Uma investigação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), com o apoio de agências internacionais de inteligência e segurança, chegou a um rapaz, de 20 anos, morador da Asa Sul, suspeito de planejar massacres em escolas e eventos em Brasília. O estudante foi preso por armazenar fotografias e vídeos contendo pornográficos com crianças e adolescentes. Ao Correio, conhecidos do acusado o definiram como "introspectivo, tímido e acima de qualquer suspeita". Em depoimento, ele confessou participar de grupos nazifascistas e antidemocráticos na internet.
O jovem mora com a avó, que é professora aposentada da Secretaria de Educação, e com o avô, técnico administrativo aposentado, também do Governo do Distrito Federal (GDF). Na casa de dois andares, o estudante guardava uma arma airsoft, facas, canivetes, um taco de beisebol e uma máscara de hóquei, que ficou famosa graças ao personagem fictício Jason Voorhees, assassino da franquia de filmes de terror Sexta-Feira 13. Após dois meses de investigação, os policiais da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC) surpreenderam o suspeito nas primeiras horas da manhã de ontem. "Eu só ouvi de longe: 'Abram a porta, abram a porta', mas jamais imaginei que fosse na casa dele", detalha uma testemunha à reportagem.
O Correio esteve na quadra da residência do rapaz. Na frente da casa, uma mulher deu ordens para que a equipe saísse do local e até da rua. Uma pessoa, que preferiu não se identificar, ressalta que o estudante era pouco visto e ficava a maior parte do tempo em casa. "Moro, aqui, há quase cinco anos e o vi pouquíssimas vezes. Olhando para ele, você não diz que seria capaz de fazer algo. Totalmente introvertido, tímido", descreve. "O problema é que, atualmente, a internet está perigosa, e a juventude está sendo muito vítima. Há coisas que acontecem que não acreditamos", avalia o vizinho.
Outro morador conta que toda a família é muito discreta. "Estou em choque com essa notícia. Eu via o avô dele (suspeito) passar. Mas, ele mesmo, eu não vejo há quase dois anos", frisa.
Confissão
Aos 20 anos, o jovem reprovou duas séries na escola e, atualmente, cursa o 3º ano do ensino médio em um colégio particular da Asa Sul. O Correio apurou que durante toda a vida escolar, o rapaz ficou matriculado na mesma instituição, exceto no 6º ano do ensino fundamental, em que foi para um escola pública, em 2014. A mãe trabalha no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), mas o jovem não mora com ela.
Ao ser preso, o estudante contou, na delegacia, que tinha sofrido bullying e confessou que participava de um grupo na internet que poderia praticar um massacre, mas que acreditava que não teria coragem "quando chegasse o momento". Nas redes sociais, ele afirmou que disparava discursos homofóbicos, misóginos e nazistas, mas os textos seriam apenas "ironias". "Trata-se de excelente exemplo em que a Cooperação Policial Internacional, bem articulada entre os países envolvidos (EUA e Brasil), entre o Laboratório de Inteligência Cibernética (Seopi) e a PCDF, neutralizando uma tragédia, cujas consequências nefastas incalculáveis, com prováveis dezenas de vítimas de ataque em Brasília", pondera o delegado à frente do caso, Dário Freitas.
Quanto aos avós, o estudante alegou que os familiares sequer desconfiavam de alguma tentativa de prática criminosa. Durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão expedido pela Justiça do DF, os policiais encontraram conteúdos pornográficos infantis armazenados no celular do autor, motivo este que foi indiciado no art. 241-B Lei nº 8.069 (adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente). Em razão de o crime não ultrapassar 4 anos em pena máxima, foi estabelecida fiança de R$ 5 mil.
A operação contou com apoio do Instituto de Criminalística/IC. A Agência de Investigações de Segurança Interna dos Estados Unidos (Homeland Security Investigations ou HSI) em Brasília desenvolveu informações sobre indivíduos, com a possível intenção de cometer atos graves de violência, incluindo massacres escolares. A Coordenação do Laboratório de Operações Cibernéticas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) repassou as informações a esta PCDF.
Saiba Mais
Cultura de violência
Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Angela Uchoa Branco destaca que a sociedade sofre com a cultura da violência. "A violência, inclusive, com o uso de armas, tem sido apontada como solução mesmo entre alguns que se dizem profundamente cristãos, o que é um absurdo e um hipócrita contra-senso. A verdade é que as notícias falsas têm buscado cada vez mais levar as pessoas a um extremismo brutal, que prega a eliminação dos outros como forma de valer suas verdades e certezas particulares. Isso explica, por exemplo, a popularização do neonazismo e de atitudes antidemocráticas (ou anti-humanidade) em geral", analisa.
A especialista adiciona a isso a desatenção quanto ao bullying nas escolas e desmerecimento nas famílias. Para evitar esses episódios de violência, Angela orienta que a sociedade atue em conjunto "para desenvolver práticas dialógicas de acolhimento e expressão, buscando promover nas crianças e adolescentes o desenvolvimento ético-moral, a empatia, o sentimento de justiça e a solidariedade entre as pessoas".