Resistência Negra. É como o professor de capoeira Luiz Cláudio Oliveira, o Minhoca, define o espetáculo Encontro de Angoleiros, apresentado para os alunos da Escola Classe Basevi, em Sobradinho. Iniciado nesta quarta-feira (7/4), o projeto vai se apresentar até o próximo mês em 15 escolas públicas da região da Fercal, de Sobradinho e do Lago Oeste. Com uma temática lúdica e artística, a apresentação une capoeira e arte para mostrar a história da cultura afro-brasileira às crianças. "A minha missão como capoeirista e como brincante da cultura popular é encantar o coração dessa criançada, encantar o coração desses gestores que nos receberam com tanto carinho aqui e abriram a escola para gente, com uma parceria de realmente interagir com as disciplinas de geografia, de história e artes cênicas", comenta o professor.
Presidente da Casa de Cultura Telar, que trouxe a iniciativa para as escolas com o apoio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, Minhoca é capoeirista há 33 anos. Natural de Feira de Santana (BA), Luiz coordena, no Distrito Federal, a escola de capoeira Angoleiros do Sertão do Mestre Cláudio. "É apresentado um espetáculo em que a primeira parte vem retratando a capoeira de Angola, a musicalidade e a instrumentação até passar para segunda parte mais artística", ressalta o professor. A programação conta com uma orquestra de berimbaus e costumes, além de danças afro-descendentes como puxada de rede, dança do bastão e maculelê. "Nosso Brasil é muito rico. Nossa cultura é especial e a gente precisa valorizar isso. Só mostram as coisas ruins da comunidade", comenta.
Nesta sexta (8/4), cerca de 123 alunos da EC Basevi, do turno vespertino, começarão a aprender a capoeira de Angola. O projeto foi dividido em duas etapas: a primeira parte é a apresentação do que os alunos vão ter aulas; e a segunda parte é a continuidade dessa aprendizagem. A ideia do professor Minhoca é que no dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, os estudantes se apresentem mostrando a cultura afro. "Eles vão saber como brincar a cultura que os escravos trouxeram do navio negreiro até chegar aos portos de Recife, do Rio de Janeiro e da Bahia e se tornou febre no mundo inteiro. A capoeira está em todos os continentes", pontua Luiz.
Com dreads enormes, Luiz acredita que o apelido de Minhoca veio por conta dos cabelos que ele deixa crescer há 14 anos e que mostram a resiliência dele diante das adversidades da vida. Para ele, a capoeira é um instrumento para não deixar que os jovens de comunidades carentes sigam caminhos errados. "Tenho 42 anos e iniciei na capoeira ainda muito novo. Estou aqui cheio de emoções, porque é tudo resultado de tantos trabalhos sociais e projetos culturais que passaram pela minha vida e que não me deixaram ir para o caminho que muitos amigos meus foram: presos ou até enterrados pelo monte de coisa ruim que acontece na favela", recorda. "Então, vamos tocar tambor para tirar essa criançada da criminalidade e dar oportunidade. O objetivo é esse", conclui Luiz.
Ensino que vai além
Os alunos da EC Basevi ficaram encantados com as danças e a cultura afro-descente, interagiram com as músicas e ficaram participativos ao que 14 capoeiristas apresentavam no pátio da escola. O estudante do 5º ano Thiago Pereira, 10 anos, comentou com empolgação sobre o que achou do projeto. "Foi muito divertido. Eu amei a apresentação. Inclusive, eu comecei a praticar capoeira semana passada, porque achei muito interessante a história dela", conta o morador do Lago Oeste. "É meu último ano aqui na escola e tomara que no outro colégio que eu vá estudar seja igual, com capoeira e tudo mais", complementa.
Além de Thiago, Davi Moraes, 10, também começou a ter aulas de capoeira recentemente. O menino contou que a apresentação foi ótima e, inclusive, quis participar da roda na hora do espetáculo, mesmo com pouco tempo de aula. "Eu gosto de capoeira, é um esporte bom que faz bem para saúde. É amizade. Meu professor fala que, quando você entra na capoeira, você deixa de ser amigo e começa a ser irmão da pessoa", destaca o garoto que mora na Vila Basevi e também está no último ano da escola.
A diretora da EC Basevi, Virgínia Damasceno, explica que todo o conteúdo apresentado pelo projeto está incluso no currículo da escola. "O professor passa isso em sala por meio de livros e apresenta para os alunos filmes e imagens. Mas outra coisa é ver o próprio conteúdo em pessoa", ressalta a diretora, acrescentando que foi procurada por Luiz e ficou encantada quando conheceu o projeto. "A gente viu que tudo que ele está falando está dentro do nosso currículo de história, de arte e de educação física. Então, porque não juntar o útil ao agradável e trazer toda essa parte prática que ele tem e apresentar para os nossos alunos?", destaca Virgínia.
O projeto já acontece na comunidade. Minhoca dá aulas de capoeira na associação ao lado do colégio. Alguns pais de alunos participam e, quando souberam da apresentação na escola classe, aprovaram a iniciativa. A escola tem 260 estudantes, com idade entre 4 e 12 anos. A princípio, os alunos que vão ser atendidos estudam no vespertino, do 1º ao 3º ano do ensino fundamental. A ideia é ampliar para os estudantes do matutino, com a educação infantil e 4º e 5º ano do ensino fundamental.
Para a diretora, esse tipo de iniciativa tem um impacto enorme na educação das crianças. "Quando eles veem algo diferente na escola, já ficam impactados. A escola na Vila Basevi é a única da região. Por vezes, a unidade fica sendo o único elo que a criança tem com a cultura e o esporte. A gente busca trazer tudo que as crianças não têm acesso na comunidade para dentro da escola e envolver os alunos", avalia a educadora. Ela ressalta que muitos estudantes nem conhecem Sobradinho, que fica ao lado da vila. "Então, trazer essas atividades para a escola é uma forma de levá-las para outro lugar".
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