Carnaval

Apesar da proibição, bloco clandestino leva 700 foliões ao buraco do Tatu

Sem máscaras, foliões de Brasília burlam proibições, esquecem riscos do aumento da transmissão da covid-19 e vão para folia descumprindo os protocolos sanitários. Participantes falam em festa de protesto

Darcianne DiogoRicardo Daehn
postado em 28/02/2022 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Mesmo com a proibição de festas e eventos carnavalescos, alguns brasilienses driblaram as regras e comemoraram como se não houvesse pandemia. No segundo dia de trabalho da força-tarefa do Governo do Distrito Federal, formada para garantir o cumprimento dos protocolos contra a covid-19 durante os dias de folia, foram aplicadas 31 multas por aglomeração e o descumprimento de protocolos sanitários gerou 25 interdições. Ao todo, órgãos fiscalizadores vistoriaram 82 estabelecimentos comerciais. Os dados são do balanço da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), divulgados ontem. "O estabelecimento que insistir [na realização dos eventos carnavalescos] será multado. Se houver aglomeração, corre o risco de ser interditado", explicou o subsecretário de Fiscalização de Atividades Econômicas do DF Legal, Francinaldo Oliveira.

Mesmo assim, ainda ontem, foliões ignoraram as normas e participaram de um bloco no Buraco do Tatu, próximo a Rodoviária do Plano Piloto. Aproximadamente 700 pessoas compareceram ao chamado "bloco-protesto". Com destino à Galeria dos Estados, não faltaram fantasias, confetes e máscaras, prevalecendo as de festa, porque as de proteção contra a pandemia não pareciam item obrigatório. O evento teria se formado de maneira espontânea, de improviso, segundo alguns integrantes ouvidos pelo Correio. Na pauta, além das marchas e uma orquestra com instrumentos de sopro e percussão, faixas de protesto e com reivindicações.

Um arquiteto de 39 anos, que preferiu não se identificar, fez sua defesa. "Não estamos aglomerando, estamos ao ar livre. Para mim, não é protesto, é carnaval mesmo, festa popular. Por dois anos eu sequer fui ao supermercado, então, é um momento de cuidar da saúde mental", afirmou, complementando que a celebração sempre foi o equivalente ao Natal para ele, pois participa, anualmente, do carnaval de rua de Brasília, tanto que levou a filha de 14 anos e considera um bom exemplo. "Estou com a vacina no braço, três doses, me sinto seguro. Depois de tanto tempo com o Bolsonaro no poder, é uma questão de liberdade", argumentou. O folião acredita que o governo distrital se excedeu nas restrições e que há uma redução nos índices de transmissão da covid-19. "Nenhuma força pode ir contra o carnaval de rua", enfatizou.

Entre os músicos que comandavam a multidão, houve quem garantisse que tudo começou com o boca a boca e o evento foi crescendo. Um instrumentista, que também preferiu preservar o anonimato, explicou que por ser ao ar livre os participantes não estavam tão expostos e que todos os brincantes foram vacinados. "Protesto não é necessariamente sinônimo de um ato fúnebre e é possível ter alegria e estamos contra a criminalização do carnaval". A alegação foi feita questionando porque shows e locais fechados, com cobrança de ingressos, eram permitidos e as restrições foram impostas só para os movimentos de rua.

Os músicos admitiram que no sábado eles pregaram cartazes divulgando a mobilização e que o Brasil também está vivendo uma guerra. "Não é possível que existam dois pesos e duas medidas. Enquanto o carnaval de rua é proibido, os outros eventos seguem ocorrendo normalmente", ponderou uma servidora pública de 31 anos, vestida de dinossauro, que também não revelou o nome. Para ela, o carnaval é realmente um protesto fantasiado de festa e mostrou uma faixa informando que os não vacinados não eram bem-vindos no bloco. "Queremos pressionar o GDF a exigir o passaporte de vacina para as reuniões".

Além disso, a servidora acredita que é outro momento da pandemia e que, sábado mesmo, eles estavam reunidos na 706 norte e que domingo o grupo começou a se formar pelas 10h e as redes sociais ajudaram na mobilização. Um dos integrantes do grupo coletivo Roda disse que é o momento de lembrar pautas políticas e que há o direito de se fantasiar. Eles defendem o movimento "Fora Ibaneis", pois tentaram negociar sobre a situação do carnaval de rua, mas foram negligenciados pelo GDF.

À distância, três viaturas da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), com oito policiais, acompanhavam o movimento e aguardavam a chegada do DF Legal para compor uma força tarefa para dispersar a aglomeração, além de avaliar se haveria o recolhimento das mercadorias do comércio de ambulantes e dos instrumentos musicais. Os agentes destacaram que não tinham informações prévias sobre a reunião e que somente por volta das 16h30 foram acionados.

Procurada pela reportagem, o DF Legal informou que foi até o local e que a multa pode chegar a R$ 20 mil para os organizadores. Além disso, o órgão reforçou que nenhuma manifestação carnavalesca está autorizada pelos atuais decretos vigentes. "É importante informar que esta secretaria é uma dentre os oito órgãos que integram a força-tarefa criada para o enfrentamento da pandemia e que tem a responsabilidade concorrente com estes demais órgãos de promover a fiscalização das medidas restritivas estabelecidas no decreto da Covid".

Mais desrespeito

Diariamente, o GDF lança um boletim com os números das ações. No sábado, segundo dia da operação, 32 estabelecimentos receberam multa por poluição sonora. As principais ações ocorreram no Gama, em Ceilândia e em Sobradinho. No Gama, a PMDF encerrou uma festa com cerca de 500 pessoas, que participavam de uma balada rave na área rural. Duas pessoas acabaram presas por tráfico de drogas ao serem flagradas com maconha, cocaína, crack e ecstasy. A equipe apreendeu, ainda, um simulacro de arma de fogo.

No Plano Piloto, a Asa Norte foi um dos locais com mais ocorrências. A força-tarefa passou por estabelecimentos nas quadras 201, 206, 408, 211 e 215. Na 201, o Deboche! Bar ficará fechado por 15 dias e terá que pagar multa de R$ 4 mil por descumprimento dos protocolos sanitários no combate à pandemia. De acordo com a DF Legal, vários clientes não utilizavam máscara de proteção facial e nem estavam mantendo o distanciamento social. Além disso, pessoas dançavam na pista, o que está proibido. "Tinha muitas pessoas em pé dançando, sem o uso de máscaras; não havia álcool em gel disponível para a quantidade de pessoas. No momento da pandemia, todos os estabelecimentos têm que ter responsabilidade não só com os seus, mas com os clientes que utilizam e podem se contaminar", afirmou o auditor do DF Legal Admar Menezes.

Ainda na Asa Norte, mais de 250 pessoas compareceram ao Bloco Impresso, na 706 Norte, na tarde de sábado. Os integrantes, intitulados como "bloco-protesto" — modalidade adotada por blocos da capital nesse Carnaval — reuniram-se, atravessaram a W3 e seguiram em direção à quadra 306.

Álcool e trânsito

Ao longo de todo o sábado, o Departamento de Trânsito (Detran) e a PMDF flagraram 252 motoristas alcoolizados, 58 condutores inabilitados, três com habilitação vencida e um com o direito de dirigir suspenso. Os pontos de bloqueio se concentraram nas cidades de Taguatinga, Ceilândia, Sobradinho e Asa Sul. O Detran registrou mais 72 ocorrências de infrações diversas, como veículo não licenciado, falta de equipamento obrigatório e problemas na parte elétrica. Segundo o levantamento, 16 veículos foram removidos ao depósito.

Na madrugada de sábado, um motorista de 50 anos, alcoolizado, foi preso após provocar um acidente de trânsito na quadra 804 do Recanto das Emas e tentar fugir do local. Ao ser detido, o condutor tentou subornar a equipe no trajeto até a 27ª Delegacia de Polícia, oferecendo R$ 1 mil para ser liberado. O homem foi autuado por embriaguez ao volante e corrupção ativa.

Ainda durante a força-tarefa, a Polícia Militar registrou 618 ocorrências, apreendeu quatro armas de fogo, mais de 18kg de maconha, 100 gramas de cocaína, 10 comprimidos de Rohypnol — medicamento utilizado, geralmente, para diminuir crises de ansiedade e distúrbios do sono —, 276 comprimidos de ecstasy e porções de crack.

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  • Bloco de carnaval desafia proibição e ocupa Buraco do Tatu, no centro da capital
    Bloco de carnaval desafia proibição e ocupa Buraco do Tatu, no centro da capital Foto: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A Press
  • Bloco-protesto reuniu, ao menos, 700 pessoas no Buraco do Tatu, que desfilaram na região central da cidade
    Bloco-protesto reuniu, ao menos, 700 pessoas no Buraco do Tatu, que desfilaram na região central da cidade Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Blocos de rua desrespeitaram medidas de distanciamento
    Blocos de rua desrespeitaram medidas de distanciamento Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Organizadores poderão pagar multa de até R$ 20 mil por ilegalidade
    Organizadores poderão pagar multa de até R$ 20 mil por ilegalidade Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  27/02/2022 Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Carnaval 2022 bloco de rua no eixão do lazer próximo ao Buraco do Tatu.
    27/02/2022 Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Carnaval 2022 bloco de rua no eixão do lazer próximo ao Buraco do Tatu. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Fiscalização suspendeu diversas festas clandestinas
    Fiscalização suspendeu diversas festas clandestinas Foto: Renato Araújo/Agência Brasília
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