Júlia, 18 anos, é branca e moradora do Jardim Botânico. A travesti Vidda, 24, reside na Asa Norte. Joana, 36, é negra e mora em Samambaia Sul. Neuza tem 92 anos e é habitante do Cruzeiro Velho. Sem deixar de lado as particularidades e diferenças entre cada uma, Júlia, Vidda, Joana e Neuza fazem parte do público feminino que vai eleger um ou uma representante em outubro no Distrito Federal. A quantidade de brasilienses aptas a votar cresceu 4,8% entre o primeiro bimestre de 2018 e o mesmo período de 2022. De 1.096.631, nas últimas eleições, o número passou para 1.149.293 neste ano. E o grupo de mulheres votantes em 2022 pode crescer até 4 de maio, prazo final para emissão e regularização da situação eleitoral. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF).
O aumento pode ter relação com a característica única da capital federal frente às outras unidades federativas. Por não ter representantes municipais, o espaço maior entre um pleito e outro faz com que o crescimento progressivo dos eleitores seja uma tendência. "O DF não realiza eleições há quatro anos e este intervalo foi suficiente para que os menores de idade à época do último pleito já tenham alcançado a maioridade", explica o assessor e porta-voz do TRE-DF, Fernando Velloso.
É o caso da estudante Julia Ferreira que, em 2018, não tinha idade para participar das eleições. Apesar de interessada em exercer a democracia, a moradora do Jardim Botânico não define a sensação como animadora. "Acaba que a responsabilidade de melhorias e de resolução dos problemas é jogada para a geração atual", observa a jovem, que vai priorizar propostas voltadas à educação, como o aprimoramento do ensino público e a melhoria das estruturas das instituições federais. A capacidade de mudança de cenário é citada por Júlia em relação à participação feminina nas eleições. "É muito importante. Como uma minoria social, temos a oportunidade de mudar, efetivamente, um problema sério na conjuntura social", reflete.
Desigualdades
Uma das hipóteses que pode explicar o crescimento das eleitoras do DF é, justamente, o peso das responsabilidades familiares que é descarregado desproporcionalmente nas mulheres, conforme explica Danilo Morais, cientista político do Ibmec. "Elas tendem a formalizar mais a documentação civil, porque temos a predominância de mulheres chefiando lares e boa parte sustentando os filhos sozinha. Então, para que possam se inserir no mercado de trabalho e se tornar beneficiárias de programas sociais, precisam ter os registros em dia, como o título de eleitor", avalia.
A educadora social Joana Bazílio Darc se encaixa nesse perfil. A moradora de Samambaia Sul esteve em situação de rua no DF entre 2004 e 2014, intervalo em que teve o primeiro filho, em 2012. No mesmo ano, ela se cadastrou no extinto programa social Bolsa Família e pediu para receber o DF Sem Miséria. A participação nos benefícios só foi possível graças à documentação em dia: Joana votou pela primeira vez em 2002 e, desde então, manteve a situação eleitoral atualizada. "A importância do voto feminino é dizer para a sociedade que fazemos parte dela. Quem pode falar por nós somos só nós mesmas, ainda mais com essa velha guarda que está aí", frisa, criticando o protagonismo masculino na política.
As desigualdades são tamanhas no Brasil que há desproporções gigantes até mesmo entre as próprias mulheres — como o abismo racial. O TRE-DF não possui dados de raça do eleitorado, mas a professora de psicologia racial da Universidade Católica de Brasília (UCB) Lêda Gonçalves de Freitas afirma que as negras são maioria entre as eleitoras. A predominância, porém, não se reflete entre candidatas e eleitas. A título de exemplo, a Câmara Legislativa do DF tem apenas quatro deputadas entre os 24 parlamentares da casa; entre elas, nenhuma é negra. "Neste momento, em que as candidaturas não estão definidas, precisamos cobrar os partidos para que observem isso. Todas as agremiações, sejam de direita sejam de esquerda, precisam ter atenção ao número de candidatas mulheres e negras. Todos têm de estar atentos à diversidade de gênero", defende a pesquisadora, destacando que a representatividade tem de estar ligada à proporcionalidade: quanto mais candidatas, de diferentes posicionamentos e opiniões, maior será a possibilidade de adequação ao perfil de cada eleitora.
O discurso da professora se assemelha à opinião política da travesti Vidda Guzzo. Para a estudante, é preciso estar atenta não apenas à questão de identificação de gênero, mas também à construção de pautas relevantes. "Os recentes desdobramentos na política do país têm demonstrado que a representatividade deve vir acompanhada de um projeto político. De nada adianta um discurso vazio", critica a mestranda em ciência política.
A ativista destaca que a presença de mulheres trans e travestis nos espaços de decisão, mais do que representatividade, significa sobrevivência. "Nossos anseios são por coisas básicas, como empregabilidade e educação. Precisamos de candidatos comprometidos em tornar nossos direitos uma realidade. Somos persistentemente excluídas da rota da democracia. Para nós, a democracia, de fato, nunca chegou", arremata Vidda.
Facultativo
As mulheres de 70 anos ou mais são parte do público feminino para quem a participação eleitoral é opcional, junto às adolescentes de 16 e 17 anos. O número de idosas aptas a votar cresceu 41,7% no DF do último ano eleitoral para cá. Até fevereiro de 2018, eram 60.535 eleitoras, contra 85.776 no mesmo período de 2022, de acordo com o TRE-DF. Entre elas está a servidora pública aposentada Neuza Eugênio Bicalho Monteiro. "Eu voto em tudo quanto é eleição. É um dever cívico e um sinal de patriotismo, porque a gente quer que, cada vez mais, se façam escolhas acertadas", comenta a moradora do Cruzeiro Velho, que não deixou de marcar presença nas urnas, apesar das dificuldades físicas. Em 2018, ela passou a se dirigir ao local de votação de cadeira de rodas. "É importante apoiar uma mulher, porque a quantidade feminina é muito menor do que a masculina", defende.
A explicação do crescimento das mulheres acima de 70 anos no DF, para Fernando Velloso, do TRE-DF, segue a mesma direção do motivo do aumento geral entre as eleitoras. "Entre uma eleição e outra, o grupo entre 66 e 69 anos do último pleito atingiu a idade de voto facultativo para 2022. Assim, houve um acréscimo no número de pessoas incluídas neste nicho etário", aponta o assessor.
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Passo a passo:
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» Escolha "tire ou altere seu título - título net";
» Desça a página de rolagem na opção "iniciar seu atendimento a distância";
» Selecione o seu estado e, na opção título de eleitor, marque "não tenho";
» Preencha os campos indicados com dados pessoais, nome completo, e-mail, número do RG e local do nascimento;
» Verifique se as fotos estão legíveis para a solicitação não ser negada pela Justiça Eleitoral;
» Acompanhe a tramitação do pedido na guia "acompanhar requerimento", na opção "tire ou altere seu título" no fim da aba de rolagem;
» Se não houver pendência, as informações serão processadas e o usuário poderá fazer o download gratuito do aplicativo e-Título e utilizar a versão digital do documento
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral
Representatividade
Existem alguns aspectos de destaque sobre a importância de o eleitorado feminino votar em mulheres. Primeiro, por uma questão de cultura. Grande parte das mulheres, ao longo da socialização, não recebem incentivo para se inteirar e engajar politicamente, o que as afasta das disputas eleitorais e da participação em movimentos e organizações, além de levá-las a não querer investir tempo buscando candidatos. Uma das consequências disso é o baixo número de mulheres na política, como vemos hoje, enfrentando um ambiente complicado.
Temos uma democracia muito recente — o voto universal funciona ininterruptamente há pouco mais de 30 anos, o que nos impede de ter muitas histórias para contar. Há uma elite política no poder nesses anos, o que torna difícil acreditar que o voto de hoje deve ser em quem queremos ver daqui a 10 ou 15 anos na política. A construção da carreira política, principalmente de candidaturas femininas, se dá ao longo do tempo. Candidatas sem histórico familiar na política, sem acesso a recursos ou que estão há pouco tempo nos partidos não recebem o apoio, o incentivo e os recursos necessários. Elas precisam conquistá-los. Mesmo que a candidata não vença, quando as eleitoras, principalmente, apostam nessas candidaturas, fazem com que seja bem votada. Daí, no próximo ciclo eleitoral, ela vai receber mais apoio e mais recursos, ampliando as chances de vitória. Falta esse voto estratégico. As pessoas "apostam" o voto em quem tem mais "chances de vencer", e vemos esse padrão nos eleitos: homens brancos e ricos de meia-idade. Isso acaba se reproduzindo no imaginário coletivo.
Letícia Medeiros, cientista política e cofundadora da ONG Elas no Poder