Depois de quase dois anos no ensino remoto, mais de 430 mil estudantes voltam às aulas de maneira 100% presencial hoje na rede pública. A expectativa dos alunos, pais e comunidade escolar é de um retorno capaz de matar a saudade dos colegas e professores e recuperar o conteúdo perdido. No ano passado, o retorno não foi integral e ocorreu de maneira alternada — em que a sala era dividida em dois grupos, para evitar aglomerações. Dessa vez, o horário de aula não será reduzido e os alunos voltarão sem divisão de grupos. Apesar da alta expectativa, a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, destaca que será um dos anos mais "desafiadores da história da educação".
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Catarina de Almeida destaca que o primeiro passo será o diagnóstico do que ficou perdido no ensino remoto. "Isso terá que ser feito de forma processual a cada escola, por turma. Porque uma avaliação geral não vai cobrir isso. Além disso, tem a avaliação dos conteúdos, da saúde física, psíquica e de alimentação desses alunos, que é tão importante quanto a de conteúdo. Esse momento é de acolhimento desses estudantes e demanda muita intersetorialidade, pois muitos perderam pais, amigos, tios e até mesmo os antigos professores para a covid-19", destaca.
A especialista pontua que a infraestrutura é outro aspecto importante. "Antes, tínhamos um número excessivo de alunos por professor, e agora, nesse processo de recuperação, não é possível que o professor consiga dar a atenção merecida ao aluno com a turma superlotada, principalmente porque os alunos da mesma série estarão com aprendizados muito diferentes, porque tiveram acessos (ao conteúdo) diferentes nesta pandemia. Um número menor de estudantes permite que o professor consiga ter esse acompanhamento individualizado de forma melhor", afirma.
Outro cuidado, segundo Catarina, é na assistência social. "Muitos estudantes deixaram de estudar porque precisam trabalhar. E se não tivermos um suporte que garanta uma alimentação deles também fora da escola, vai ser claro que a fome vai falar mais alto e eles vão se evadir da escola de novo", aponta. A professora da UnB ressalta que, além da busca dos alunos que saíram da escola, são necessárias parcerias da educação com o serviço social de maneira que permitam que esses estudantes continuem na escola. "Nenhuma das ações a serem realizadas agora são de curto prazo. As ações da Secretaria de Educação devem ser pensadas com planos de longo prazo", avalia.
Em coletiva de imprensa na última semana, a Secretaria de Educação divulgou que, em março, haverá uma avaliação diagnóstica para detectar perdas pedagógicas e das ações que serão necessárias. A secretária, Hélvia Paranaguá, destacou que a pesquisa divulgada pela ONG Todos Pela Educação, que identificou um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos que estão analfabetas, é uma situação extremamente delicada para os gestores da Secretaria de Educação e do país.
Segurança
Quem vive a expectativa do retorno são as irmãs Luísa, 5 anos, e Clara Mandagará, 8, filhas do professor da UnB Pedro Mandagará, 39, morador da Asa Norte. O pai relata que não acredita na segurança absoluta, mas que a vacinação das crianças é algo que o faz se sentir mais confiante. "Espero que as escolas continuem pedindo máscara o tempo todo", pontuou. O pai das garotas diz que espera que o retorno aumente o universo de socialização das irmãs. "Elas retornaram às aulas presenciais entre agosto e setembro do ano passado e fez muita diferença voltar a ver outras crianças", pontua.
A empreendedora e moradora do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) Giselle Queiroz Bissoli, 41 anos, mãe de Dante, 9, e Bento, 4, conta que, com os filhos vacinados, se sente mais segura. "Dante é uma criança do grupo de risco, então eu esperei que eles se vacinassem para poder retornar às aulas. Sei que não é uma realidade comum na escola pública, mas a gente viajou para poder vaciná-los. Então, agora eu estou bem tranquila", disse, aliviada. Giselle ainda destacou que os meninos estão "ansiosíssimos, contando os dias para retornar". Ela confessa que gostaria que as aulas estivessem on-line, devido à variante ômicron.
Suporte
Professora de Saúde Coletiva do Instituto Federal de Brasília, Vera Bueno destaca que é importante os pais estarem atentos aos sinais que os filhos podem apresentar nesse retorno às aulas. "Imagina um estudante que começou o ensino médio em 2020 e estará no 3ª ano agora, que já é um ano de vestibular, Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) e outras avaliações. Estará superansioso e enfrentando uma situação nova de retorno às aulas. Por isso, o suporte é importante. Muitos estudantes já tinham crises de ansiedade, e trazer uma sensação de segurança e cuidado é muito importante", destaca.
Vera pontua que os cuidados sanitários são outro ponto que deve ser reforçados com todas as faixas etárias. "É importante levar pelo menos duas máscaras para trocar no período de aula, tentar manter o distanciamento, porque vamos voltar, mas não podemos ter a proximidade, os abraços, as brincadeiras tão próximas. Será um retorno complexo, difícil, mas precisamos aprender a conviver com a doença. E a vacina ajuda muito a diminuir a gravidade da infecção e trazer uma segurança aos pais", avalia.
Sidartha Diniz, 34, esteticista, moradora de Taguatinga, é mãe da Maria Luísa Diniz, de 17 anos, que está no 3º ano do ensino médio, mas não se sente segura com a retomada das aulas presenciais. "Temos visto pessoas que tiveram covid-19 mesmo após a dose de reforço, ainda mais em contato com adolescentes que não têm cuidado e, infelizmente, não acredito que a escola consiga gerir esse cuidado de forma eficiente". Sidartha contou que a filha já tomou as doses da vacina e está "superfeliz" em ter aulas presenciais novamente. A menina teve dificuldades na adaptação à modalidade remota de ensino e agora seguirá com os cuidados rigorosos que tem tido em casa.
Mãe de quatro crianças, com idades entre 6 e 8, moradora da Asa Norte, Luciana Moura, 46, gestora de relacionamento, disse que sente segurança nesse retorno. Ela voltou a trabalhar presencialmente em agosto de 2021 e tem mantido contato com diversas pessoas, mas sempre com os cuidados sanitários necessários. "A minha orientação com eles é sempre a mesma: máscara no rosto, não ficar se esfregando nas coisas. É um trabalho cansativo e diário, mas necessário". As crianças estão "superempolgadas" para voltar, segundo a mãe. Luciana conta que, neste ano, eles estudarão na mesma escola e pontuou que só seria possível protegê-los 100% se os pais não trabalhassem fora. Como isso não é uma realidade, o melhor a ser feito é a orientação.