A diarista Núbia Regina Almeida, 43 anos, atravessava a rodovia DF-290 para esperar, em uma parada de ônibus, a filha de 18 anos que voltava do trabalho, quando foi arremessada após ser atropelada, na madrugada de sexta-feira (2/4), por um carro. Ela não resistiu aos ferimentos. O motorista Lucas Meireles Gonçalves, 27, havia ingerido bebida alcoólica e foi preso em flagrante. Em outro episódio, um rapaz de 19 anos havia acabado de sair de um veículo de aplicativo, que o levou para casa, em Vicente Pires, pela manhã. Ele e o motorista, de 34 anos, discutiram por conta do pagamento, o jovem, então, entra no Celta de uma tia dele, liga o automóvel, da ré e passa, propositalmente, por cima da vítima, que fica ferida. Sem habilitação, agressor foi submetido ao teste de alcoolemia, que comprovou embriaguez.
Esses casos são resultados de uma triste estatística do Distrito Federal: a de alcoolemia ao volante. Somente em janeiro e fevereiro, foram registradas 5.145 infrações do tipo. Os dados são do Departamento de Trânsito (Detran-DF), do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) e da Polícia Militar (PMDF). O número indica aproximadamente 84 flagrantes por dia na capital do país.
Núbia Regina estava acompanhada do sobrinho de 10 anos e fazia o percurso com frequência para que a filha não voltasse sozinha para a casa no bairro do Pedregal, Novo Gama (GO). "O ônibus chega por volta de 00h15. Quando foi atravessar a pista, ela correu e, como tinha um quebra-mola antes, achou que daria tempo de passar antes do carro. Mas o motorista pulou o quebra-mola, não diminuiu a velocidade", conta uma amiga de Núbia, que preferiu não se identificar. Segundo a testemunha, a jovem de 18 anos chegou a pegar a mãe nos braços "para ver os batimentos, mas disse que estava bem fraco já". Núbia deixa duas filhas, de 18 e 23, e um filho, de 14.
Lucas consumia bebida alcoólica com um amigo. Os dois voltavam para casa, em Luziânia, quando o atropelaram Núbia. O motorista foi preso em flagrante após fazer o teste de bafômetro que constatou a embriaguez com 0,66mg/L, o dobro do valor permitido. Ele foi encaminhado para a 20ª Delegacia de Polícia e, depois, para a carceragem da Delegacia de Polícia Especializada. A audiência de custódia será hoje, às 9h. O carona foi liberado.
Discussão
Em Vicente Pires, câmeras do circuito interno de segurança da rua registraram o momento em que o rapaz briga com o motorista de aplicativo e o atropela. Testemunhas relataram à polícia que o autor teria solicitado uma corrida e, ao desembarcar, negou-se a pagar o valor correto. Uma terceira pessoa acompanhava a cena e socorreu a vítima, que teve a perna quebrada. O trabalhador foi atendido pelas equipes do Corpo de Bombeiros (CBM-DF) e encaminhado ao Hospital de Base.
O jovem não tem habilitação para dirigir e, de acordo com os policiais civis da 8ª DP (Estrutural), apresentava sintomas de embriaguez, tais como: olhos avermelhados, fala alterada e hálito etílico. Por esse motivo, foi submetido ao teste de alcoolemia, que apontou 0,64mg/L de álcool por litro de ar. Na delegacia, foi autuado por embriaguez ao volante, falta de habilitação e lesão corporal. O agressor está preso e informou que só se manifestará em Juízo.
Perfil
O perfil da maioria dos motoristas envolvidos em ocorrências sob efeito do álcool é de homens entre 40 e 50 anos. "São pessoas que passaram por um processo de formação cultural e familiar antigo. Não tiveram acesso a orientações mais atuais, seja na escola ou no meio social", avalia o diretor de Educação de Trânsito do Detran, Marcelo Granja. No entanto, como nos casos de ontem, os envolvidos eram dois jovens, um de 19 e outro de 27. "Muitos ainda têm uma visão machista, e usam como referência o poder sobre si, acham que tem autocontrole sobre o organismo, quando na verdade sabemos que o álcool tem um efeito incontrolável", explica Marcelo.
Para evitar que condutores dirijam embriagados, o Detran, em conjunto com forças de segurança, promove ações de conscientização, abordagens com policiais, uso do teste do bafômetro e, em situações de flagrantes, a aplicação de multas. "Além disso, em caso de crime de trânsito, o motorista passa pelo processo penal, que varia de prestação de serviço em comunidade à detenção", alerta Marcelo Granja.
Especialista em trânsito, Wellington Matos destaca que é preciso haver ações intensas nas escolas. "Se a conscientização começar na educação básica, não teremos tantos problemas quando adultos", argumenta. Ele avalia que o sistema punitivo do trânsito ainda é frágil. "Hoje, o cidadão que é autuado leva, em média, quatro anos para cumprir a penalidade de suspensão do direito de dirigir. Com isso, a sensação de impunidade é muito grande", pondera.
Memória
16 de Janeiro: Matheus Menezes, 25 anos, foi atropelado na faixa de pedestre no Guará e morreu três dias depois. Vinícius Couto Farago, 30 anos, estava embriagado e fugiu do local. O condutor responde em
liberdade por homicídio doloso e, em março, foi preso por lavagem de dinheiro. Vinícius é amigo e sócio do youtuber Klebim, fundador Estilo Dub, uma página voltada à rifas de carros.
17 de fevereiro: o delegado-chefe da 18ª DP (Brazlândia), Gerson Salles, sofreu um acidente de carro enquanto estava a caminho do trabalho, em Brazlândia. O motorista do outro carro, de 63 anos, estava alcoolizado e foi transportado em estado grave ao Hospital Regional de Brazlândia (HRS). O delegado não se feriu.
25 de fevereiro: Um motorista alcoolizado provocou um acidente no Recanto das Emas e tentou fugir do local, mas foi pego por policiais militares. No trajeto até a delegacia, o condutor tentou subornar a equipe oferecendo R$ 1 mil para ser liberado.
Lei Seca
A Lei 11.705, de 19 de junho de 2008, conhecida como Lei Seca, entrou em vigor em junho de 2008 e alterou a redação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) ao endurecer a punição para quem dirige sob efeito de álcool. A lei proíbe que os motoristas dirijam depois de beber. A infração é classificada como gravíssima e a multa é de R$ 2.934,70. No caso de reincidência, a infração é dobrada e sobe para R$ 5.869,40. Além da multa, dirigir embriagado também é considerado crime se o bafômetro indicar concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar. A pena é de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de dirigir.