O governador Ibaneis Rocha (MDB) revogou, nessa segunda-feira (18/4), o decreto que mantinha o Distrito Federal em estado de calamidade pública em decorrência da pandemia da covid-19. A decisão saiu em edição extra do Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), um dia após o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), determinada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Em nível local, a derrubada da norma muda regras para obtenção de recursos públicos para financiamento de políticas de assistência social, ações urgentes na área da saúde e para o setor produtivo.
O Decreto nº 41.882, de 8 de março de 2021, desobrigava o governo distrital (GDF) de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); permitia o acesso a recursos da União e a benefícios sociais de maneira antecipada; e liberava o adiamento do pagamento de empréstimos federais obtidos pelo DF. A regra reconhecia a situação em que se encontrava o país e abria espaço para que regras do sistema jurídico deixassem de ser aplicadas excepcionalmente. Com a revogação, voltam as necessidades de cumprimento da legislação e de cobrança de tributos previstos constitucionalmente.
Professor de direito no Ibmec Brasília, Thiago Sorrentino explica que a LRF define tetos de gastos relacionados a folhas de pagamento e ao endividamento dos entes públicos. Ele acrescenta que, na pandemia, esses limites e as exceções passaram por mudanças, pois esperava-se que as unidades da Federação teriam dificuldades de "fazer frente às obrigações" com o governo federal. "Ao mesmo tempo, o decreto previa colocar mão de obra, recursos humanos e materiais para atender a população. Com a revogação, o governo perde a capacidade de conceder regimes especiais ou de tratamento favorecido (a setores) devido à pandemia. A ação retoma uma realidade social e jurídica", destaca o doutorando em ciências jurídicas.
Pesquisador e professor do curso de mestrado em gestão estratégica de organizações do Centro Universitário Iesb, Breno Adaid comenta que a decisão deve restaurar a lisura em processos de compras públicas com caráter emergencial. "Na prática, ao declarar o estado de calamidade pública, o governo pode tomar decisões sem seguir o trâmite real (das licitações). Com isso, ganha-se em velocidade, mas perde-se em transparência", pondera.
Breno avalia que as flexibilizações anteriores à derrubada do decreto, como a que desobriga o uso de máscaras em ambientes fechados ou a que liberou eventos, deram indícios de que essa decisão estava próxima. "Agora, não existe mais a necessidade de tomar decisões de forma emergencial. A revogação demonstra que é possível se planejar ou se organizar caso alguma coisa aconteça", comenta o pesquisador.
Reavaliação
A infectologista Ana Helena Germoglio ressalta que, apesar do fim do estado de calamidade pública, o DF continua a viver uma pandemia. Ela lembra que a suspensão da crise sanitária não se dá por meio de decreto local. Mesmo assim, reconhece a melhora do cenário em relação à época de publicação da norma. "A mudança pode afetar compra de insumos, o uso de vacinas, mas fará com que o governo cumpra a Lei de Responsabilidade Fiscal e que os recursos (disponíveis) não sejam destinados apenas às políticas para combate à covid-19", comenta.
Também infectologista, Joana D'Arc Gonçalves defende a manutenção dos cuidados e um olhar sobre a parcela da população que ainda não se vacinou, o que pode levar ao aumento de casos de síndrome respiratória aguda grave. "Decidiu-se passar para a população a responsabilidade de avaliar o próprio risco, seguindo ou não medidas não farmacológicas que deixaram de ser obrigatórias. Todo o cuidado que teremos, daqui para frente, dependerá mais de uma postura pessoal do que da decisão de órgãos governamentais. Por isso, temos de estar preparados para aumentos dos indicadores e possíveis retrocessos de decisões. É preciso, sempre, avaliar o cenário global", completa a médica.
Cenário
Nessa segunda-feira (18/4), a capital federal registrou 155 novos casos de covid-19 e mais três mortes provocadas pela doença. Os números incluem os dados acumulados desde sexta-feira (15/4), pois, atualmente, a Secretaria de Saúde do DF divulga os boletins epidemiológicos apenas em dias úteis. Ao todo, 695.327 pessoas se infectaram com o Sars-CoV-2, e 11.630 perderam a vida para o vírus. A taxa de transmissão do novo coronavírus fechou o dia em 0,9 e subiu em relação ao 0,7 verificado na semana passada.
O resultado mais recente indica que cada grupo de 100 infectados é capaz de transmitir a doença para outras 90 pessoas. A última vez em que o DF registrou valor acima de 1 — o que demonstra avanço da pandemia — foi em 17 de fevereiro, quando a taxa chegou a 1,01. Na segunda-feira (18/4), a média móvel de casos subiu 90,6% em relação ao verificado 14 dias antes. O indicador referente às mortes aumentou 10% na comparação com o mesmo período, o que indica estabilidade.
Memória
31 de março de 2020
O governador Ibaneis Rocha (MDB) encaminha pedido à Câmara Legislativa para que os distritais reconheçam o estado de calamidade pública na capital federal, sob argumento de que os impactos da pandemia ultrapassariam a esfera de saúde pública e afetariam a economia local
2 de abril de 2020
O Decreto Legislativo nº 2.284/2020 reconhece o estado de calamidade pública no DF, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. A medida permite que o Executivo local tenha flexibilidade nas ações em relação ao determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Assim, o governo distrital fica desorigado de seguir à risca as metas fiscais e os empenhos previstos no Orçamento anual
8 de março de 2021
Ibaneis decreta estado de calamidade pública sem data para acabar, por meio do Decreto nº 41.882/2021. À época, o governador informou que a medida ficaria em vigor até o fim da crise sanitária
15 de junho de 2021
A Câmara Legislativa aprova a ampliação do estado de calamidade pública no DF, com o Projeto de Decreto Legislativo nº 171/2021, a pedido do Executivo local. O governo considerava que o Distrito Federal ainda sofria “impactos negativos decorrentes da pandemia”
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