O deputado Daniel Silveira foi punido pelo STF por 10 votos a um, com a pena de 8 anos e nove meses de prisão pelos crimes de incitação da violência contra ministros e ameaça ao Estado de Direito. Por alguns instantes, tivemos a sensação de que vivíamos em um país regido por leis a serem respeitadas por todos.
Mas, na quinta-feira, o presidente da República concedeu a graça de perdoar ao deputado que intimidou ministros da Corte e pediu a volta do Ato Institucional número 5, instrumento de suspensão dos direitos dos cidadãos durante a ditadura militar. Oh, liberdade de expressão, quantos desatinos se cometem em teu nome. Não cabe indulto a quem atenta contra a ordem democrática.
Muitos ficaram surpresos com a iniciativa do presidente. Depois de três anos e meio de governo, não deveriam ser tão ingênuos. Os juristas dizem que a tal graça é atribuição constitucional do presidente, mas precisa preencher algumas condições que não correspondem ao caso do deputado.
O presidente afirmou que o indulto é uma resposta à "comoção da sociedade" com a punição do STF ao deputado Daniel Silveira. Não vejo nada disso. O que observo nas ruas é a comoção com o preço estratosférico da gasolina, com a alta nos produtos do supermercado, com as negociatas de pastores trambiqueiros no MEC, com a situação lastimável das escolas, com o orçamento secreto, com o bombardeio de fake news, com o desemprego e com a fome.
A todo momento, nos deparamos com alguém nos semáforos ou nas saídas dos supermercados com uma plaquinha: "Preciso de uma cesta básica para sustentar a minha família. Aceito Pix". Sobre isso, nada a declarar, nenhuma comoção.
Enquanto isso, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) entrou com uma ação no STF para assegurar que somente o Senado e a Câmara possam cassar mandatos de parlamentares. É estranha a presteza com que o ilustre deputado age para defender interesses corporativos e a letargia com que defende a democracia contra as ameaças dos candidatos a talibãs de plantão. Só se mexe quando o STF cumpre a lei.
No mais, o Senado e, principalmente, a Câmara têm se omitido da maneira mais corporativa e covarde ante práticas de delitos públicos e notórios. É um mistério saber que tipo de infração constitucional é preciso cometer para ser cassado. Temos casos de deputados que fazem apologia à tortura, crime inafiançável e imprescritível, segundo a Constituição, que só faltam ser condecorados.
Isso cria situações surreais em que um parlamentar é condenado à prisão, é encarcerado na Papuda e comparece ao parlamento para exercer normalmente suas atividades, como se nada tivesse acontecido. Foi o que ocorreu em 2017, com o deputado Celso Jacob (MDB-RJ). A imunidade parlamentar é confundida com imunidade para cometer crimes.
A Operação Lava-Jato teve méritos, mas, ao extrapolar os seus limites, perdeu a razão e a credibilidade e deixou o caminho aberto aos políticos que fazem do parlamento um balcão de negócios.
Com todos os problemas, o STF é a única instituição que defende a democracia. As excelências do Senado e da Câmara que se precatem. Porquê, se o STF cair e se instaurar um regime de exceção, a próxima instituição a ser desconstituída é o Congresso Nacional.
Ambas as casas têm o dever constitucional e moral de defender a democracia. Juscelino e Carlos Lacerda apoiaram o golpe militar e, em seguida, tiveram os mandatos cassados. Está na hora de a Câmara e o Senado acordarem e saírem da bolha do orçamento secreto e do pecado capital da omissão para o Brasil real, antes que seja tarde. Depois, ficam chateados quando alguém afirma que esse é o pior parlamento da história do Brasil. Contratar pactos faústicos pode ter um preço caro a pagar.