"Os anos 1990, Ceilândia era um lugar que o governo não dava atenção. A criminalidade era quem ditava a lei e a capoeira foi um escape. Ela me livrou de muita coisa naquela época e decidi ensinar outros adolescentes a fim de resgatá-los." O relato é do Mestre Mancha, que há décadas vem desenvolvendo trabalhos sociais com a arte marcial associada à dança, em Ceilândia. Mancha é presidente do Instituto Mãe África, localizado na Área Especial entre Ceilândia Norte e o P Norte, onde mora.
Além de levar a capoeira para jovens de todo o DF, juntamente aos valores da luta e o legado da história da população negra no Brasil, o instituto também promove eventos culturais, cursos de capacitação com costura e artesanato e outras ações sociais, como entrega de cestas básicas durante o duro período da pandemia.
O Mãe África foi fundado em 2008, mas a história do mestre com a capoeira é mais longeva do que isso. Ele pratica a arte desde os anos 1980, quando chegou a Ceilândia para morar. Em 1997, passou a dar aulas de capoeira para estudantes do Centro de Ensino Médio 11, no P Norte, trabalho que lhe rendeu uma premiação concedida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Ao lado dos alunos, levou o nome de Ceilândia para 17 estados, além de Nova York, Nova Jersey e Filadélfia, cidades norte-americanas. O prestígio internacional fez com que recebesse convites para ir morar fora do país, algo que ele nunca aceitou. "Não saio de Ceilândia", ressalta. "Fiz questão de colocar 'Ceilândia-DF' na logomarca da Ginga Ativa, roda de capoeira que temos no instituto."
A capoeira faz parte da história da cidade. O Sol Nascente, que até pouco tempo atrás fazia parte de Ceilândia, recebeu o nome da roda de capoeira que Mancha comandou na região entre 1986 e 2018, até se formar mestre na luta.
Confira o especial Ceilândia 51 anos
Hoje, com 43 anos, o filho de pernambucanos conta que o governo dá mais atenção para a cidade, que não é mais a mesma de antigamente, mas que o preconceito das pessoas de outras cidades ainda é significativo. "Essa barreira precisa ser quebrada constantemente. Ceilândia precisa de mais visibilidade e apoio para nossa cultura. Além do povo trabalhador e com garra, a classe artística é a que divulga mais o lado positivo da cidade", constata.
Adolescentes
Jânio é mestre na Associação Brasileira de Capoeira Arte Luanda, localizada no Setor P Sul, há 25 anos. Lá, ele leva a arte para crianças e adolescentes da comunidade, incluindo pessoas com síndrome de Down e autismo. Hoje, com 55 anos, Mestre Jânio chegou à cidade quando ela tinha apenas 2 anos de existência. "Era só buraco, não tinha água e nem infraestrutura básica. Eu vi Ceilândia crescer", rememora o capoeirista, que é oficial da reserva da Polícia Militar do DF.
Além do Arte Luanda, Mestre Jânio levou a capoeira para projetos sociais promovidos pela Secretaria de Segurança Pública na própria Ceilândia, no Paranoá e no Itapoã, sempre com foco em crianças e adolescentes. Para a cidade aniversariante, ele deseja mais investimentos no esporte, "uma prevenção contra a proliferação das drogas", segundo ele, que declara: "Não me vejo morando em outro lugar. É amor".
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