A frase que intitula este texto foi escrita no começo do século 20 por Louis-Ferdinand Céline, um dos meus escribas preferidos, mas nunca esteve tão atual. Céline complementava: não existe vaidade inteligente. O filósofo Arthur Shopenhauer faz uma distinção que me parece essencial entre o orgulho e a vaidade. Segundo ele, o orgulhoso exige ser reconhecido por um mérito que realmente possui; enquanto o vaidoso quer ser reconhecido por méritos que, de fato, não tem.
Claro que sempre houve vaidade. Mas a diferença é que, agora, existe todo um arsenal de tecnologias da comunicação para praticar o narcisismo 24h por dia. Não exagero: até os médicos foram flagrados tirando selfies durante as cirurgias nos hospitais. Os passeios turísticos também se tornaram aventuras arriscadas, porque nos lugares mais perigosos as pessoas se desconcentram tirando autorretratos.
E tudo indica que a prática obsessiva dos selfies não é muito favorável para a autoestima dos adeptos de narcisismo radical, pois a convivência intensiva com a própria imagem acarretou um aumento desmedido das cirurgias plásticas. Quer dizer, é precisamente o contrário da felicidade em nome da qual se faz tudo isso.
O psicólogo norte-americano Christopher Lasch escreveu um excelente livro sobre o tema, intitulado O eu mínimo. De repente, se reduz tanto o projeto de vida que ela fica incrivelmente pequena: o meu umbiguinho, o meu carrinho, o meu sanduichinho, o meu selfizinho, a minha maconhazinha... E que se dane o mundo. Há um fechamento e um empobrecimento da experiência de interação com o outro mesmo se o autor estiver conectado a milhares de redes virtuais. Até a participação em movimentos sociais precisa ser uma ação de marketing pessoal.
Não quero ditar regras, mas pelo pouco que li dos mestres ascensionados, o hedonismo, a vaidade e o narcisismo são um projeto infalível de infelicidade. Tudo é fundado em uma utopia de perfeição. Pelo contrário: eles dizem que a felicidade está no alargamento do eu, no desprendimento, na doação e na compaixão, valores relegados ao plano do ridículo e do patético nos tempos atuais.
Há pelo menos umas duas gerações que vivem embaixo da constelação de valores do narcisismo. Não querem ser reconhecidas pelo mérito, mas, sim, pelo número de curtidas, de seguidores ou de postagens. Não serei hipócrita de afirmar que renego elogios. Mas não desejo ficar refém da opinião alheia, porque isso é uma forma de escravidão.
Faço e falo o que dita a minha consciência, os meus valores, as minhas convicções e a minha internet espiritual. Se isso agradar à maioria, ótimo; se não, sinto muito. Parece que gente criada sob a órbita da internet está tentando estabelecer uma outra relação com os meios virtuais. Isso é um alento. Sim, Céline tem razão, toda vaidade é burra, mas, associada a meios virtuais tão poderosos de propagação coletiva, toda vaidade fica burríssima.
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