Tem gente que se apavora só de ouvir o zumbido de uma abelha. Outros interpretam o som como sinônimo de riqueza e fertilidade. Para os apicultores Anderson Roberto Assunção Vieira, 42 anos, e Andréa Giuseppe Mabrito, 52, esses insetos não são aliados apenas da natureza, mas também das pessoas. É por meio das abelhas que o homem pode fazer uso do mel para aumentar a imunidade, tratar dor de garganta e tosse, hidratar a pele, cicatrizar acnes, feridas e, até mesmo, ajudar a curar a ressaca. Diante de tantos benefícios para a saúde humana, a produção de mel no Distrito Federal tem sido cada vez mais robusta: anualmente, são produzidas no DF cerca de 40 mil toneladas de mel. Apesar de ser um bom número, grande parte da produção é para consumo próprio, e muitos optam por manter a criação no quintal de casa.
De acordo com o coordenador do Programa de Floricultura da Emater, Carlos Morais, ao longo dos últimos anos, a procura pela criação de abelhas caseiras aumentou. "A produção de mel é muito pequena, mas é uma atividade que não requer grandes investimentos. Durante a pandemia, o aumento do dólar dificultou o acesso a fertilizantes e impactou na produção de grãos e alimentos dos animais. Já as abelhas não têm necessidade de serem alimentadas artificialmente. São, talvez, os únicos animais de manejo que não precisam de água ou comida. É uma criação que requer pouca mão de obra", explica.
A partir disso, a Emater iniciou o projeto Jardins de Mel, que tem como objetivo fomentar a criação de abelhas nativas em residências do DF e preservar as espécies do cerrado. De acordo com Carlos, algumas famílias utilizam o mel esporadicamente, apenas como medicamento. Por isso, a empresa planeja oferecer a essas famílias a condição de produzir mel de qualidade e de consumo.
Segundo Carlos, os insetos podem ser criados em qualquer cantinho de um quintal, em um espaço de um metro de altura por até três metros de comprimento. "É possível criar em qualquer residência, seja rural, seja urbana. "O objetivo da Emater é levar a informação e desmistificar a ideia de que a criação da abelha é uma atividade difícil, exótica. Até crianças podem manusear, já que as abelhas nativas não têm ferrão e não oferecem risco à população, como as abelhas africanas", diz.
Para iniciar a criação em casa, Carlos explica que basta o interessado procurar um dos escritórios locais da Emater, fazer o cadastro e, com o apoio do órgão, poderá passar pelo treinamento para iniciar o manejo.
No caso de Anderson e Andréa, responsáveis pela Fazenda Riqueza da Alma, que tem apiários no Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais, o interesse pelo mundo das abelhas surgiu há cerca de seis anos. "Eu sou produtor rural há muitos anos, e decidi recorrer à produção apícola para trazer a sustentabilidade que a nossa fazenda precisava. Iniciamos a criação de abelhas e o Andréa, que é profissional na área há mais de 30 anos, participou do projeto. Ele iniciou o trabalho na Itália e, quando veio ao Brasil, deu sequência na produção", explica Anderson.
No local, são cultivadas as espécies apis mellifera, conhecida como abelha-europeia; buckfast, abelha-americana; e apis mellifera scutellata, popularmente chamada de abelha-africana. "Trabalhamos com elas para desenvolver uma genética que se adapta melhor às questões produtivas do bioma cerrado", explica Anderson. A diversidade de espécies contribui com um extenso catálogo de produtos derivados do mel. Dentre eles, própolis verde de alecrim do campo, pólen, mel, hidromel e, até mesmo, cachaça de mel.
Oportunidade
Apesar da pluralidade, Anderson diz que ainda há desafios a serem superados no ramo. "O nosso maior desafio são as lavouras tradicionais, que levam as abelhas à morte com a pulverização de defensivos agrícolas. Elas perdem a orientação para casa e podem contaminar o enxame", lamenta. "Com tudo que está acontecendo na Rússia, que é responsável pelo envio de parte desses produtos, as fazendas convencionais têm a oportunidade de compreender a importância de adubos sustentáveis para minimizar a morte de abelhas", completa.
Além disso, a falta de valorização do produto local dificulta o incentivo dos apicultores da cidade. "Muitos produtores rurais vêm para o DF com o intuito de vender seus produtos. Mas aparecem com preços incompatíveis com o mercado local. Isso faz com que o mel produzido aqui seja desvalorizado. Precisamos de políticas específicas para desenvolver a cadeia produtiva do mel do DF, fazendo com que haja fortalecimento desse mercado na capital", defende Anderson. Para ele, a Associação Apícola do Distrito Federal (Api-DF) ainda fortalece o ramo, mas falta incentivo. "Ela sozinha não tem força. Deveria ser algo governamental, uma vez que nosso mel já foi campeão nacional várias vezes", diz.
Apoio
Ao Correio, o secretário-executivo da pasta de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Seagri), Luciano Mendes, explicou que a apicultura é de fundamental importância para o DF. "Apesar de ser pequena, ela tem a sua importância. Muitas pessoas encaram a apicultura como atividade complementar, e as abelhas, em conjunto com outros insetos, têm um papel fundamental quando se trata de equilíbrio ambiental", diz. No DF, a produção não é maior porque, segundo Luciano, diferente de outros biomas, o cerrado possui uma concentração de flores em determinadas épocas do ano. "Muitos fazem a apicultura migratória, levam caixas para onde há florada naquele momento. Mas, como nossos produtores são de pequeno porte, eles só tiram mel quando há uma boa florada", cita.
Ao ser questionado quanto às ações governamentais voltadas ao desenvolvimento da apicultura, Luciano disse que há uma série de atividades que acontecem ao longo do ano. Dentre elas, a capacitação, orientação e assistência técnica da Emater. "O produtor que deseja iniciar ou melhorar a atividade pode contar contar com o apoio da empresa, sem qualquer custo", reitera. Além disso, o DF possui a Casa do Mel, na Granja do Torto, que é uma estrutura construída pelo governo com equipamentos. "Lá, eles podem processar o mel e garantir a qualidade. Há cerca de três anos, a Seagri colocou à disposição equipamentos novos para que pudessem envasar o mel e vender", diz.
A cor e o sabor diferenciados levaram o mel do Distrito Federal a um novo patamar. A apicultura brasiliense tornou-se uma das mais reconhecidas no país e já levou títulos nacionais de mais puro e com o melhor pólen. O produto candango é, ainda, bicampeão internacional pela qualidade. Vice-presidente da Api-DF, o meliponicultor Carlos Alberto Bastos explica: "Nosso mel tem o menor índice de umidade se comparado a outros produtos do país. Durante a época de produção de mel, nosso bioma registra umidades baixas, e isso eleva a qualidade do mel", diz.
Polinização
De acordo com Carlos, são mais de mil apicultores associados à Api-DF, sendo que nem todos produzem para comercializar. A maioria cria abelhas e produz mel para consumo próprio e de seus familiares. A associação calcula a presença de cerca de 300 apiários no DF e entorno, sendo que 90% dos apicultores produzem em parceria com fazendeiros. "Precisamos de terras diversas, então, fizemos parcerias com os fazendeiros e produzimos mel nas propriedades deles. Existe uma troca, porque a abelha também poliniza o que ali é produzido", diz.
Segundo o vice-presidente, a maioria dos apiários do DF cria a abelha-africana. "Ela tem ferrão e veneno, mas produz mais mel. Então é a que priorizamos para comercializar os derivados", explica Carlos. Apesar disso, as abelhas nativas do DF ainda marcam presença, principalmente na produção para consumo próprio, em casas da capital federal. "Já temos cerca de 18 espécies catalogadas no DF. Elas são pequenas, produzem pouca quantidade de mel, mas têm a função importante de polinizar a natureza, cada qual com o seu tamanho", reitera.