Em janeiro deste ano, 13 brasilienses morreram em ocorrências de acidentes de trânsito. O número é o segundo menor registro para o mês em 22 anos, atrás somente do resultado de 2019 (veja mais em Mortes no trânsito do DF). Apesar da queda, os dados preliminares do Departamento de Trânsito do DF (Detran) — aos quais o Correio teve acesso com exclusividade — reforçam uma tendência assustadora. Nas vias da capital federal, pedestres e motociclistas correm mais risco de morrer do que os demais integrantes do sistema viário.
Das 13 mortes do mês passado, três vítimas eram pedestres e outras três, motociclistas — as maiores ocorrências entre os tipos de envolvimento. A proporção não é por acaso: os pedestres são os mais frequentes entre os óbitos em todos os anos da série histórica, seguidos pelos motociclistas, que revezam a segunda colocação com os passageiros.
As vítimas não estão a salvo mesmo nas faixas de pedestre, pensadas para a travessia segura dos usuários das pistas. A exposição, a sensação de perigo e a falta de proteção são fatores que contribuem para que as sequelas permaneçam em quem teve de dizer adeus precocemente a pessoas queridas. As irmãs Juliana Vieira, 38 anos, e Alessandra Araújo, 45, fazem parte desse triste grupo. As moradoras de Taguatinga perderam a mãe, Ivonete Marcelina, aos 67 anos, em outubro do ano passado. A idosa foi atropelada quando voltava da fisioterapia a pé, em Ceilândia.
Saudade
Ao atravessar a faixa de pedestres, a vítima foi atingida por um carro conduzido por um adolescente de 16 anos, não habilitado. De acordo com a família de Ivonete, o motorista não prestou socorro, mas ficou em um quiosque próximo ao local do atropelamento. A idosa chegou a ser levada ao hospital e ficou cinco dias internada, em estado grave, mas não resistiu aos ferimentos.
"São mais de 100 dias que tudo aconteceu e não temos notícias de nada. Não sabemos onde o processo se encontra, não temos nenhum contato para dizer como está o andamento e quem será responsabilizado. Uma dor que não pode ser explicada por palavras", desabafa Alessandra, que atua como psicóloga. Quanto ao adolescente que atropelou Ivonete, a filha clama por justiça. "Minha mãe se foi e quem a tirou de mim está vivendo, normalmente, abraçando a própria mãe. Fico pensando no que se passa do lado de lá, que nem uma ligação fizeram. A família alega não saber que ele havia pegado o carro. Nem o jovem nem o proprietário do veículo foram responsabilizados. Quero que o Ministério Público se manifeste quanto à morte da minha mãe e não nos deixe com uma sensação ainda maior de abandono", cobra Alessandra.
Juliana reforça o posicionamento da irmã. A fotógrafa relata que não receberam nenhum retorno judicial sobre o ato do atropelador. "Toda nossa família nos questiona. O que mais dói é saber que, diante de tantos casos impunes, o da minha mãe parece ser só mais um nas estatísticas. As famílias feridas clamam por justiça e choram seus amores que tiveram a vida ceifada por pessoas que vivem tranquilamente dentro da sociedade", denuncia.
Medidas
Zélio Maia, diretor-geral do Detran, diz que, por dia, cerca de 3 mil pessoas morrem em acidentes viários no Brasil. Um quantitativo muito alto e preocupante. "No DF, temos trabalhado em relação às mortes evitáveis. A gente busca zerar essas estatísticas. Por exemplo, nos casos em que o motorista está embriagado e atropela alguém, essa fatalidade poderia ser evitada", destaca. "E é isso que nós buscamos com as campanhas educativas e blitze de fiscalização. Um trabalho integrado para conscientizar a população das boas práticas no trânsito", completa Zélio.
De acordo com o diretor do Detran, a maior preocupação da autarquia é em relação às ocorrências envolvendo os motociclistas. "No ano passado, as mortes de motociclistas representaram 33% dos casos registrados, sendo que, de toda a frota de veículos na capital, 12% são motocicletas", ressalta.
Apesar de o índice ser alto, Zélio comemora a queda das vítimas no primeiro mês de 2022. "Estamos reduzindo os índices desse tipo de ocorrência no DF. De 2020 para 2021, houve uma queda de 26% nas mortes no trânsito. É de se comemorar", afirma. A meta do Departamento de Trânsito no DF é reduzir pela metade os casos de pessoas mortas no sistema viário nesta década — 2020 a 2030. Para isso, a autarquia aposta nas ações em escolas, nas regiões administrativas e de fiscalização.
Análises
Apesar de elogiar o resultado do mês passado, a professora Michelle Andrade, coordenadora do programa de pós-graduação em transportes do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), ressalva alguns aspectos dos números. "Esse dado de janeiro de 2022 deverá sofrer alteração, pois as vítimas são aquelas que vêm a óbito até 30 dias após o acidente. Dessa forma, pode-se afirmar algo sobre o número absoluto de vítimas de janeiro de 2022 apenas depois de 5 de março", observa a especialista, destacando a importância de prestar atenção ao quantitativo de motoristas. "Os dados disponíveis são referentes a números absolutos de vítimas, e, para afirmar que o DF está efetivamente reduzindo as mortes em sinistros de trânsito, é necessário realizar uma avaliação relativa, ou seja, considerando o número de condutores", acrescenta.
Mesmo listando ponderações, a professora não nega que é possível analisar certas tendências a partir dos valores, principalmente devido à crise sanitária. "Os dados de 2020 e 2021 não podem ser comparados por terem sido influenciados pela pandemia, quando, além dos períodos de lockdown, algumas pessoas alteraram a rotina de deslocamento. Assim, há redução no número de veículos em circulação, o que não está disponível na base de dados, mas que influencia no padrão de acidentalidade no trânsito. Em 2019, o número absoluto de mortes em janeiro ficou em 12", compara.
Michelle Andrade destaca a vulnerabilidade de pedestres e motociclistas no DF. "O número crescente de acidentes com motos têm forte relação com o aumento da frota desse veículo, que foi ainda mais acentuado no período da pandemia. O número de pedestres vitimados no trânsito é um problema crônico que demanda ações efetivas focadas em melhoria de infraestrutura e sistema de transporte público", sugere, cobrando ações efetivas do poder público para mitigar de vez as vidas perdidas nas vias do DF.
"A tendência de queda nos valores absolutos demanda esforço coletivo para que seja mantida. É necessário manter a interação dos órgãos para dar continuidade às atividades coordenadas. É fundamental realizar investimentos de adequação nos diversos pontos da cidade, nos quais foram identificados problemas em calçadas, travessias em trechos rodoviários, sinalização semafórica e velocidade das vias. E, associado às melhorias na infraestrutura viária, é fundamental avançar na integração, qualidade de informação e planejamento do sistema de transporte público do DF. Essa ação, se realizada de modo efetivo, pode reduzir o número de veículos individuais nas ruas, fomentar os modos ativos e, com isso, contribuir para a redução da mortalidade", conclui a especialista.