Referência como uma das principais instituições de ensino e pesquisa da América Latina, a Universidade de Brasília (UnB) acumula seis décadas de histórias e lutas pela defesa da democracia e da ciência. Uma trajetória que se confunde com importantes momentos de Brasília e começa com a inauguração da autarquia, em 1962, passando pelo primeiro Programa de Avaliação Seriada (PAS), em 1990, até a resistência contra a mais violenta invasão militar sofrida durante a ditadura, em 1977. Memórias que têm um aliado importante contra a ação do tempo, o sistema AtoM (sigla para Access to Memory), que, a partir de hoje, está disponível em navegadores de internet para o público em geral. Ele reúne, digitalmente, toda a documentação, em imagens, da instituição, garantindo assim a perenidade da celebração e indignação que todos esses fatos evocam.
O aplicativo é adotado pela instituição desde 2015 e, atualmente, conta com 20 mil itens no chamado “conjunto permanente”, disponíveis de forma virtual por meio do portal www.atom.unb.br. Nele, qualquer pessoa pode conhecer ou reviver parte dessas memórias, como o produtor cultural Fábio Pedroza, 40 anos, egresso do curso de licenciatura em ciências sociais da UnB. Filho de professores da instituição, ele conta que cresceu entre corredores da instituição e foi um dos estudantes que participaram da primeira prova do PAS, em 1990.
Ele conta como foi o momento da aprovação. “Lembro que dois meses antes da minha inscrição para o PAS, quando tinha que definir o curso, eu queria fazer mecânica, mas sempre trabalhei com música e também queria algo relacionado a isso. Foi quando conheci a etnomusicologia e me encantei por essa parte cultural”, diz. Certo de sua escolha, Fábio recorda que a ansiedade pelo novo era algo comum no dia a dia dos estudantes. “Hoje tem escolas, cursinhos com preparatórios, nota de corte. Mas a gente não tinha nada disso. Era tudo novo, não sabíamos o que esperar”, explica.
De acordo com o produtor musical, o momento da aprovação foi especial para ele, para os amigos e para a família. “Sabia que tinha uma chance, mas não sabia quanto, por conta da nota de corte, que ainda não sabíamos qual seria. Um amigo viu que passei e lá, no meio do inverno da Suécia — onde estava estudando música —, me jogaram em um monte de neve”, brinca.
Fábio cursou as três etapas do PAS e, assim como muitas pessoas que participaram do processo seletivo, ele garante que soube aproveitar os momentos que viveu na universidade. “Muitos que cursaram o ensino médio comigo estavam na UnB”, conta. Do tempo em que estudou na instituição, Fábio diz que, ainda hoje, recorda da diversidade presente nos corredores dos prédios da UnB. “Ela foi construída para ser um sistema de educação diferente. Nos primeiros semestres, tínhamos matérias gerais, e isso gerava uma mobilidade de conhecimento e trocas legais, com pessoas diferentes”, reitera.
Resistência
Mas nem sempre a diversidade e pensamento crítico na UnB foram livres. Professor emérito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), José Carlos Coutinho, 87, lembra dos momentos de tensão vividos sob a ditadura militar. “A universidade ainda não tinha seu regimento interno, o reitor agia de maneira autoritária. E a UnB era uma universidade que chamava a atenção do Brasil, tinha um prestígio, inclusive, mundial”, recorda.
Em 1977, o professor vivenciou um dos momentos mais marcantes da história da instituição. “Foi quando ocorreu uma grande invasão da UnB, com muita violência e agressividade, voltada aos líderes de movimentos estudantis e docentes. Honestino foi um deles, mas não o único. Uma série de denúncias que giravam em torno da conduta universitária surgiu, e foi o que proporcionou a ditadura na UnB”, recorda.
Diante do ambiente de perseguições e intolerância, alguns professores se exilaram. “Eu tive colegas que tiveram que se ausentar do país, deixando suas atividades. Sob a ameaça de prisão, estudantes precisaram abandonar seus cursos. Mas havia uma determinação forte de perseguir com o projeto da universidade, que era libertário”, garante. “Eu acho que conseguimos a sobrevivência do ideal universitário de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Além do Honestino, centenas de estudantes foram companheiros de luta. Foi o heroísmo deles, que resistiram à pressão da ditadura, que alcançamos a redemocratização, com a nova república. Foi uma nova alvorada da UnB, que cresceu, se expandiu com os diferentes campos, e hoje tem sido uma referência, não só para o Brasil como para todo o mundo”.
Access to Memory
O AtoM é um sistema gerido pelo Arquivo Central (ACE), setor responsável pela memória da Universidade. A trajetória do órgão começa ainda nos anos 1980, quando surgiram as primeiras iniciativas para criar uma unidade que abrangesse a guarda e o acesso à documentação produzida pela Universidade. Assim, em 1986 foi criado o Centro de Documentação e Arquivo da Universidade de Brasília (Cedaq). O Centro passou por modificações, até que em 2014 foi criado o Arquivo Central, que agregou outras atividades e passou a coordenar um sistema de arquivos e a gerenciar documentos localizados em outros setores.
De acordo com o diretor do órgão, Rodrigo de Freitas, o Arquivo Central atua para promover a gestão de documentos de toda a Universidade e é um trabalho que requer cuidado. “Os arquivos que temos colocado no Atom da UnB são documentos já tratados e digitalizados. Alguns antes de 2015, mas que tem a intenção de promover o acesso para a comunidade”, explica. O trabalho, segundo o diretor, é de fundamental importância para a gestão e preservação da história da instituição. Isso porque serve como fonte para a tomada de decisões.
Serviço
O AtoM — Access to Memory (www.atom.unb.br) da UnB disponibilizará a íntegra de todos os documentos públicos que estão no Sistema Eletrônico de Informações da instituição. A consulta poderá ser feita a partir da pesquisa pública, disponível no Portal do SEI da UnB.
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