As investigações sobre o que está matando animais domésticos no Núcleo Rural Lago Oeste, no Distrito Federal, entram neste sábado (19/2), no quarto dia consecutivo. Após a varredura inicial, a hipótese mais provável levantada pela equipe do tenente Tales Filipowitz, do Batalhão de Polícia Militar Ambiental, é a de que os animais tenham sido mortos ou feridos por uma onça-parda, conhecida também como suçuarana. O Correio ouviu pesquisadores do Instituto Pró-Carnívoros e, na opinião deles, existe outra possibilidade: a de que os ferimentos tenham sido provocados por cachorros.
Em entrevista ao Correio, o tenente Filipowitz revela ter encontrado pegadas de diferentes tamanhos, o que levanta a suspeita de que uma onça tenha sido a autora dos ataques e que ela tenha filhote. "Pelas marcas das feridas nas presas e quantidade de animais predados, a gente acredita, sim, tratar-se de uma onça-parda que está ensinando os filhotes a caçar. Mas essa é uma hipótese que depende do monitoramento para ser confirmada. É um trabalho demorado e que precisa ser executado com cautela", detalha.
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Com o mesmo cuidado, o pesquisador associado e presidente do Instituto Pró-Carnívoros, Ricardo Boulhosa, analisou as fotos da égua e da potrinha atacadas, juntamente com outros pesquisadores da entidade. Na avaliação deles, esses dois animais não foram atacados por uma onça. A hipótese mais provável é a de que o agressor seja um cachorro doméstico. "As características dos ferimentos e a quantidade de carne consumida não batem com o padrão de ataque de onça. A onça, geralmente, morde na jugular e mata a presa por estrangulamento. Os ferimentos que analisamos têm lacerações compatíveis com mordidas de cachorro", afirma.
Inicialmente, os militares instalaram câmeras e sensores de movimento para a identificação da espécie e do tamanho do animal. Agora, o batalhão trabalha com a possibilidade do bicho estar acompanhado por filhotes. Segundo o comandante da operação, pegadas de tamanhos diferentes encontradas na mata levaram os militares a levantarem a hipótese. "Vai ser feito o monitoramento para confirmar. É um serviço demorado e que precisa ser feito com cautela", explica o tenente Tales Filipowitz.
Biólogos do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) auxiliam os militares na tentativa de localização da suçuarana. Na fase adulta, esse animal pode alcançar até 1,2 metro de comprimento e pesar mais de 70kg. É muito ágil, conseguindo subir com facilidade em árvores.
Concluída a fase de monitoramento, será feito o planejamento e a captura do animal vivo. Posteriormente, ele será remanejado para uma área maior e mais distante das ocupações humanas. "Vamos monitorar o comportamento dela. A princípio, estamos trabalhando em parceria com o Ibram, e eles têm uma postura mais garantista e de preservação do animal", completa o tenente Filipowitz.
Independentemente de o ataque ser de onça ou de cachorro doméstico, Ricardo Boulhosa, do Pró-Carnívoros esclarece que é possível evitá-los. "Manter o rebanho perto da propriedade e impedir que ele entre em áreas de matas; manter os cachorros presos à noite porque temos estudos mostrando que eles percorrem uma distância de até 10km da propriedade quando ficam soltos. Se tornam cães errantes, se juntam a outros e saem para caçar. Depois, voltam para casa", cita.
Entenda o caso
Na madrugada do último domingo (13/2), duas éguas foram atacadas, supostamente pela onça, em um haras da região. Um dos animais foi encontrado ferido e o outro, morto embaixo de uma árvore, com ferimentos no pescoço e na região da barriga. Dono do haras onde as éguas viviam, Marco Antônio Sampaio Filho contou ao Correio que outros animais sofreram ataques em 6 de fevereiro. "Cerda de 11 galinhas foram mortas. E, agora, novamente, de sábado (12/2) para domingo, uma potra foi morta e outra ficou ferida", disse o advogado.
Na chácara de outro morador, o bicho matou seis ovelhas e uma delas foi encontrada a 200 metros do local onde as outras estavam, já dentro da mata próximo à propriedade. De acordo com o presidente da Associação dos Produtores Rurais do Altiplano Leste, Randolfo Martins de Oliveira, moradores da região relataram ter visto a onça desde novembro do ano passado. "Em janeiro, houve uma filmagem deste animal próximo a uma chácara e a gente constatou a presença da onça. Outras pessoas se manifestaram em dezembro e janeiro também", contou.
*Colaborou Arthur Souza
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O que fazer?
Ronaldo Morato, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
No DF, a Polícia Ambiental apura denúncia de moradores de que uma onça estaria atacando os animais domésticos. Isso é algo corriqueiro?
Os casos são bastante comuns onde há criações em propriedades próximas das reservas. Por isso, é importante evitar esse tipo de confronto (animal silvestre com as criações) e garantir a proteção dos felinos.
Caso as mortes dos animais domésticos do Lago Oeste sejam consequência de ataque de onça, o que precisa ser feito para evitar novos episódios?
Naquela região, temos um grande número de pequenas propriedades, com diferentes tipos de criação: cavalos, porcos, galinhas, ovelhas. Cada propriedade tem um tipo de manejo específico para a sua atividade. Por isso, para cada caso há uma recomendação diferente. De modo geral, existem algumas técnicas que podem afastar o felino.
Quais são essas técnicas?
O uso de buzina de carnaval; colocar colares com sino e que emitem luz vermelha intermitente no rebanho; e cerca elétrica para contenção dos animais são algumas delas. Nesse último caso, é preciso que a cerca tenha baixa amperagem e voltagem alta para o animal não ficar grudado no fio. O choque funciona como um soco. Também é possível usar cães-guardiães, que são animais que protegem o rebanho. Mas não é qualquer cão, e ele precisa ser treinado, saber o que fazer para proteger os animais. Algumas das raças criadas para este fim são o pastor-maremano-abruzês; o pastor húngaro e o pastor-da-Anatólia.
Não é a primeira vez que onças aparecem naquela região. O que fazer quando ficar de frente com uma onça?
A expectativa é de que, vendo a pessoa, ela desvie do caminho e fuja. Não é o que sempre vai acontecer. Pode ser que ela se assuste e entre em confronto. No caso de adultos, o melhor a fazer é levantar as mãos, bater palmas, gritar, fazer o máximo de barulho. Quanto às crianças, os pais ou os responsáveis devem acompanhá-las e não deixá-las entrar nas áreas de mata.
Projeto Pardas do Tietê
Estratégias de conservação para onças-pardas estão fortemente relacionadas ao conhecimento de aspectos da ecologia, comportamento e uso do habitat pela espécie. Embora a onça-parda tenha uma distribuição muito mais ampla do que a onça-pintada, tem sido muito menos estudada. Pouco se sabe sobre seus padrões de movimentação e uso do habitat. Os planos de conservação são muitas vezes baseados em parâmetros estruturais da paisagem, sem necessariamente considerar como as diferentes espécies percebem e fazem uso das características da paisagem.
O Projeto Pardas do Tietê vem estudando onças-pardas na bacia do rio Tietê desde o final de 2013. O objetivo do projeto é avaliar a situação ambiental das áreas — próprias e de terceiros —sob influência da AES Tietê, utilizando a onça-parda como ferramenta de conservação, através do monitoramento de indivíduos da espécie no entorno das usinas da empresa.
Atualmente em sua segunda fase, o projeto já encoleirou e monitorou 14 onças-pardas, sendo 3 fêmeas e 11 machos. O estudo vem monitorando as onças de forma intensiva e os dados coletados têm gerado informações extremamente interessantes e importantes para a conservação não só das onças, mas das espécies das quais elas dependem.
Para saber mais acesse https://procarnivoros.org.br/.