RISCO

Motociclistas são maior parte das vítimas que morrem no trânsito do DF

Com alta na frota e mais condutores de motos nas ruas, número de mortes deles superou os óbitos de pedestres, no DF. Pessoas que circulam a pé eram as principais vítimas do trânsito na capital federal, mas novo cenário se mantém pelo terceiro ano consecutivo

Circular pelas ruas do Distrito Federal tem sido mais arriscado para motociclistas. De 2020 para cá, esse grupo assumiu a dianteira em uma série histórica de 22 anos que tinha os pedestres como principais vítimas de ocorrências de trânsito com morte. Os óbitos de condutores de motos superaram os de quem circula pelas ruas a pé. O período considerado reúne dois fatores com peso para esse novo cenário: o início da pandemia da covid-19 — que fez aumentar a demanda por entregas em domicílio — e um aumento de 5,7% na frota de motos.

Em 2019, o número de motociclistas mortos (83) quase se igualou ao de pedestres (85), segundo dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). No ano seguinte, porém, a diferença cresceu: 71 de todas as 230 vítimas estavam em motos, enquanto 58 não estavam em qualquer veículo. Em 2021, esse números foram 59 e 49, respectivamente. E a tendência se manteve no primeiro trimestre deste ano, quando os óbitos de quem conduzia veículo de duas rodas (17) corresponderam a 36,9% do total registrado no período (46).  

Em 14 de janeiro, o motoboy Daniel Vieira de Jesus morreu aos 34 anos, após colidir contra a traseira de uma carreta, na DF-128, na altura de Planaltina. A vítima teve traumatismo crânio-encefálico e não resistiu. Viúva do motociclista, Nilda Souza da Silva, 47, conta que ele estava a caminho da casa da mãe, em Brasilinha (GO), para uma visita. "Foi falta de atenção da parte dele, que carregava uma pit-bull filhote na jaqueta. Mas a outra parte também errou, pois a traseira do caminhão estava sem listras refletivas. Era como se (o veículo) estivesse da mesma cor do asfalto, o que fez ele (Daniel) se confundir", detalha.

Nilda acrescenta que o caminhão transportava grãos e que chegou a atravessar a pista antes da colisão, como que para fazer uma manobra. Cerca de 10 minutos depois, militares do Corpo de Bombeiros chegaram para prestar os primeiros-socorros, mas encontraram Daniel morto. Três dias após o ocorrido, o motoboy começaria a trabalhar em uma loja de açaí. "Ele estava feliz por isso, trabalhando no restaurante de dia e, à noite, em uma hamburgueria. No dia em que ele morreu, foi como se tivesse até saído da estrada, porque ele parou bem distante de onde a moto caiu", recorda.

Editoria de Arte/CB - Mortes no trânsito do Distrito Federal

Infrações

Diretor de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran-DF, Glauber Peixoto explica que as principais vítimas desses tipos de ocorrências são jovens do sexo masculino, de 18 a 35 anos. "A maioria dos acidentes, mais de 90%, envolve motocicletas de baixas cilindradas. Boa parte deles acontece com pessoas que trabalham de motocicleta. A Lei Federal nº 12.009/2009 (que dispõe sobre a atividade profissional de motociclistas) exige uma série de equipamentos de segurança que boa parte desses trabalhadores de aplicativo não seguem", observa.

Dados do Detran-DF junto à Polícia Militar do Distrito Federal revelam algumas das infrações mais comuns entre motociclistas: viseira aberta (1.341 autuações, de janeiro a março); falta de capacete pelo condutor da moto (196) ou pelo passageiro (76); e realização de movimentos como empinar o veículo ou cantar pneu (65). Para Glauber, diminuir esses números faz parte das ações necessárias à segurança dos próprios pilotos. Além disso, recomenda o respeito à velocidade da via e evitar a circulação em áreas impróprias para o tráfego. "Entendemos que, quanto mais fiscalizarmos esse público, mais eles estarão conscientes quanto à importância de andar regularmente e com respeito às normas de trânsito", completa.

Contudo, nem sempre a imprudência de terceiros ou dos próprios motociclistas leva ao risco. Por vezes, problemas nas estradas, como falta de sinalização adequada ou estrutura inapropriada resultam nisso. Na via Estrutural, por exemplo, a policial militar Luana Cláudia Brandão Correia, 36, caiu da moto por volta das 18h40, em maio de 2021, quando teve uma torção no tornozelo direito. Ela dirigia a, aproximadamente, 60km/h, com destino a uma igreja, na Cidade do Automóvel. Ela passou passou por uma ladeira e não viu o quebra-molas, momento em que sofreu um acidente. "Só me lembro de ter caído sentada no chão, devido ao impacto, sentindo uma dor muito forte na coluna e sem conseguir me mexer", conta.

Após 15 dias usando muletas e sem poder andar, por sorte, Luana ficou apenas com uma cicatriz. "Eu não tinha muita firmeza para pisar e fui recuperando-a aos poucos na fisioterapia, que fiz por três meses. Foi um milagre de Deus, porque, pela velocidade, era para ter sido uma fratura bem pior", comenta aliviada.

Arquivo pessoal - Luana Cláudia Brandão Correia, 36, caiu da moto em maio de 2021, após passar por um quebra-mola, na via Estrutural, onde torceu o tornozelo direito
Minervino Júnior/CB/D.A.Press - Nilda perdeu o marido, que morreu após colidir com caminhão

Perfis

Nas ações educativas focadas em motociclistas, agentes do Detran-DF entregam materiais com orientações, falam sobre os equipamentos de segurança necessários e explicam quais as condutas de segurança necessárias nas ruas. "A autarquia tem atuado com grupos que trabalham com delivery, para promover a conscientização sobre as normas de trânsito e as posturas mais seguras, a fim de evitar acidentes", informou o departamento.

Diante do aumento das mortes desse público, a professora do Programa de Pós-Graduação em Transportes da Universidade de Brasília (UnB) Zuleide Oliveira Feitosa questiona as razões por trás de uma "tolerância subjetiva" com a quantidade de óbitos nas estradas. "A vulnerabilidade do motociclista está, especialmente, no tipo de condução que ele usa, pois a própria moto vulnerabiliza e deixa o corpo do condutor muito exposto. No entanto, isso não seria um grande problema se tivéssemos duas medidas imediatas: melhoria e aumento da frota de transporte público coletivo, além de educação para o trânsito", elenca. "Não deveria se autorizar uma carteira de condução de veículo automotor sem isso, que inclui respeitar a velocidade da via, não andar na contramão e ter um pouco de paciência ou boa vontade para dar a vez."

Presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Distrito Federal (Sindmoto), Luiz Carlos Garcia Galvão observa que a maioria das empresas não exige os critérios básicos previstos na legislação ao contratar esses trabalhadores. Em relação ao grande número de acidentes com esses condutores como vítimas, ele acredita que a falta de habilidade técnica e o aumento das motos nas ruas estão por trás do problema. "Falamos de jovens, em média, de 21 anos, com dois anos de carteira da categoria A (para motocicleta), recém-habilitados e não qualificados dentro da lei (que prevê o uso de equipamentos de segurança_, são os que mais se envolvem em acidentes. Eles costumam conseguir a CNH e, logo em seguida, começam a trabalhar com o veículo", descreve.

Para o economista do Ibmec Brasília William Baghdassarian, esse público se encontra dividido em três grupos: motociclistas por diversão, por trabalho e por necessidade. "Quem compra uma moto por lazer não está muito preocupado com o preço da gasolina, por exemplo. No caso de motoboys e entregadores, de aplicativo, eles não usam carro porque o custo de manutenção é mais alto. E há os que dependiam do transporte coletivo, mas, por opção, investiram em um veículo de baixa cilindrada", especifica. A inflação elevada foi outro fator que, segundo o economista, influenciou para o aumento da quantidade de motociclistas nas ruas. "O salário nominal (em valores) permanece igual, mas o poder de consumo caiu muito."

Colaborou Renata Nagashima

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