ENTREVISTA

Covid-19 acelerou pesquisas na saúde

Para especialista, estudos tiveram avanços no período de pandemia. Ele compara o desenvolvimento da produção científica sobre o novo coronavírus ao que ocorreu durante 30 anos com o HIV. Além disso, fala sobre o risco gerado pelos não imunizados

Dois anos desde o surgimento da covid-19, um dos principais marcos desse período foi o avanço das produções científicas em todo o mundo. Para o infectologista David Urbaez, do Exame/Dasa, a crise sanitária proporcionou o desenvolvimento de pesquisas e abriu espaço para novos questionamentos. Ontem, em entrevista à jornalista Carmen Souza, no CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília — o especialista ressaltou que, só no primeiro ano de pandemia, os estudos na área sanitária avançaram o mesmo que nos 30 anos de investigações sobre o HIV. "Neste segundo ano (de pandemia), isso se multiplicou por centenas de vezes", afirmou o médico.

Após dois anos de pandemia, pensando em produção científica, qual fator você elenca como mais marcante?

Quando se tem esse tipo de explosão, em termos de crise sanitária, isso promove muita produção científica. Quando aconteceu algo semelhante com a aids, fazendo-se uma comparação, o que foi produzido em 30 anos sobre a infecção pelo HIV conseguimos refazer no primeiro ano de pandemia. Neste segundo ano, isso se multiplicou por centenas de vezes. Aconteceu porque se abriram muitas questões científicas referentes à pandemia; desde pesquisas diagnósticas, virológicas — que estudam o comportamento do vírus —; clínicas; até aquelas de vacinas e medicamentos. Isso abre várias frentes, principalmente com aporte financeiro.

Pensando nas vacinas,
o que surgirá nos próximos meses e anos?

Desde o início, tínhamos um estoque de 200 moléculas, de 200 produtos em testes que estavam (em estágios) avançados e com a novidade que todos sabem: o RNA mensageiro e o vetor viral. Mas, também, existem vacinas feitas a partir de uma subunidade proteica, uma tecnologia conhecida e dominada antes. Há vacinas que serão aplicadas pelo local de entrada do vírus; pelo nariz, principalmente, despertando uma imunidade local. Sendo assim, é possível avançarmos para uma vacina esterilizante. Isso é uma meta a médio prazo, mas não uma grande meta. Até hoje, o mundo funcionou com outros modelos de doenças infecciosas, não necessariamente procurando vacinas esterilizantes — que têm a capacidade de retirar o agente infeccioso do corpo. Esse mundo de vacinologia está em pleno desenvolvimento. Os imunizantes que usamos hoje são de primeira geração e cumprem um papel extraordinário no que diz respeito ao manejo da pandemia. Por outro lado, haverá o desenvolvimento de medicações que também terão programas de distribuição gratuitas em algum momento. E, por fim, a questão do diagnóstico, principalmente os testes rápidos. As pessoas não entendem, mas isso é de uma tecnologia extremamente sofisticada.

Muitos não se vacinaram ou completaram o ciclo. No Brasil, são 32 milhões. Como esse comportamento favorece o surgimento de novas variantes e o fortalecimento da pandemia?

Quando se usam vacinas, mesmo não esterilizantes, diminui-se a carga viral que (a população) compartilha e o tempo que essa carga está compartilhada. Dessa forma, contribui-se bastante para a diminuição da transmissão. Pandemia, o que tentamos passar, é sobre a transmissão viral, pois ela é a responsável por permitir que o vírus se perpetue no cotidiano. Sem dúvidas, tudo que é pandêmico afeta uma escala de milhões de pessoas. E, na crise sanitária, todos estão envolvidos. (Por causa de) um ou outro indivíduo que diz não se vacinar, em uma população de 214 milhões de habitantes, acumulam-se facilmente 20 ou 30 milhões (de infectados). Assim, haverá um terreno em que o vírus continuará a circular livremente, promovendo novas variantes com todos os riscos.

O presidente Bolsonaro
disse que o Governo Federal começa a discutir a transformação da pandemia em uma endemia. Podemos falar sobre isso, considerando a
realidade brasileira?

Falamos de conceitos que são construídos por curvas de incidência. Nós — que trabalhamos com doenças infecciosas — e epidemiologistas não somos capazes de usar esses termos, porque não se decreta que uma coisa passou de pandêmica para endêmica. Isso é um processo, o qual está longe de terminar.

Precisaremos tomar vacinas regularmente contra o coronavírus?

Por se tratar de um vírus respiratório, há uma série de restrições em relação à imunidade que se obtém a partir do imunizante e da infecção natural. É bem provável que o cenário inclua essa vacinação uma vez por ano ou até mesmo semestralmente. Mas, na medida em que você encurte esse espectro (de infecções) e consiga definir quem evolui para casos graves ou óbito, talvez, possamos voltar para o início da pandemia, com aplicação das doses só em grupos prioritários.

* Estagiário sob a supervisão de Jéssica Eufrásio