Faca, facão, peixeira são alguns dos itens domésticos que têm aparecido cada vez mais em crimes no Distrito Federal. De acordo com a Polícia Militar (PMDF), o uso de armas brancas é recorrente, principalmente, em assaltos a pedestres. Porém há registros significativos em ocorrências de homicídio e latrocínio. Segundo dados recentes da corporação, houve um aumento de 18% nas apreensões desses utensílios nas abordagens policiais nas primeiras duas semanas de 2022 em relação ao mesmo período do ano passado. Até 19 de janeiro, foram 157 contra 133, em 2021.
O capitão Broocke, da PMDF, ressalta que esse tipo de arma é muito utilizado pelo fácil acesso. "Em qualquer mercado, dá para comprar uma faca, enquanto que uma arma de fogo é cara, e a fiscalização pelas armas ilegais tem aumentado. A arma branca é o objeto que a gente mais apreende durante as abordagens. Uma peixeira não é algo para ficar andando na rua", explica o militar. No início de janeiro, a Central de Ocorrências Policiais (Copom) recebeu 292 chamados pelo 190 de denúncias envolvendo suspeitas ou ações criminosas com o uso de faca.
A vendedora Amanda (nome fictício), 27 anos, ainda está assustada após ser assaltada no Plano Piloto em 24 de janeiro. A jovem conta que saiu do trabalho por volta das 17h e, depois de atravessar a passarela subterrânea do Eixão, foi abordada por um homem com um facão, que anunciou o roubo. "Fui para a parada de ônibus como faço todos os dias. Chegando do outro lado da passarela, vi um homem e já fiquei preocupada, mas não quis voltar porque seria pior. Então, ele passou por mim, puxou um facão e disse para passar tudo", lembra.
Amanda diz que não pensou direito na hora e saiu correndo. No entanto, o criminoso foi atrás dela e a puxou pela mochila. Por sorte, um motociclista que passava pelo local gritou, e o homem a soltou. "Eu me virei, puxei o celular da bolsa e joguei no chão. Ele saiu correndo para pegar o telefone. Então, o motoboy desceu da moto e pediu para eu esperar que ele ia atrás do assaltante", relata a moradora do Riacho Fundo 1.
Amanda não sofreu ferimento, mesmo o criminoso estando com uma faca. A vítima recebeu a ajuda do motociclista que chamou os policiais. Os agentes encontraram o assaltante e recuperaram o celular da jovem. A vendedora foi à delegacia registrar a ocorrência e fazer o reconhecimento do criminoso. "Eu ainda estou com bastante medo. Quando estou na parada de ônibus, ficam as memórias do que aconteceu", lamenta Amanda. "Foi de dia, e havia pessoas por perto, mesmo assim, ele não ligou para isso e estava com um facão enorme. Graças a Deus, não aconteceu nada de grave", detalha a vendedora.
Na última terça-feira, um homem assassinou a ex-sogra com três golpes de facão. Ana Cristina, 51, foi atingida na cabeça, na axila e teve uma das mãos e dedos decepados. O enterro da vítima ocorreu ontem, em Águas Lindas de Goiás. O acusado do crime foi preso e pode pegar uma pena de 12 a 30 anos de reclusão (leia mais na página 16).
Políticas públicas
Com tantos casos sendo noticiados, o reflexo é o medo da população e a sensação de insegurança. O especialista em segurança pública Wellinton Caixeta destaca que há diferença entre a sensação de segurança por parte da população e a segurança de fato, envolvendo as políticas públicas capazes de proporcioná-la. "A confiança que a população tem ou não no trabalho das polícias é outro importante fator, além da confiança que esta deposita nas demais instituições e organizações do setor segurança (pública e privada). Sem dúvida, é outro aspecto que implica diretamente no 'se sentir protegida' e devidamente atendida, ou não", pondera.
Wellinton avalia que a criminalidade sempre vai existir e, em relação ao DF, segue características bastante específicas que demandam respostas imediatas, planejamento, atuação interinstitucional articulada e comprometida no sentido de contenção, prevenção e enfrentamento. "Desse modo, não podemos analisar casos, delitos e infrações como isolados de uma realidade local e social mais ampla, recortando-os e descontextualizando-os como exclusivos, ainda que alguns possam ser vistos como mais complexos, emblemáticos ou paradigmáticos que outros", destaca.
Em relação aos crimes com uso de facas e objetos similares, o delegado aposentado e advogado criminal Moisés Martins frisa que há falhas na legislação ao não tipificar o porte de arma branca como crime. "Atualmente, quem é pego portando uma arma branca fora do ambiente de uso do utensílio, é encaminhado para a delegacia onde assina um termo circunstancial. Não fica preso, pois, na legislação, é uma contravenção penal. E isso preocupa bastante, pois as pessoas perdem o medo. Sabem que não serão presos por estarem com uma faca na rua", argumenta Moisés.