Chegou ao fim a atividade de uma organização criminosa que faturava alto com o sofrimento de vítimas que acreditavam ter seus familiares queridos sequestrados. De Brasília, um casal, de 23 e 25 anos, chefiava as atividades que se estendiam pelos estados da Bahia, de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Paraná. Um golpe lucrativo, desarticulado após a ação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
Durante seis dias, policiais da 10ª Delegacia de Polícia (Lago Sul) estiveram nos estados onde os membros da organização estavam para capturar os suspeitos. As investigações começaram em dezembro do ano passado, depois que um casal de 70 anos, morador do Lago Sul, recebeu uma ligação afirmando que o filho deles era mantido em cativeiro e morreria caso não fosse pago um valor de resgate. Audaciosos, os criminosos deram a opção de um motoboy buscar o dinheiro na própria casa dos idosos. Desesperados, aceitaram e fizeram o pagamento.
Apontados como os "cabeças" da organização, o Correio apurou que o casal de namorados Hugo Menezes de Souza e Alessandra Jennifer Alves Calixto, moradores de Ceilândia, mandaram que Fabrício Paiva Baraúna, integrante da organização, fosse buscar o dinheiro do "resgate". O motoboy recolheu US$ 5 mil e dois relógios de marca. O prejuízo estimado foi de R$ 100 mil.
O delegado à frente do caso, Tiago Carvalho, da 10ª DP, afirma que o grupo se dividia em pequenos núcleos. "Um deles ligava, e o segundo buscava o dinheiro em um local previamente definido pelos criminosos. Um terceiro sacava o valor, e os outros autorizavam o uso das contas bancárias", explicou.
Hugo e Alessandra foram presos depois de chegarem à Bahia — local em que usavam o dinheiro das extorsões e onde eram monitorados por agentes da polícia. De outros estados, três pessoas acusadas de emprestar as contas para o recebimento dos valores também foram detidas na operação da PCDF. Os suspeitos são: Wilson Felipe Macedo, Luiz Henrique de Oliveira e Maria Betânia Gomes Ferreira. "Todos permitiram, mediante obtenção de vantagem ilícita, que as contas bancárias deles fossem usadas para receber valores transferidos pelas vítimas", frisou o delegado.
O Correio apurou que Fabrício Paiva, o motoboy, chegou a ser preso em fevereiro deste ano pela 1ª DP (Asa Sul) pelo mesmo crime de extorsão. Segundo consta nos autos do processo, o autor integrava uma organização criminosa que escolhia pessoas idosas e ligava afirmando que tinham sequestrado o filho da vítima, exigindo uma quantia para o suposto resgate. Na ocasião, um homem de 79 anos, caiu no golpe. Assim como no caso do Lago Sul, Fabrício foi até a casa do idoso durante a madrugada para buscar o valor.
A polícia chegou a pedir a prisão preventiva de Fabrício na época, mas a Justiça concedeu liberdade provisória.
Modus operandi
O casal de idosos do Lago Sul só percebeu que havia sido enganado no fim daquele dia e procurou a delegacia para registrar boletim de ocorrência. O delegado Renato Fayão, adjunto da 10ª DP, explica que, normalmente, os bandidos noticiam o falso sequestro e exigem, imediatamente, o depósito de dinheiro, bem como a compra de cartões de recarga para celulares pré-pagos com a promessa de liberar o sequestrado. Câmeras de segurança colhidas pela polícia registraram Hugo e Alessandra sacando o dinheiro depositado em um caixa eletrônico, por volta das 14h50 (veja o vídeo abaixo).
De acordo com o investigador, a performance dos criminosos, muitas vezes, inclui gritos e choros ao fundo do telefonema e o fornecimento de detalhes da pessoa supostamente sequestrada para assustar e convencer a vítima a pagar rapidamente. "A melhor forma de não ser vítima do golpe do falso sequestro é conhecer a forma como ele é aplicado e adotar algumas medidas preventivas. Manter a vítima ao telefone, impedindo-a de desligar o celular, é o segredo do sucesso do golpe. Então, na eventualidade de receber uma ligação dessa natureza, mantenha a calma e desligue o telefone imediatamente", orienta. Diante disso, o delegado explica que será possível tentar localizar a pessoa supostamente sequestrada.
Palavra de especialista
“Infelizmente, esse tipo de crime tem acontecido com bastante frequência e tem sido praticado, muitas vezes, por criminosos presos que contam com a ajuda de criminosos que estão fora das cadeias, sobretudo na coleta de informações e dados das possíveis vítimas e seus próximos (familiares, amigos, empregados etc.). Trata-se do crime de extorsão mediante falso sequestro e os criminosos têm buscado modificar o "modus operandi", ainda que se valendo de ligações telefônicas às residências ou diretamente para aparelhos celulares, inventando falsas histórias com personagens fictícios, falsos reféns em situações de desespero, supostos cativeiros, mentiras e ameaças para garantir êxito no golpe. Para que configure o tipo penal extorsão, é preciso que a coisa pretendida pelo agente seja entregue pela vítima mediante constrangimento (tolhendo a liberdade, forçando a fazer), sendo indispensável que a vítima colabore na entrega (tradição) do bem que pode ser móvel ou imóvel. Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, a pena pode ser aumentada de um terço até metade. No caso em tela, percebe-se ainda que pode configurar organização criminosa, conforme dispõe a legislação penal. Para quem atender uma ligação desse tipo, o que fazer? Primeiramente, desconfie sempre. Procure minar qualquer possibilidade de extorsão, quando o falso sequestrador percebe que não logrará sucesso no golpe, geralmente, ele desiste. Faça contato imediato com a pessoa que está supostamente em perigo, se certifique de que ela esteja bem. Se possível, grave a chamada ou use identificador, se for para telefone fixo. Para telefone celular, verifique se a chamada é identificada e qual a origem. Não converse com o criminoso, não lhe forneça elementos e informações. Acalme-se e aja racionalmente, não entre na lógica do criminoso. Não atenda ao que ele está pedindo, não faça operações bancárias (depósito, transferência, pix etc.). Evite receber ligações a cobrar e/ou não identificadas. Oriente os demais membros da família e pessoas próximas sobre o ocorrido, sobretudo funcionários, seguranças etc., pois poderão ser também potenciais vítimas desse tipo de criminosos em algum momento”, Welliton Caixeta Maciel, professor de antropologia do direito e pesquisador do Grupo Candango de Criminologia da Universidade de Brasília (UnB).
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