Entrevista

"O mais valioso é o nosso povo", diz Dom Marcony Vinícius Ferreira

Ao CB.Poder, o 5º arcebispo militar do Brasil, Dom Marcony Vinícius Ferreira, ordenado padre em 1988, lembra da trajetória em Brasília, destaca o acolhimento dos moradores da cidade e avalia a entrada de jovens na vida pastoral. Segundo ele, a capital do país forma 10 padres a cada ano

Pedro Marra
postado em 21/04/2022 06:00
 Arcebispo militar do Brasil, Dom Marcony Vinícius Ferreira é entrevistado pelo jornalista Carlos Alexandre de Souza, no programa CB.Poder -  (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)
Arcebispo militar do Brasil, Dom Marcony Vinícius Ferreira é entrevistado pelo jornalista Carlos Alexandre de Souza, no programa CB.Poder - (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)

O acolhimento recebido em Brasília, na década de 1960, foi um dos pontos destacados pelo 5º arcebispo militar do Brasil, Dom Marcony Vinícius Ferreira, durante entrevista nessa quarta-feira (20/4), no CB.Poder — parceria do Correio com a  TV Brasília. Nomeado em 2 de abril para comandar a Catedral Rainha da Paz, morou com os pais na Vila Planalto, onde reside até hoje. "Ainda tenho irmãos que moram lá", disse o líder religioso, na conversa com o jornalista Carlos Alexandre de Souza. "Brasília, por natureza, é acolhedora, porque vieram pessoas do Brasil inteiro", ressaltou.

A relação de acompanhamento espiritual que dá aos militares foi outro tema abordado no programa. Segundo o arcebispo, a disciplina, a hierarquia e a obediência é o que aproxima os militares da Igreja. "Temos capelães (que fazem esse serviço), de outras vertentes religiosas, para dar assistências aos militares", explicou.

Dom Marcony lembrou que a vocação religiosa surgiu dentro de casa, na Vila Planalto. "Hoje, pode parecer que tem diminuído no mundo, mas temos ordenado dez padres por ano, três de preparação e sete de filosofia e teologia", detalhou. Segundo ele, a Igreja tem tido uma busca grande dos jovens "Uma coisa é a diversão transitória, e outra é um princípio para a vida inteira", avaliou o arcebispo.

O senhor nasceu em Brasília, em 1964, década em que os seus pais vieram do Rio Grande do Norte para a construção da cidade. Como foi a sua trajetória escolar até se aprofundar na Igreja Católica?

Nos alojamos na Vila Planalto e estamos até hoje. Ainda tenho irmãos que moram lá. Estudei sempre em Brasília. Na minha infância, até a quarta série, na própria Vila Planalto. Depois, vim para o Colégio Corjesu, na L2 Sul, onde terminei o ensino fundamental. No ensino médio, já entrei para o seminário, que era chamado de seminário menor, onde a gente se preparava para ingressar no seminário maior, na Igreja Nossa Senhora de Fátima, no Lago Sul. Lá, fiz filosofia, teologia, e logo fui ordenado, em 1988, pelo nosso saudoso amigo Dom José Freire Falcão, cardeal da nossa cidade naquela época. Assim ordenado, ele me designou para trabalhar em Sobradinho, e assumi a Paróquia Nossa Senhora de Fátima.

Além de organizar a Festa de Nossa Senhora Aparecida, Corpus Christi e festa das famílias, quais outros momentos marcantes o senhor viveu?

Por ter ligação e trabalho na Cúria (Metropolitana de Brasília), todos esses grandes eventos fortes da Igreja Católica, em Brasília, era sempre eu que estava à frente junto aos bispos. Com isso, fiquei pouco tempo em Sobradinho. Logo, o arcebispo achou, por bem, que eu fosse estudar mais. E, assim, depois desses três anos de mestrado em Roma, quando voltei, para a minha surpresa e alegria, àquela igreja que eu servia como coroinha, a Catedral de Brasília. O nosso arcebispo me nomeou pároco, e fiquei 15 anos por lá. Foi uma época de muito crescimento, e amadurecemos ainda mais esse vínculo com Brasília e com o Brasil, porque foram momentos muito fortes, com troca de presidentes, do Executivo federal como um todo. E a catedral tem as suas capelas, lugares de celebração, que são os ministérios. Então, os próprios ministérios pedem. Tem no Senado, tem na Câmara. A gente sempre celebrava a missa em todos esses ambientes.

O senhor tem a vivência com as diferentes Brasílias, a federal, no começo da construção da cidade, e a capital da República, mais conhecida do resto do país. Nessa comparação, como Brasília desponta como referência do ponto de vista espiritual?

A minha experiência é que Brasília, por natureza, é acolhedora e igualmente grata. Acolhedora porque vieram pessoas cheias de esperança do Brasil inteiro. E grata porque, com essa mistura de culturas do nosso país, o brasiliense sabe o que é um chimarrão e uma tapioca, e por isso esse aspecto nosso acolhedor. Pode ver em qualquer outra instância, nas esferas espirituais religiosas, não só da igreja católica, o brasiliense é extremamente acolhedor e solidário, creio que os nossos pais que vieram passaram por essas dificuldades todas, e tiveram que se unir para levantar uma cidade. Então, o orgulho de ser de Brasília, e os monumentos que nos fazem de cartão postal no mundo inteiro, é um orgulho do nosso povo.

Pode-se dizer que Brasília, aos 62 anos, é um exemplo para o país?

Brasília é bela por sua origem, por sua arquitetura, sobretudo pelo nosso povo, que é bom, acolhedor, alegre e criativo. Brasilia é agradecida a Deus por unir todo um país, por mostrar que somos um povo capaz, pois em três anos levantamos uma cidade que é cartão postal para o mundo. Por sermos um povo que crê e cheio de fé erguemos a capital da Esperança. O mais valioso que temos é nosso povo.

Como o senhor analisa a vocação para seguir a vida religiosa?  Como tem sido a participação dos jovens na Igreja Católica?

A vocação tem âmbitos em que pode ser proporcionada, mas é um dom de Deus em que a gente sente no interno. A minha vocação surgiu dentro de casa, ligado a Dom Ávila, na Vila Planalto. Hoje, temos dois seminários, ordenamos dez padres por ano, três de preparação e sete de filosofia e teologia. Então, vamos peneirando até chegar a aqueles candidatos que serão ordenados. Temos uma busca muito grande do religioso como um todo, mas uma busca muito grande dos jovens, em como servir melhor à Deus. É um choque. O jovem se sente dividido hoje, porque o mundo propõe demais, muito rápido, muito atrativo, muito prazeroso, com momentos de prazer. Mas uma coisa é a diversão transitória, e outra é um estilo de vida e um princípio que eu tenho que ter para a minha vida inteira.

O senhor começou a acompanhar a comunidade militar, quais são as características desse grupo?

Estou conhecendo. A gente sabe que o ordinário militar é a assistência religiosa da Igreja às famílias dos militares e às forças armadas. Quando os capelães iam para dar assistência aos soldados na guerra e nos momentos de conflito, sempre a Igreja é chamada, e um capelão é chamado para abençoar com oração e missa. Mais próximo de nós, se tornou algo mais estruturado, o que chamamos de Ordinariado Militar, que tem o mesmo nível de uma arquidiocese. E esse Ordinariado Militar tem a sua fundamentação em um documento que se chama Acordo Brasil Santa Sé, de 1988, visto que a Santa Sé é um Estado independente, o Vaticano. Por isso que se faz um acordo entre duas nações, em que um lado assina o Papa e de outro assina o presidente da República. E esse acordo tem algumas garantias. Uma delas é a assistência religiosa aos militares, com base na Constituição (Federal).

A assistência espiritual é só para católicos ou militares de outras religiões podem receber esse apoio?

Essa assistência não é só católica, que se torna oficial porque tem um convênio, um acordo entre dois Estados. Mas temos capelães que são de outras vertentes, do espiritismo, da filosofia de vida, dos nossos irmãos evangélicos, para dar assistências aos militares que têm aquela condição religiosa.

Quais pontos o senhor acredita que aproxima a carreira militar da sacerdotal?

O que nos aproxima muito dos militares e da Igreja é a disciplina, a hierarquia e o sentido de obediência. Não se tem discussões. Pode-se ter um diálogo franco e fraterno. É em obediência ao que a gente jurou na nossa oração sacerdotal. Igualmente, as diversas etapas do militarismo se dão assim. Tem sempre uma estrutura, disciplina, uma hierarquia que traz consigo algumas designações. Se você quer seguir a Deus, tem que renunciar a algumas coisas. No campo militar também, às vezes você tem que estar à disposição 24 horas para os serviços do país.

A campanha da Fraternidade 2022, lançada pela CMB, foi vinculada à educação. Qual o impacto da pandemia da covid-19 na educação e o papel que a Igreja precisa desempenhar?

Em primeiro lugar, a Campanha da Fraternidade é um bem enorme que a Igreja faz no Brasil desde os anos 1960, em que  se coloca um tema que não é só simplesmente de formação doutrinária. O clamor é tamanho que (o tema) vem pela terceira vez. E não é algo que chega da noite para o dia. Chegam cartazes de bispos do Brasil inteiro de que seria bom tratar sobre esse tema. E a Igreja deu esse viés, mais uma vez, para a educação. Só que, agora, pelo ensinamento do Papa Francisco, é o que chamamos de educação integral. Hoje, se tem uma mentalidade de se dizer que põe um menino na escola, e quando ele está lá, sei onde ele está. E o pai e a mãe não têm compromisso com a escola ou com a formação. E a sociedade tem influência nessa criança e nesse jovem. O Santo Padre nos pede um plano global de educação, no qual entra a imprensa. Em tudo, a gente deve levar, primeiro, a formação da dignidade da pessoa humana, o valor da pessoa humana, e aí vem todas as outras virtudes que a gente desempenha: a paz, a solidariedade e a convivência.

O Ordinariado Militar do Brasil tem projetos que não são somente dedicados aos militares. A Casa da Sopa é um deles. Como está no momento?

Em Brasília, temos a capelania Paróquia São Miguel Expedito, na Asa Norte, e a Catedral Rainha da Paz. Meus antecessores, Dom Ávila, Dom Osvino e Dom Fernando, prepararam um trabalho social chamado Casa da Sopa, que funciona no Cruzeiro, no Itapoã e em Ceilândia, para atendimento dos mais necessitados. É no próprio grupo de militares que a gente recolhe mantimentos e cestas básicas. Eles preparam a sopa, e a gente distribui. À noite, tem uma kombi, em que levamos sopa às pessoas em situação de rua, normalmente, na Rodoviária do Plano Piloto e no Setor Comercial Sul, onde ficam para dormir. Aqueles que quiserem colaborar, basta procurar a Catedral Rainha da Paz e fazer a sua entrega, que será muito bem-vinda para ajudar os nossos irmãos.

Outro programa social liderado pelo senhor é o Igreja Militante, em que presta ajuda aos fiéis para cerimônias dentro da Igreja Católica. Como funciona essa iniciativa?

Dentro do Ordinariado Militar, tenho agora um auxiliar, que já era o auxiliar de Dom Fernando José Monteiro Guimarães (bispo brasileiro), chamado Dom José Francisco Falcão, que desenvolve um trabalho de formação. Por causa da pandemia, a gente fazia presencialmente, mas tivemos que aprender a mexer com o computador. E, assim, ele faz muitas palestras, momentos de formação religiosa, que entram no catecismo da Igreja: moral, costumes, família e casamento.

Quais são os seus objetivos imediatos na função de arcebispo militar do Brasil?

Em primeiro lugar, conhecer a família militar. Eu dizia, na minha posse, que vou mostrar para eles o rosto de Cristo, o bom pastor. E quero que eles me mostrem o rosto de todo o Brasil. Nossos militares protegem as nossas fronteiras, têm famílias, filhos. E o meu propósito é de conhecimento, dos grandes momentos das forças auxiliares (Bombeiros e Polícia Militar). E, a partir daí, trabalhar com os 180 capelães, o lado pastoral, o anúncio da pessoa de Jesus Cristo, o lado social, o caminhar com a CNBB, com o Papa Francisco e com a Igreja local, porque sempre um pelotão está dentro da diocese de um amigo meu.

A política, no Brasil, está sendo marcada pela polarização em que parentes deixam de se falar. O que o senhor tem a dizer às pessoas neste momento?

O diálogo sempre faz crescer, e as polêmicas desunem totalmente, porque cada um se segura no seu ponto de vista e não quer ver o outro. O princípio é: não é porque o outro é diferente que é meu inimigo. Ele é diferente, vou respeitar a diferença dele, e, quem sabe, a minha diferença para com ele vai ajudá-lo, e a dele vai me ajudar a ter outra visão e abrir meu leque de pensamentos e julgamentos. A polarização divide as pessoas. Com isso, se ofende. Quando vem a ofensa, vem o corte, e isso é o pior. Até famílias deixando de se falar, porque um pensa A e o outro pensa B, e isso não deveria acontecer, porque o valor da família, da nossa união e da nossa amizade ultrapassa ideologias. Se o mundo se deixar levar por ideologias, vai se dividir cada vez mais, até dentro de casa. Na medida em que a gente se deixa levar pelo diálogo e pela compreensão de tentar entender o lugar do outro, a gente tem fraternidade.

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