Os impactos da pandemia na saúde mental da população e as perspectivas da retomada à normalidade — com a redução das medidas de controle sanitário — foram abordados pela psicóloga e diretora de Atenção à Saúde da Universidade de Brasília, Larissa Polejack. Em entrevista à jornalista Carmen Souza, ontem, durante o programa CB.Saúde, uma parceria do Correio com a TV Brasília, a especialista também falou sobre a importância de ampliar os investimentos públicos em saúde mental, destacou os impactos da sobrecarga de trabalho nos profissionais de saúde e demonstrou preocupação com o acúmulo de crises vivenciadas no momento atual. Confira, a seguir, as principais falas da entrevistada.
Depois de dois anos de pandemia, como estamos do ponto de vista de saúde mental?
Estamos bastante atrasados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem alertado sobre a importância dos governos desenvolverem ações de promoção da saúde mental desde o início da pandemia, justamente para tentar mitigar o impacto, mas muito pouco foi feito. O impacto na saúde mental é diferente do epidemiológico, a gente tem outros parâmetros para avaliar.
Esses parâmetros consideram outras crises atuais, como a econômica?
Quando estamos falando de saúde, ela é diretamente impactada pelas questões sociais. Não tem como eu fechar meus olhos para a crise financeira, a perda do emprego, para a falta de perspectiva e achar que isso não vai trazer um impacto. Por isso, é tão importante que as ações sejam também setoriais. Então, a resposta a uma pandemia não é só no setor saúde, no sentido dos profissionais que estão ali atendendo, precisa envolver todos os setores da sociedade. Se não fizemos antes, é um apelo, que façamos agora, porque, se não cuidarmos de fato do adoecimento da nossa população, o agravamento das questões de saúde mental vai nos acompanhar por muito tempo.
Como esses sintomas estão chegando ao consultório? Como saber que alguém está precisando de ajuda?
São vários sinais que vão dizendo para a gente que alguma coisa não anda bem. O consumo abusivo de álcool e outras drogas é um deles, mas, por exemplo, a dificuldade no sono, a insônia ou o sono em excesso são outros sinais. A tristeza que vai se persistindo, o desânimo, a perda de prazer em coisas que antes eram muito importantes, também. Então, é muito importante que a gente fique atento e se acolha, porque, às vezes, existe ainda um preconceito com relação às questões de saúde mental, como se você tivesse que dar conta de tudo o tempo todo. E se não der, o problema é seu. Assim, muitas pessoas têm vergonha de pedir ajuda, de falar sobre isso, e não é verdade. Acabamos de falar que nós todos estamos vivendo um adoecimento coletivo em função de todas as situações que estão acontecendo.
Podemos falar em consequências psicológicas em função das sequelas da covid-19?
Estamos vendo sequelas neurológicas, como perda de memória, dificuldade de concentração, além da questão olfativa, que, para algumas pessoas, não retornou. Isso tudo precisa ser olhado, a gente precisa de ação para cuidar dessas pessoas também nesse processo de reabilitação. Nosso sistema de saúde é pensado para a ótica do agudo, mas é muito importante entender que as cronicidades demandam igual atenção, porque a gente precisa pensar em uma lógica de acompanhamento em processo.
E em relação aos profissionais de saúde, em que medida o esgotamento mental está relacionado com a pandemia?
Vários estudos apontam que aumentaram as taxas de depressão, ansiedade, uso de substâncias psicoativas e a dificuldade de sono nos profissionais de saúde. Eles estão expostos o tempo todo, não apenas ao vírus, mas a tudo que vem junto com ele. As perdas, o medo de se contaminar, assistir diariamente ao sofrimento de outras pessoas, a falta de perspectiva de mudança, isso tudo vai gerando mais adoecimento. E são essas pessoas que precisam estar bem para cuidar de outras pessoas. A gente fala o tempo todo que o governo está investindo no aumento de leitos de UTI, o que é muito importante, fundamental, mas a gente não ouve falar em nenhum momento que o governo está investindo no fortalecimento da rede de atenção psicossocial, na contratação de novos profissionais de saúde mental, no apoio aos profissionais que estão atendendo.
Diante de todo esse cenário, como fica a volta à normalidade?
Fico extremamente preocupada com esse tipo de notícia que diz "pronto, acabou, voltamos ao normal". A máscara vai fazer parte da nossa vida por muito tempo, e temos que compreender isso. Esse tipo de negação da realidade acaba nos colocando mais tempo nessa condição. Quanto mais tempo ficamos em uma condição de risco e perigo iminente, maior o risco de desenvolver outros tipos de transtorno. É uma bola de neve, e a saúde mental sofre muito com isso.
*Estagiário sob a supervisão de Juliana Oliveira