Os serviços de telefonia são conhecidos pelo potencial de causar dores de cabeça aos consumidores. As reclamações são quase sempre as mesmas: cobranças indevidas, problemas no contrato estabelecido, alteração indevida, não cumprimento do cancelamento, dentre outros. Foi por um desses problemas que a estudante Maria Alice dos Santos, de 20 anos, moradora de Vicente Pires, passou em 2020.
O pai da jovem morreu naquele ano, e ela teve de trocar a titularidade do serviço de telefonia contratado. Em setembro de 2021, a estudante começou a cuidar dos trâmites relativos à troca. Mal sabia ela que essa seria uma longa jornada. "Nem lembro quantas vezes já liguei, mas, na primeira vez, a atendente foi muito gentil e abriu o processo para envio dos documentos necessários", relata. Aí veio a surpresa: a atendente informou um endereço errado para envio dos arquivos. "Tive de ligar novamente, pois se dependesse de retorno deles para resolver, não teria resolvido nunca", indigna-se. O processo se repetiu cerca de quatro vezes, ao longo de várias semanas sem solução, até ela contatar o e-mail certo.
Só recentemente o documento enviado em novembro do ano passado foi respondido. Maria Alice ligou novamente para ver a situação de sua demanda. Ao ser atendida, mais uma surpresa: o pedido não foi atendido porque o CPF fornecido para a mudança de titularidade está com o nome sujo no Serasa. "Sou uma simples estudante e pensei que tinham roubado meu CPF e sujado meu nome. Fui conferir, e não tinha nada no meu nome", explica.
A falta de comunicação com a empresa foi o principal problema apontado pela moradora de Vicente Pires. Neste mês, a operadora trocou a titularidade da linha, mas não avisou à jovem. Ela só descobriu após tentar acesso com a conta do pai e não conseguir, só tendo acesso com o próprio CPF. "Eles nem me ligaram, nenhuma resposta, sendo que eles estão me vendendo um produto, não eu que estou implorando. Acho um descaso. Entendo que eles têm muitos clientes, mas não significa que eu mereça ser negligenciada", afirma. Apesar disso, Maria Alice não acionou nenhum órgão de proteção ao direito do consumidor. "Fiquei com receio de passar mais estresse e também não sei como funciona essas coisas de direito do consumidor. Teria de falar com um primo meu que é advogado", explica.
O que diz o CDC?
No caso de Maria Alice, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é válido? A resposta é sim, como nos explica a advogada especialista em direito do consumidor Isabelli Carvalho. "A legislação acerca de telefonia abrange o CDC com os direitos e obrigações de forma geral nas relações de consumo. Temos, ainda, as resoluções da Anatel que dispõe de forma específica sobre os direitos e obrigações nas relações de consumo no ramo da telefonia", esclarece.
Uma das normas que rege o setor de telecomunicações é a Resolução nº 632, de 7 de março de 2014, a qual diz sobre os Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações e estabelece, entre outras prerrogativas para o consumidor, o direito "à resposta eficiente e tempestiva, pela Prestadora, às suas reclamações, solicitações de serviços e pedidos de informação". Além disso, também há o Decreto 6.523 de 2008, que fixa normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), que estabelece em seu Art. 8º que princípios como boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade devem guiar o atendimento ao cliente.
A advogada especialista em direito do consumidor e diretora da Comissão Permanente de Acesso à Justiça, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Simone Magalhães, complementa este ponto chamando atenção para o artigo 7º da resolução. "Todo atendimento deve receber um número de protocolo a ser informado ao consumidor para possibilitá-lo o acompanhamento (art. 7º). As solicitações de serviços que não puderem ser atendidas imediatamente devem ser efetivadas em até 10 dias úteis a partir de seu recebimento. A demora na resposta nem sempre pode ser interpretada como recusa no atendimento. Para que o consumidor não sofra maiores danos, é recomendável que ele busque caminhos alternativos para resolver o problema, em caso de inércia da operadora", explica.
Mudança de titularidade
Sobre o caso da estudante Maria Alice, a advogada Isabelli Carvalho orienta que a morte do titular da linha deve ser comunicada à operadora o mais rápido possível, para que os procedimentos de transferência sejam cumpridos e para que sejam repassadas informações sobre os requisitos necessários para o novo titular. "A pessoa deverá juntar toda a documentação exigida, como atestado de óbito, por exemplo. Dependendo da operadora de telefonia, a transferência de titularidade poderá ocorrer por meios eletrônicos como e-mail ou ligação telefônica, como também de forma presencial, comparecendo a uma loja física", esclarece.
Essas diretrizes fazem parte do inciso XVII, do artigo 3º, da Resolução n.º 632/2014, da Anatel. A mesma resolução estabelece regras para a resposta da operadora para a solicitação, como dito antes. Além dela, o artigo 6° do CDC estabelece que informação clara sobre diferentes produtos e serviços é um direito básico. A advogada Simone Magalhães lembra que a recusa no atendimento não pode acontecer, salvo em casos em que a demanda esteja fora do contrato estabelecido. "A operadora somente poderia recusar atendimento se o pedido for fora do serviço contratado ou se for referente a eventual direito que o consumidor não tenha. Para isso, ela deverá apresentar negativa fundamentada, a fim de que o consumidor tenha informações corretas sobre a negativa do pedido", aponta.
O consumidor que quiser relatório do andamento de sua demanda também pode pedi-lo. Segundo o artigo 10, da Resolução n.° 632/2014, o cliente tem direito ao acesso gratuito das informações de serviços prestados e cobranças feitas. Esse relatório deve conter, obrigatoriamente, número de protocolo do atendimento; a data e a hora de registro e de conclusão do atendimento; e o registro do resumo da demanda e seu devido encaminhamento pela empresa prestadora.
Simone Magalhães lembra que, assim como na resposta da demanda, a empresa também deve cumprir certos prazos na entrega das informações solicitadas pelo cliente. "O histórico das demandas deve ser mantido à disposição do consumidor por um período mínimo de três anos após a finalização de cada uma delas.
É válido lembrar que o consumidor tem o direito de receber histórico de suas demandas (quando solicitado por ele), inclusive daquelas ainda não concluídas, por meio eletrônico, correspondência ou outro meio à sua escolha, no prazo máximo de 72 horas", esclarece.
A advogada Isabelli Carvalho destaca duas importantes vias para reclamação: o Procon e a Anatel. Para apresentar o problema à agência reguladora, é preciso estar com o protocolo do atendimento fornecido pela ouvidoria da operadora. Depois de receber o problema, a Anatel o repassa à prestadora, que deve apresentar solução ou resposta em até 10 dias. O consumidor também pode usar plataformas on-line de reclamação para dar voz ao problema. Algumas conhecidas são consumidor.gov e o site Reclame Aqui.
* Estagiário sob a supervisão
de Adson Boaventura