavera, em Taguatinga. "Voltei para casa, tomei um relaxante muscular forte e um remédio contra a dor para conseguir dormir", desabafa.
Maria Mercedes, porém, sabe reconhecer quando o serviço é bem prestado. "Na manhã seguinte, vim ao Hospital de Base. O atendimento, a ortopedia, tudo aqui é nota mil. Fui muito bem recebida e estou sendo muito bem acompanhada", elogia a microempreendedora, que conversou com o Correio na porta do Hospital de Base, ontem, ainda com a clavícula imobilizada. A reportagem questionou a Secretaria de Saúde do DF a respeito do caso de Maria Mercedes no HRT, mas não recebeu retorno até o fechamento desta edição.
Nervosa, a aposentada Maria Zélia Alves Pinheiro, 62, relatou ao Correio ontem, no mesmo hospital, que voltava para casa insatisfeita, depois de duas horas no local. Ela estava acompanhada da mãe, a também aposentada Maria Julia, de 86 anos, que usa cadeira de rodas e respira com ajuda de um balão de oxigênio. Elas procuraram a unidade depois que a genitora começou a sentir arritmia e tonturas, além de estar com febre, pressão alta e saturação baixa. A moradora do P Sul fez cirurgia para inserção de marcapasso no Hospital de Base há cerca de dois meses e, desde então, vem sendo acompanhada pela equipe de cardiologia do hospital.
"O atendimento foi péssimo hoje (ontem), o médico não olhou nem examinou nada. Fez apenas um eletrocardiograma e disse que não tem alteração, mas ela não está bem", conta, indignada, Maria Zélia, que precisa pegar um carro por aplicativo para levar a mãe ao hospital. "Pago R$ 60 para ir e R$ 60 para voltar. Hoje, foi R$ 120 por um pedaço de papel", desabafa Maria Zélia, mostrando à reportagem o exame de eletrocardiograma da mãe. O Correio procurou o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (Iges-DF), responsável pelo Hospital de Base, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem.
Poderia ser melhor
Uma das conclusões da pesquisa da UnB mostra que o caminho para melhorar o atendimento nos hospitais passa por investir no acolhimento mais próximo à população. Lucio Rennó faz menção ao Programa Saúde da Família (PSF). "Os beneficiários atendidos pela equipe multidisciplinar têm a visão mudada sobre o SUS (Sistema Único de Saúde). Depois do contato com o programa, a pessoa melhora a avaliação dos médicos, das UBSs e dos hospitais — de tudo relacionado à saúde", observa. "O PSF, se fosse expandido, teria influência muito boa no funcionamento do sistema", reflete o professor.
A avaliação positiva dos hospitais feita pelos pacientes que receberam visita da equipe em casa chegou a 15,4%, enquanto que, entre aqueles que não são atendidos pelo PSF, a percepção boa e ótima acerca das unidades hospitalares ficou em 10,7%. As respostas negativas caíram de 85,1% (não atendidos pelo PSF) para 80% (beneficiários do programa).
Para o especialista, o cenário em relação à educação é semelhante. Quem usa as creches públicas do DF muda consideravelmente a avaliação sobre o sistema educacional. A percepção "ótima" saltou de 37% para 52% entre os entrevistados que frequentam as instituições infantis, em comparação àqueles que não usam o serviço. A avaliação "péssima", por sua vez, caiu de 5,6% para 2,6%. "As creches não dão conta de atender satisfatoriamente à população do DF", avalia Lucio Rennó. "Elas são muito bem avaliadas, mas a cobertura é baixa e a demanda por vagas é muito grande. É um serviço que precisa ser expandido com urgência", completa o pesquisador.
Ao Correio, a Secretaria de Educação informou que o DF tem 178 creches, que atendem 23.891 crianças, de 0 a 3 anos. De acordo com a pasta, nove unidades estão em construção e devem ser entregues no próximo semestre. "O atendimento em creche é prioritário. Para atender a demanda, a secretaria está investindo na construção de novas unidades e lançou o Cartão Creche, por meio do qual os pais recebem um valor para pagar a mensalidade nas instituições credenciadas", informou, em nota.