O teatro brasiliense perdeu ontem um grande defensor da sua arte com a morte de José Perdiz, aos 89 anos. O fundador do teatro-oficina Perdiz enfrentava problemas do coração desde 2021 e no começo deste ano contraiu covid-19. Foi vítima de complicações causadas pela vírus. A filha mais nova do mestre das artes cênicas, Júlia Karla Cunha Perdiz, 25 anos, conta que o pai apresentava um quadro de arritmia nos últimos meses.
“Ele até colocou marco-passo (no coração) para ver se melhorava, mas continuou tendo muito cansaço e mal-estar. Os problemas (de saúde) vinham desde o ano passado. Então em janeiro, quando ele pegou covid-19, por já estar debilitado, ele ficou bem ruim e com pneumonia”, disse Júlia.
José Perdiz deixou seu legado para a família, moradores e, especialmente, para a cultura da capital federal. “O grande legado deixado pelo meu pai é o amor que a gente tem pela arte. Valorizamos o trabalho e as pessoas que estão com a gente. Meu pai foi um grande trabalhador, um grande cabeça dura também, que defendia as suas ideias até o fim, não abria mão dos seus ideais e nem dos seus princípios”, ressaltou a filha caçula.
Além de ser pai de Júlia, Perdiz tinha quatro filhos do primeiro casamento. Anderson Perdiz, 52 anos, que mora no Espírito Santo, conta que esteve com o pai aqui em Brasília na semana passada. ´´Convivi com eles nos últimos momentos. Perdi meu melhor amigo. E Brasília perdeu um grande apoiador da cultura. Estou muito triste, mas sou grato por esses 52 anos tendo ele como pai´´, desabafou o filho.
Muito emocionada, Júlia adiantou ao Correio que pretende organizar uma homenagem ao pai no Teatro-Oficina Perdiz. “Como fui pega de surpresa, ainda não sei o que vou fazer e hoje (ontem) estou organizando toda a papelada. Mas no fim de semana quero fazer algo especial”, afirmou. Júlia destacou que mais informações sobre a homenagem a José Perdiz serão postadas no instagram oficial do teatro: @perdiz.teatrooficina.
“Iluminava os lugares”
O cineasta Marcelo Díaz, 46, destaca que Perdiz era “uma pessoa maravilhosa como ser humano e como guerreiro”. “Atuou, literalmente até os últimos dias, pela resistência de estimular a arte e a cultura. Perdemos um nome fundamental da nossa cultura em um momento que cada vez mais precisamos valorizar as pessoas como o Perdiz, que buscou uma arte igualitária. Ele era uma pessoa simples que marcou gerações. Onde ele chegava, ele iluminava os lugares, trazia reflexão e bom humor”, destaca.
Emocionada, a atriz Micheli Santini, 36 anos, destacou que Perdiz foi “amigo acima de tudo”. “Ele fez e faz muita diferença. Acendia uma chama dentro da gente muito forte, de ética, do Brasil que a gente desejava ter, da nossa capacidade. Ele era muito sábio. Era uma luz. O meu grupo de Teatro Concreto começou a nossa primeira peça lá (no Oficina-Teatro)”, lembra. Micheli lembra o dia, em 2000, do abraço coletivo de artistas em torno da sede da oficina, para impedir a ação dos tratores que iriam derrubar o espaço na 708/709 Norte.
“Estava lembrando aquele momento de novo, da nossa corrente humana e a sensação que tenho hoje era que, na verdade, estávamos fazendo uma corrente para que a gente não tombasse. Foi essa resistência que o Perdiz nos ensinou, mesmo diante da truculência, da desesperança. Ele fez muito pelos artistas”, reforça.
O velório está marcado para hoje das 11 às 13h,na Capela 03 do Cemitério de Taguatinga.
Pioneiro
José Perdiz nasceu em 1932 na cidade de Batatais, no estado de São Paulo. Criado em Araguari, em Minas Gerais, na juventude viveu em Belo Horizonte e veio para o Distrito Federal em 1960, onde construiu parte de sua história. Em 1969, abriu uma oficina mecânica, no entanto, em 1975 o espaço ganhou a atmosfera cultural quando o sobrinho pediu para utilizar o local para ensaios com colegas da Faculdade Dulcina de Moraes.
No fim da década de 1980, o local tornou-se um espaço cultural com a chegada do diretor de teatro Mangueira Diniz e da adaptação da peça Esperando Godot, de Samuel Beckett. Entre 1991 e 1992, a oficina chegou a receber um público de 7,5 mil pessoas
No entanto, os desafios viriam. Em 2000, ele enfrentou problemas ao ser questionado de realizar as atividades da oficina em área pública. Em setembro daquele ano, um grupo de pessoas realizou um cordão humano para defender o teatro de uma ação de derrubada. Em 2007, novos problemas ocorreram quando uma construtora começou obras ao lado do teatro e afetou o telhado.
As questões judiciais de legalização do espaço duraram até 2019, quando a escritura definitiva de um lote na 710 Norte para se instalar definitivamente foi concedida. Ele já tinha se mudado em 2015 para o novo endereço. A decisão da Justiça considerou que a reivindicação dos artistas e de Perdiz, que sensibilizado com a arte cedeu o espaço de sua oficina para ensaios e apresentações, mereciam o reconhecimento, principalmente em tempos de difícil valorização da arte.
Atualmente, o Teatro do Perdiz fica localizado na 710 Norte e tem capacidade para até 80 pessoas. A história da Oficina Perdiz virou até um documentário, dirigido por Marcelo Díaz. A obra ganhou o Troféu Candango de Melhor Curta 35mm do DF no Festival de Brasília e o Festival Internacional de Curtas São Paulo, de 2007.
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