"Ai que saudade que eu tenho, dos carnavais de outrora…" Como já diz a tradicional marchinha, os dois anos sem carnaval deixaram saudosos aqueles que são fanáticos pela celebração e colecionam memórias e bons momentos da folia. Diante desse hiato causado pela pandemia da covid-19, as alegrias, roupas e histórias são os meios encontrados por muitos para acalentar a falta das festas nas ruas e da energia proporcionada durante o período.
A tradição do carnaval de Brasília se confunde com a trajetória da cidade, conforme Ian Viana, de 25 anos, sociólogo e fundador do Setor Carnavalesco Sul. Com o tempo, o Distrito Federal se tornou um dos destinos de turistas, especialmente por causa dos carnavais de rua, como explica o jovem. "A capital passou por um momento de declínio. Com os blocos característicos, a cidade voltou a ter força no cenário nacional, o que tornou Brasília uma alternativa para aqueles que desejam se desvencilhar do eixo Rio/São Paulo", conta.
A paixão pelo carnaval está enraizada na vida de Mariana Carvalho, 20, desde quando era pequena. Com meses de idade, ela era levada no colo da mãe para os bloquinhos da capital, o que ajudou na construção do sentimento pela data que tanto leva com carinho. Segundo a jovem, chegou a participar de dez carnavais no DF, deixando de ir somente em quatro. Contudo, aos 14 anos, o pai conseguiu um trabalho no exterior e precisou se mudar para Portugal.
Mesmo passando três anos longe do Brasil, o amor pelo clima carnavalesco não foi deixado de lado. Ela se juntou a outros brasileiros para aproveitar os blocos de rua. "A gente ia de casaco, porque é um período frio no início do ano. Lá é mais simples, porque a festa não tem todo esse apoio cultural como tem no Brasil", diz.
Ainda que não houvesse o calor e a alegria dos brasilienses, ela destaca que saudade do carnaval brasileiro foi minimizada quando ela participou da folia em solo português. Ao voltar para o Distrito Federal, em 2018, não perdeu a oportunidade de presenciar as festas e de reaproveitar o tempo perdido, indo em todos os carnavais até o início da pandemia.
Apesar de todas as dificuldades vividas em decorrência da covid-19, ela procurou uma maneira de curtir a folia neste ano. "A minha família e a do meu namorado sempre comemoram juntas aqui em casa, as duas viraram uma só. A família dele sempre amou o carnaval e, há muitos anos, criaram o próprio bloquinho: os Maruins, que é inspirado no bloco Muriçoca, de João Pessoa", pontua.
Mãe no carnaval
O sangue nordestino e festeiro sempre fez parte da trajetória da Manuela Bennett, 38 anos, nascida em Aracaju. Enquanto morou na cidade, a sergipana pulou em vários carnavais. Em 2007, ela se mudou para Brasília e se deparou com um ambiente de festejo menos animado. "Naquele período, os carnavais de rua não tinham tanta força entre os moradores da capital", lembra.
Porém, Manuela viu que a alegria carnavalesca passou a crescer em Brasília, com o passar do tempo, e começou a frequentar os eventos da cidade. E foi assim que, em 2019, um dos momentos mais memoráveis de sua vida aconteceu. No dia 2 de março, Manuela estava grávida de 35 semanas.
Como o nascimento do filho estava previsto somente para o próximo mês, ela alega que resolveu sair para aproveitar a folia. A tranquilidade era tanta que decidiu fazer a mala da maternidade apenas na quarta-feira de cinzas. Buscando alguma festa que chamasse sua atenção, andou por todos os lugares até encontrar o bloco Concentra. Pulou, dançou, ficou até o fim, comeu acarajé com pimenta e depois foi para casa.
Durante a madrugada, Manuela se sentiu estranha, mas achou que era um mal-estar e não se importou. Na manhã do dia 3, pediu ao marido que comprasse pão na padaria, mas quando o pai voltou o bebê estava prestes a nascer. "Corremos para a maternidade e minha obstetra demorou a chegar porque estava num bloquinho com a filha. Chegou maquiada no hospital, e meu bebê nasceu cinco minutos depois, em pleno domingo de carnaval", complementa.
Os amigos e primos que festejaram com ela no dia anterior não acreditaram quando a mãe falou sobre a chegada do pequeno Fernando, hoje com dois anos. Ainda que tenha nascido longe do dia imaginado, o pequeno não teve complicações e veio ao mundo com 2,645kg e 47cm. Descontraída, ela afirma que a farra e a comida tiveram uma parcela de responsabilidade na chegada antecipada do filho.
Fantasia nota 10!
Gabriela de Oliveira, 23 anos, demorou um pouco para pular seu primeiro carnaval. Os pais permitiram que a filha fosse aproveitar a folia com conhecidos aos 16. Foi quando ela não parou mais. "Eu costumava ir para o Galinho e o BabyDoll de Nylon", cita. Mas, conforme os anos foram passando, o desejo de viajar tornou-se realidade. Em dois anos seguidos, ela foi curtir a folia na Bahia. Quando pensou em conhecer o carnaval de Belo Horizonte, não conseguiu devido à pandemia.
Um ritual do carnaval que ela cumpre desde o início é a paixão pela liberdade em usar fantasias. Em sua visão, a magia da época carnavalesca está justamente no fato de se fantasiar e celebrar. "Cada ponto do carnaval é importante e, sem sombra de dúvidas, o personagem que ganha o papel principal nesse enredo é a fantasia", destaca. Em todos os carnavais que foi, não deixou de exagerar e ousar no glitter, combinar roupas e fantasias com os amigos. Para ela, esse ritual torna tudo mais lúdico e envolvente.
Relembrar
Para o psicanalista Frederico Tomé, 45, o carnaval é, além da celebração, uma rememoração e recriação de suas memórias, desde a infância, quando saía com sua família para curtir a folia em Uberaba (MG), sua terra natal. Hoje morador da Asa Norte, ele mantém os costumes de jovem e é figurinha marcada nos blocos de rua na capital. Já no segundo ano sem carnaval, Fred se diz melancólico sobre a realidade, mas tem esperança de que a folia volte no próximo ano.
Ansioso para o próximo carnaval, ele diz não haver uma "fantasia perfeita" para o retorno dos bloquinhos, porém, tem uma tradição especial para os adereços carnavalescos. "Eu tinha o costume de me fantasiar de Fred, é um alter ego. Era uma metalinguagem, digamos assim, uma meta-fantasia de carnaval, estar fantasiado e ser um outro, mas ao mesmo tempo ser o Fred. Era o Freddie Mercury, Freddy Krueger, Fred Flintstone, Fred da Turma do Scooby-Doo e o Quico, do Chaves, que na verdade é Frederico. Com esses cinco 'Freds' eu desfilei pelas ruas de Brasília", lembra.
Com a bagagem de 45 anos no festejo, ele acumula diversas memórias, especialmente nos bloquinhos "Vai Quem Fica" e "Calango Careta", seus preferidos. "Foram muitos momentos. Cada dia, uma história, um amor, um encantamento. Um marcante foi quando venci um concurso de fantasias do Calango Careta, estava de Freddie Mercury. Talvez não seja a mais marcante, mas deve ser a mais emblemática nesse sentido, sair fantasiado, subverter uma certa ordem, viver uma fantasia de uma outra pessoa. Tenho essa memória com carinho. E que venham outras, que essa pandemia acabe e que possamos construir memórias carnavalescas", finaliza.
*Estagiários sob a supervisão de Adson Boaventura
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