São raros os casos em que possuir algo em maior quantidade é negativo. Com a síndrome de Down — quando o indivíduo tem um cromossomo a mais do que os 46 comuns à espécie humana — não é diferente. Longe de ser uma doença, a síndrome é uma condição genética que pode causar alterações em alguns aspectos da saúde. Em celebração ao Dia Mundial da Síndrome de Down, comemorado hoje, o Correio traz algumas histórias para homenagear as cerca de 10,5 mil pessoas do Distrito Federal e do Entorno que têm a condição, segundo a Secretaria de Saúde (SES-DF).
Da necessidade de discutir os direitos das pessoas com deficiência, nasceu, em 2007, a Associação DFDown. A atual presidente do grupo, Melina Sales, explica que os encontros começaram também com o objetivo de dividir e trocar experiências. "A associação atua na vigilância da manutenção de direitos conquistados e na busca por melhores atendimentos e políticas públicas para pessoas com deficiência, em especial com síndrome de Down", explica a responsável pela DFDown, que completa 15 anos de atuação em maio. "Também trabalhamos esclarecendo sobre os direitos das pessoas com deficiência e fazendo o acolhimento de novas famílias", continua Melina, associada ao grupo há cinco anos.
A presidente destaca que as mães são as participantes com maior predominância na DFDown. A aposentada Heraide Leão é uma delas. A moradora do Guará é mãe de Gustavo Garcia, 22 anos, e a família faz parte do grupo há 10 anos. Desde o início deste ano, o jovem assumiu o cargo de diretor de relações humanas na DFDown. "Ele não foi em nenhuma reunião presencial, para não se expor, devido à covid-19, mas participa dos encontros virtuais. Ele gosta muito, é bem empolgado e se sente valorizado por ser diretor", conta Heraide.
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Ânimo
A empolgação de Gustavo se estende a outras atividades. Aluno de teatro há 10 anos, ele começou a fazer, neste ano, aulas de canto e teclado e um curso de operador de computador, no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Antes da pandemia, Gustavo também ia a uma escola técnica de computação gráfica, mas os encontros foram suspensos por conta da crise sanitária. "Estou achando muito divertido. Já fiz oito aulas de teclado e estou tocando várias músicas", anima-se o rapaz, que também faz aulas de dança. Dedicado, Gustavo participou da montagem de grandes peças teatrais, como Alice no País das Maravilhas, em que fez o Gato; O Auto da Compadecida, em que interpretou Jesus; e o musical A Ópera do Malandro, quando atuou como o juiz da trama.
"Gosto muito de ler Harry Potter, assistir filmes e séries. Terminei de ver Cobra Kai (séria da Netflix), agora tenho de esperar para lançar a quinta temporada", comenta Gustavo, que também curte dançar valsa com a namorada, Bruna Mandarino, 26, e escutar funk. "Fico ouvindo (funk) o tempo todo no celular. Gosto também de pop e sertanejo", completa. Além do gosto pela dança, o casal compartilha o apreço pelos estudos. Bruna, que namora com Gustavo há três anos, foi aprovada, por meio da nota no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no curso de licenciatura em dança do Instituto Federal de Brasília (IFB). As aulas começam em 4 de abril. "Ela gosta muito de dançar, já fez aula de fitdance e de dança de salão. Está muito animada", conta a mãe, a enfermeira Lídia Mandarino, 60.
A moradora de Sobradinho, que se formou no ensino médio em 2018, participa do Programa de Conservação de Bens Culturais da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae-DF), uma oficina profissionalizante de restauração de livros. Por meio da iniciativa, Bruna trabalhou como técnica em conservação de bens culturais em órgãos públicos, além de ter sido Jovem Aprendiz da Caixa Econômica Federal por dois anos. Com o próprio dinheiro, fica mais fácil para Bruna fazer outra atividade que adora: viajar. "A última que fiz foi para o Jalapão (TO). É lindo, gostei muito", conta a estudante, que ama comer guacamole, lasanha e batata. "A parte que eu gosto, mesmo, é comer, cozinhar não é comigo, não", diverte-se. "Às vezes, eu gosto de fazer brigadeiro de panela. Todo mundo da minha família cozinha, menos eu", relata.
Juntos, Bruna e Gustavo também curtem assistir futebol, ir ao cinema, passear em shoppings, conversar pelo celular e ir para as festas da DFDown. "Gosto muito de sair com o Gustavo, me sinto muito bem quando o vejo e quando estou com ele", declara-se Bruna.
Sonho
A ambição profissional é uma característica marcante na vida de Marcelo Gama Dias, 38. Desde os 11 anos, ele queria trabalhar no McDonald's, de onde era cliente frequente com a família. O passeio à lanchonete era um dos favoritos de Marcelo, que, anos depois, teve a oportunidade de fazer um curso de garçom no Senac e ser treinado na Câmara dos Deputados. Helenice Gama Dias de Lima, mãe do rapaz, não mediu esforços para realizar o desejo do filho e, em 2019, com ajuda da área de recursos humanos do McDonald's, o sonho tornou-se realidade: Marcelo começou a trabalhar na unidade da 405 Sul.
Com o emprego, ele pôde tirar a carteira de trabalho, abrir a primeira conta bancária e ter o próprio cartão de crédito, realizando mais um sonho: ser independente e se sentir adulto. A dificuldade de Marcelo para se comunicar não o impediu de se desenvolver e realizar os sonhos. A mãe não esconde o orgulho que sente do filho. "O McDonald's tem um respeito incrível e um carinho enorme com o Marcelo. É no trabalho que ele se desenvolve mais e mais a cada dia", comenta Helenice, moradora da Asa Sul.
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Para saber mais
Data comemorativa
O Dia Mundial da Síndrome de Down é celebrado em 21 de março desde 2012, após reconhecimento oficial da Organização das Nações Unidas (ONU). Com foco na consciência global, o objetivo do dia é garantir que as pessoas com a síndrome de Down tenham as mesmas liberdades e oportunidades que os demais indivíduos. A data escolhida representa a triplicação (trissomia) do 21º cromossomo, que causa a síndrome.
Atendimento
A Secretaria de Saúde do DF mantém o Centro de Referência Interdisciplinar em Síndrome de Down (CrisDown) desde 2013, no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). O programa atende e acompanha, hoje, 1.943 pacientes com síndrome de Down na rede pública, com equipe de psicólogos, nutricionistas, neuropediatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, pediatras e cardiopediatras. Para ser atendido, é preciso entrar em contato por WhatsApp (99448-0691) e agendar um acolhimento, que ocorre sempre às sextas-feiras.