Segurança

Cartilha do GDF contra a violência nas escolas prevê reforço no policiamento

Devido aos casos de violência registrados nas últimas semanas em instituições de ensino do DF, a Secretaria de Educação e outras pastas do governo trabalham em uma cartilha com diversas medidas para coibir agressões entre estudantes da capital do país

Edis Henrique Peres
postado em 29/03/2022 06:00
Em um dos episódios mais graves, na última quarta-feria (23/3), uma adolescente foi esfaqueada no CEF do Bosque, em São Sebastião -  (crédito: Carlos Silva/CB/D.A. Press)
Em um dos episódios mais graves, na última quarta-feria (23/3), uma adolescente foi esfaqueada no CEF do Bosque, em São Sebastião - (crédito: Carlos Silva/CB/D.A. Press)

Devido aos crescentes casos de violência nas escolas do Distrito Federal, a Secretaria de Educação, em parceria com outras pastas do governo, desenvolve um plano de ação para coibir o comportamento agressivo dos estudantes. Uma das medidas anunciadas pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) é o reforço do Batalhão Escolar nas unidades de ensino. Os policiais, de acordo com o titular da pasta, Júlio Danilo, podem adotar uma "varredura", se necessário. "É um trabalho de vistoria dentro da sala de aula e até dentro dos pertences de algum aluno, um procedimento padrão já realizado por policiais capacitados e adotado de acordo com a demanda indicada pela escola", explica.

O Plano de Urgência pela Paz é coordenado pela Secretaria de Educação e envolve as secretarias de Saúde, de Segurança Pública, da Juventude e de Esporte. O aumento do efetivo do Batalhão Escolar se dará com o emprego de oficiais nas horas de folga para reforço das atividades ostensivas. "Essas demandas vão depender dos pontos mais críticos e das requisições que vamos recebendo ao longo da nossa ação. Não vamos deixar uma viatura parada em cada colégio, elas vão ficar circulando em diversos pontos. O nosso principal foco será atuar na prevenção desses casos", garante Júlio Danilo.

Secretária de Educação, Hélvia Paranaguá explica que a pasta fez um levantamento de 126 unidades de unidades escolares com os maiores índice de violência. "Praticamente, 100% dessas escolas são de ensino médio e anos finais do ensino fundamental. Esse trabalho vai envolver não apenas a escola, mas os pais, a família e a sociedade. Os responsáveis precisam conferir o que os filhos estão levando nas mochilas, precisam prestar esse apoio, não é um papel apenas da escola", pondera Hélvia Paranaguá .

A titular de Educação detalha que a cartilha do plano de ação deve ser entregue até 27 de abril nas escolas. "Temos o prazo até 6 de junho para implementar essas medidas. Isso não significa que vamos começar a atuar somente nessa data. Começamos a agir agora, mas precisamos desse prazo para qualificar os diversos profissionais das diversas pastas envolvidas, porque não adianta, simplesmente, entregar uma cartilha para um profissional e não dar a orientação adequada para ele", ressalta.

Segundo Hélvia, as regiões com o maior índice de registros de violência são Ceilândia, Plano Piloto, São Sebastião e Taguatinga. "São Sebastião destoa das demais cidades, porque as outras três possuem um alto quantitativo de escolas, o que, automaticamente, gera um grande número de ocorrência. Mas o nosso objetivo é não estigmatizar nenhuma região ou escola, por isso estamos buscando agir com muito cuidado", acrescenta.

Reflexo da sociedade

Doutor em educação pela Universidade de Brasília (UnB) e professor do Instituto Federal de Brasília (IFB), Messias Eiterer explica que dois fatos devem ser considerados ao analisar a escalada de violência no ambiente escolar. "O primeiro ponto é que a pandemia trouxe um afastamento social, ou seja, o desencontro do convívio. Com isso, as pequenas desavenças que são resolvidas cotidianamente e que as pessoas estavam habituadas a solucionar, foram deixadas de lado, e algumas pessoas desaprenderam isso. O que se soma a esse cenário é que temos um aumento do discurso de violência nos últimos anos, com falas até de matar quem pensa de forma diferente, assim como o surgimento de diversos grupos radicais. O crescimento absurdo dos clubes de tiro, de pessoas que se vangloriam de portar uma arma, é uma prova disso. Ou seja, são dois fatores que não podem ser ignorados", argumenta o especialista.

Para Messias Eiterer, neste cenário, as ações realizadas devem focar nas dinâmicas de convívio, resolvendo os conflitos a curto prazo e civilizadamente. "A escola é um reflexo do que acontece na sociedade. Em termos de solução, o trabalho com pessoas não vem com uma regra pronta e acabada, cada caso é um caso e deve ser avaliado separadamente, mas o geral é que esses jovens devem ser ouvidos, o espaço tem que ser aberto para o diálogo. Os estudantes precisam ter condições de se manifestar, em um momento de escuta e fala, para as coisas serem resolvidas. E essa mediação de conflito tem que ser percebida antes que o desentendimento chegue às brigas generalizadas", avalia.

Diretora do Sindicato dos Professores (Sinpro-DF), Luciana Custódio destaca que o principal obstáculo enfrentado pela categoria é o da falta de investimentos. "Temos uma ausência de orientadores educacionais que não dão conta de tanta demanda. Hoje, cada orientador tem que cuidar de 680 estudantes, ou seja, uma demanda altíssima. Isso tudo são desafios para o trabalho e para esse suporte aos jovens", ressalta.

A dificuldade em lidar com os sentimentos, segundo a avaliação do presidente da Associação de Pais e Alunos (Aspa-DF), Alexandre Veloso, é outro fator a ser trabalhado dentro do local de ensino. "Muitos lares, na pandemia, ficaram sem uma orientação emocional, devido a falta do convívio social. Por isso, é importante que a nossa juventude tenha instrumentos para lidar com esses conflitos emocionais, sociais ou econômicos. Assim, as políticas públicas e as condições de pleno direito são fundamentais", opina.

 

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Insegurança e medo

23 de Março: no Centro de Ensino Fundamental (CEF) do Bosque, de São Sebastião, uma adolescente de 14 anos foi esfaqueada por outro jovem, de 15 anos, que levava a arma na mochila. O ataque aconteceu enquanto a vítima bebia água na quadra de esportes, segundo alunos ouvidos pela reportagem do Correio. A estudante foi socorrida pela professora e levada ao Hospital Regional do Paranoá (HRP). Ela recebeu alta na última sexta-feira, e o caso segue sob investigação da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA 1). O aluno responsável pelo ato infracional será transferido de escola.

22 de março: em uma briga em frente ao Centro Educacional (CED) São Francisco, em São Sebastião, uma mulher de 19 anos apontou uma arma para uma estudante. Segundo informações, a adolescente estaria com uma faca e ameaçava a amiga da mulher que tinha o revólver. A PMDF foi acionada para atender a ocorrência, mas, quando chegou na unidade escolar, nenhum dos envolvidos estava presente. A mulher poderá responder por porte ilegal de arma de fogo e ameaça. O caso é investigado pela 30ª Delegacia de Polícia (São Sebastião).

18 de março: estudante de 18 anos do Centro de Ensino Médio (CEM) 3, de Ceilândia, é esfaqueado após uma briga em frente ao colégio. Depois de sofrer os golpes de outros dois adolescentes, de 16 anos, a vítima entra de novo dentro do colégio e pede socorro. Segundo informações apuradas pela reportagem, o estado da vítima é estável, mas continua internada no hospital. O delegado-chefe responsável pelo caso, Juvenal Campos, explica que os suspeitos foram ouvidos pela DCA 2 (Taguatinga), estão apreendidos e aguardam decisão da Justiça. O motivo da briga teria sido uma discussão ocorrida no dia anterior. Um dos agressores tentou jogar uma bolada em uma estudante da mesma classe da vítima, que para escapar, torceu o pé. Na ocasião, a vítima das facadas disse que ele tinha que aprender a respeitar as mulheres e a ser homem. Isso gerou uma discussão. No dia seguinte, os dois agressores foram com uma faca na mochila para se vingar.

 

Ferramenta de emancipação

Rafael Mesquita, professor do curso de direito no Centro Universitário Iesb e mestre em direitos sociais e processos reivindicatórios

"Índices recentes apontam para a escalada da violência no âmbito escolar. Não restam dúvidas de que a vulnerabilidade, no que diz respeito à segurança, faz com que a atmosfera emancipadora e encorajadora da educação, seja prontamente substituída por terror e desistência. Intervenções se fazem necessárias. A questão é: quais intervenções devem ser feitas?

A escola não diz respeito a um universo paralelo, mas, sim, reflete o contexto social em que cada um dos indivíduos está inserido. Logo, a prevenção/educação deve ocorrer, também, extramuros. Faz-se importante a participação ativa da comunidade no combate à violência escolar. Assim sendo, em diversas localidades, as secretarias de Educação recomendam às escolas a criação de comitês/conselhos formados por professores, diretores, alunos e membros da comunidade que, em conjunto, desempenham atividades informativas e preventivas. Medidas como essa devem ser encorajadas, bem como a escola deve estar apta a acolher ao invés de somente conter.

Não podemos olvidar que a violência escolar requer um trabalho multidisciplinar, no qual, na maioria das vezes, em situações delicadas ou graves, exige a intervenção, inclusive, do Conselho Tutelar, do Ministério Público e de agentes da Segurança Pública. O ambiente acadêmico sempre foi visto como transformador, em que tudo é possível. Ao passo que a violência tem crescido, não podemos descuidar que a solução está a um lápis, a uma criança, a um jovem de distância."

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