Em meio à alta de casos da covid-19 no Distrito Federal e à lotação das unidades de terapia intensiva (UTI) para tratamento da doença, um grupo de empresários donos de bares e restaurantes, além de produtores de eventos da capital federal, se reuniu para pedir a implementação do passaporte vacinal. Divulgado ontem, o manifesto, que reúne 100 estabelecimentos do DF e a Comissão da Vacina da Câmara Legislativa do DF, pede que o GDF "regulamente com urgência a exigência de comprovante de vacinação em bares, restaurantes e eventos." Além disso, o texto solicita participação nas decisões de combate à pandemia, para "garantir um mínimo de previsibilidade sobre as medidas adotadas que afetem o setor."
Procurado pelo Correio, o governador Ibaneis Rocha (MDB) afirmou que não havia recebido nenhuma solicitação de reunião e se mostrou contrário à medida. "Vou aguardar o pedido de audiência, mas não tenho a menor intenção de adotar. De logo, deixo claro que sou contrário a passaporte vacinal", cravou o chefe do Executivo local. Consultado, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) preferiu não comentar o assunto.
Sócia-administradora do MimoBar, Ana Júlia Melo é favorável ao passaporte de vacinação. "É óbvio que a vacinação vem em uma crescente, pois a gente percebe uma melhora. Existem dados de que a maioria dos casos de contaminação é de pessoas não vacinadas, por isso, eu acredito que a obrigatoriedade como posicionamento político incentiva a população a se vacinar", acredita.
Ela acredita que a cobrança do documento serviria como incentivo para as pessoas se vacinarem. "Ninguém deixa de sair e se divertir, porém, se as pessoas tiverem sido vacinadas, os números de internações e mortes tendem a diminuir. Eu acredito que muitas pessoas que não receberam o imunizante não são totalmente negacionistas, mas tem gente que está na comodidade ou acha que tanto faz. Então, a obrigatoriedade do passaporte vacinal seria um incentivo.
Ela ressalta que seu estabelecimento cumpre todos os protocolos de segurança. "Álcool em gel em todas as mesas e uso de máscara no ambiente do bar. O cliente pode até não querer cumprir certas coisas, mas nós acreditamos que é um respeito até pelo próximo", resume.
Professor e cliente do bar Pinella, Bruno Borges, 39 anos, também defende a obrigatoriedade da cobrança do cartão de vacina. "É muito triste ter que explicar o óbvio. Eu acho que tem que obrigar, porque iria tornar os ambientes mais seguros, e o vírus iria se dispersar. Ninguém quer deixar de ir para a balada, ainda mais agora que a pandemia está diminuindo. Esse é o momento de amplificar a vacinação. Se os comerciantes se juntassem, eles forçariam os clientes a adotar o modelo. Quando as pessoas vissem que tudo está fechado, que ninguém entraria sem vacina, ninguém ficaria sem curtir. Por isso, seria interessante que todos endossassem a prática de cobrar o passaporte vacinal", defende.
A opinião da classe médica sobre a exigência da imunização em bares e restaurantes não é unanimidade (veja mais em Palavra de especialista). Infectologista do Hospital das Forças Armadas, Hemerson Luz não acredita que a medida seria efetiva no DF. "Para exigir o passaporte, teria de haver uma distribuição equitativa dos imunizantes. A cobertura de vacinas tem grandes diferenças nas regiões do DF. Seria uma discriminação. Se as pessoas não têm acesso à vacina ou há falhas na entrega aos postos, fica difícil cobrar o passaporte", pondera o infectologista.
A observação do médico não é sem motivo. De acordo com o painel InfoSaúde, da Secretaria de Saúde do DF, enquanto a Região Central, que engloba Asa Sul, Vila Telebrasília, Asa Norte, Vila Planalto, Lago Norte, Lago Sul, Varjão, Cruzeiro, Noroeste e Sudoeste/Octogonal, recebeu cerca de 1,04 milhão de doses, à Região Leste, formada por Paranoá, Itapoã, Jardim Botânico, São Sebastião e Jardins Mangueiral, foram entregues aproximadamente 505 mil unidades.
Para Hemerson Luz, é preciso aprofundar os estudos quanto à transmissão do vírus entre pessoas vacinadas. "Sabemos que (indivíduos imunizados) e infectados com covid-19 podem transmitir a doença, mas por um curto período de tempo. Isso tem de ser estudado mais a fundo, porque essa discussão tem de ser técnica", complementa o infectologista.
Economia
Presidente da Comissão da Vacina, o deputado distrital Fábio Felix (Psol) é um dos signatários do manifesto. Para o parlamentar, a medida não implicaria em perdas para a população. "Todo mundo ganha com o passe sanitário, inclusive o setor econômico. Quanto mais seguras as pessoas se sentirem, mais elas vão frequentar bares, restaurantes e atividades culturais. Ser contra o passaporte é um equívoco também do ponto de vista da economia", argumenta Fábio Felix.
A opinião do distrital, porém, não é compartilhada pelas associações representativas dos setores. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no DF e o Sindicato dos Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares em Brasília (Sindhobar) se posicionaram de maneira contrária à exigência. Em nota, as entidades questionaram os procedimentos necessários para lidar com clientes que se recusarem a apresentar o passaporte e afirmaram que a cobrança do documento não seria uma medida efetiva, porque criaria "uma falsa segurança de (que) quem tomou a vacina não pode transmitir a doença", argumentaram.
Colaboraram Jéssica Eufrásio e Rafaela Martins
Saiba Mais