Grande escudeiro e responsável por proteger a casa, o cachorro é conhecido por ser o melhor amigo do ser humano. No entanto, tornou-se alvo de um debate na capital do país: podem circular livremente em áreas públicas? Nessa discussão, há quem defenda o passeio dos cães sem coleira pelas ruas e parques. Ao mesmo tempo, alguns se sentem ameaçados pela presença dos bichos e, portanto, posicionam-se contrariamente à liberdade dos pets em espaços abertos. Apesar das divergências, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), responsável pelo cuidado de parques e unidades de conservação do Distrito Federal, ainda não prevê multas em caso de descumprimento das regras de convivência.
O órgão informou que os tutores dos bichos devem obedecer a Lei Distrital nº 2.095/1998, que proíbe a permanência de animais soltos em locais com acesso livre ao público. Assim, a circulação de cães só fica autorizada com a presença do responsável pelo pet e uso de coleira. Além disso, cachorros de grande porte devem ficar com focinheira, para evitar ataques a pedestres.
Tutora da Cacau, uma shih tzu de 7 anos, Camila Luiza Silva, 21, mora em Águas Claras e é apaixonada por animais desde pequena. Quando começou a cuidar de cachorros, na infância e em um apartamento menor, era tutora de um dachshund. O cão, que ficou com a família por anos, morreu em 2010, o que deixou a jovem abalada e em luto por bastante tempo. Sem novos pets em casa após o ocorrido, a jovem conheceu Cacau em 2015 e, desde então, não a abandonou mais.
Camila Luiza passeia com o animal duas vezes ao dia, na frente do prédio onde mora ou no parque mais próximo, e conta que os vizinhos não se sentem ameaçados pela presença da cachorrinha. "Na verdade, a Cacau odeia pessoas. Sempre que tentam fazer carinho nela ou se aproximar, porque ela é pequena e toda arrumadinha, ela não gosta muito", comenta. Por reconhecer as demandas dos bichos, a estudante de publicidade defende que eles circulem livremente em áreas públicas ou residenciais: "Eles ficam o dia todo trancados em casa. Então, precisam sair, passear, respirar ar puro e se divertir. São seres vivos que têm necessidades, assim como nós".
Trauma
Por outro lado, a publicitária Lorrany Menezes, 47, começou a pensar diferente sobre o assunto após uma experiência difícil. O filho dela, Filipe Menezes, 18, foi mordido pelo cachorro da família, um pit-bull, em abril de 2021. "Ao chamar o cão para entrar em casa, o animal não aceitou, teve um surto e o atacou no braço", detalha. O pet só parou de morder o adolescente quando o pai do jovem usou um pedaço de madeira para afastá-los.
As consequências do ataque resultaram em sete pontos no braço de Filipe, que ficou muito machucado, segundo a mãe. Apesar do momento traumático, a moradora da Asa Sul mantém dois cachorros da mesma raça em casa. Contudo, a maneira de enxergar a criação do animal passou por mudanças. "Não o seguramos mais pela coleira quando está agitado e também não o deixamos solto ao recebermos visitas", comenta.
A situação surpreendeu a família, pois os dois cachorros costumavam brincar com pessoas próximas e nunca haviam demonstrado inclinação a cometer ataques. Por isso, Lorrany se diz contra a presença de animais em áreas abertas sem tutores e sem coleiras e focinheiras reforçadas para pets de grande porte.
Além da possibilidade de haver ataques, animais que vivem nas ruas precisam de um olhar mais atento, segundo o veterinário Hiago Bruno Alves. "Eles podem sofrer maus-tratos, acidentes nas ruas, sofrer violência e até mesmo brigar entre si", afirma. Outro fator que prejudica a saúde deles é a falta de cuidados médicos para prevenção de doenças e de vermes, pulgas, carrapatos e parasitas.
Sem acompanhamento de especialistas ou tutores, esses cães ainda podem, em momentos de raiva, morder algum pedestre. Animais com o vírus causador da doença podem transmiti-lo a humanos, e a taxa de letalidade da enfermidade é quase de 100%. "Animais que passaram por algum tipo de repressão ou por agressões tendem a se portar de maneira mais violenta, pois essa postura vira um mecanismo de defesa. Além de ansiosos e carentes, muitos não se permitem receber carinho, porque sofreram muito em algum momento", completa Hiago Bruno.
Falta de espaço
O dilema se passa, por exemplo, no Sudoeste, no Parque Ecológico das Sucupiras. A associação de representantes da área verde (Apes) informou ao Correio que faz constantes advertências a tutores que prejudicam outros frequentadores levando pets para o local. Os casos chegaram a parar na delegacia, devido à proibição de acesso dos animais nessa área pelo Ibram. Os tutores, por outro lado, pedem que haja delimitação do espaço, com uma parte para bichos ou a criação de um Parcão.
A Secretaria de Projetos Especiais (Sepe) confirmou à reportagem que não há qualquer Parcão na área do Plano Piloto. Entre o Sudoeste e a Octogonal, o único local semelhante a esse espaço é o Bosque Pet, lançado em agosto de 2020 para a convivência de cachorros. O projeto resultou de parceria entre a comunidade, a administração regional e a iniciativa privada. Outro lugar com proposta parecida fica no Parque da Cidade Sarah Kubitschek, atrás do Complexo da Polícia Civil.
Águas Claras, por outro lado, conta com 12 Parcães. E Samambaia Sul tem previsão de ganhar um em breve. A inauguração, que estava prevista para amanhã, foi adiada e não tem nova data para acontecer, segundo a Sepe. O local terá duas caixas de areia, cercamento, grama e bancos de concreto, além de brinquedos como gangorras, casinhas, manilhas e um circuito formado por pneus, para que os animais possam percorrer livremente. Em caso de problemas no convívio, os tutores podem entrar em contato com o Executivo local por meio da Ouvidoria (telefone 162 ou pelo site ouvidoria.df.gov.br).
*Estagiário sob a supervisão de Jéssica Eufrásio
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