Conversei poucas vezes com o empresário e animador cultural Jorge Ferreira, que nos deixou em 2013. Mas esses raros encontros foram suficientes para me passar a impressão de que ele era um mineiro diferente da imagem ou do estereótipo consagrado aos que nasceram naquelas paragens; era um mineiro solar, autoconfiante e atrevido, ameaçando atropelar tudo com o entusiasmo. E, de fato, não é por acaso que constituiu uma rede de 12 bares na cidade.
Pois bem, Jorge estava promovendo um show no Feitiço Mineiro com o grupo Roupa Nova, quando apareceu o pernambucano Naná Vasconcelos. E, como vocês sabem, músico é parecido com jogador de futebol, não pode ver um racha e fica logo com vontade de entrar para bater uma bolinha. Ao escutar o som do Roupa Nova, baixou no pernambucano uma vontade irresistível de batucar.
E como recusar o pedido? Naná foi eleito oito vezes pela prestigiosa revista americana Down beat o melhor percussionista do mundo. Morou nos Estados Unidos durante 27 anos e tocou com feras do jazz: Miles Davis, Pat Metheny, Evelyn Glennie e Jan Garbarek. De 1978 a 1982, formou o grupo Jazz Codona, com Don Cherry e Collin Walcott. Ganhou oito prêmios Grammy.
A situação ficou dramática porque, naquela noite, não havia nenhum instrumento de percussão. Jorge estava desesperado. O que fazer? Naná não se alterou e ordenou: "Vamos para a cozinha". Naná deve ter se lembrado que começou a batucar em pratos, panelas e caçarolas, aos 11 anos, no Recife.
Então, na cozinha do Feitiço, acompanhado pelo angustiado Jorge, começou a bater em cada uma das panelas, meticulosamente, para avaliar a aptidão percussiva. Ao fim do rápido exame, Naná reprovou categoricamente a sensibilidade musical das panelas; não serviam para nada, só prestavam para cozinhar. Mesmo assim, armou um batuque sensacional, arrancando muito ritmo dos utensílios da cozinha, para a felicidade da plateia de privilegiados por aquele inesperado presente dos deuses.
Naquele tempo, Jorge não estava bem de caixa, mas, mesmo assim, no outro dia, não teve dúvidas: levantou um empréstimo em um banco, comprou uma passagem e viajou para São Paulo. Lá, com muito esmero, deu as batidinhas recomendadas por Naná e comprou um conjunto de panelas de percussão impecável. Dava para fazer uma escola de samba ou uma nação de maracatu.
Depois do episódio, passou a cuidar, pessoalmente, dos utensílios, avaliando as caçarolas segundo um rigoroso critério de vocação musical, pois não queria mais correr o risco do vexame de aparecer um gênio internacional da percussão no bar e a cozinha estar toda desafinada.