Há quem diga que o ano só começa depois do carnaval, mas para certas atividades econômicas, o período de fantasias e festas é fundamental para garantir renda ou o incremento no faturamento. Entretanto, pelo segundo ano consecutivo, as atividades impactadas pela folia de Momo não terão motivos para comemorar, com as restrições impostas pela pandemia de covid-19.
Segmentos envolvidos na cadeia produtiva dos blocos de rua e escolas de samba mantêm uma rotina de atividades durante o ano todo, e quando um carnaval termina, logo começam os preparativos para os festejos do ano seguinte. De acordo com Ruth Venceremos, 37, diretora do Distrito Drag e produtora do Bloco das Montadas, são diversas reuniões, encontros, atividades de capacitação e formação para conceber a edição de um bloco.
"Alguns de nós tem, pontualmente, outras fontes (de renda), mas uma parte significativa depende exclusivamente da realização de eventos dessa natureza. Logo que começou a pandemia criamos um fundo de apoio emergencial com foco em artistas LGBTQIA e as drag queens, foco principal de nossa ação, o que permite a gente ajudar mais de 100 pessoas com cestas básicas e apoio financeiro", apontou Ruth.
"Nós que trabalhamos com a cultura, desde o princípio, compreendemos que seríamos os primeiros a parar e, muito provavelmente, o último setor da cadeia produtiva a retomar os trabalhos. A garantia da saúde dos nossos foliões, artistas, técnicos, entre outros é prioridade", acrescenta a diretora do bloco.
Ruas vazias
Com a escalada de infecções por covid-19 no DF, o Executivo local publicou no dia (7/1), o decreto anunciando a proibição de festas carnavalescas privadas e de ruas. "São diversos os sentimentos sobre mais um ano sem os eventos no DF. O backstage entende a decisão do cancelamento do carnaval de 2022, devido ao avanço da variante ômicron. Contudo, oscilamos entre a tristeza de mais um ano sem carnaval e sem uma das maiores fontes de renda anual do setor de eventos", pontua Dandara de Lima, 30, presidente da Associação Backstage Brasília.
Ela expõe que um grande número de profissionais depende das festas e que é necessário adoção de medidas urgentes para minimizar os efeitos dos atuais decretos do GDF. "A Associação Backstage Brasília, em carta aberta protocolada no GDF, SECEC, CLDF, e divulgada nas redes no dia 14 de janeiro, solicitou a readequação, em caráter emergencial, da verba do Carnaval de 2022, para que seja acessada diretamente pelos trabalhadores, via edital público ou como o Estado julgar melhor", disse.
A proprietária da confecção de fantasias Geek Mel, Thaís Kelly Brito Lima, 34, contava com um acréscimo das encomendas este ano. Com uma loja on-line, a empreendedora vende, mensalmente para todo país, 2 mil reais em fantasias e não vê boas perspectivas para o feriado deste ano. "Carnaval não tem sido uma boa surpresa. Consigo dizer que tem sido até a pior data, sinto que mesmo o halloween está sendo mais celebrado nos últimos anos", lamenta.
Inclusão
Wesley Santos, 42, trabalha na área de coordenação de riscos de eventos desde 2002, um trabalho que acontece na pré-produção, na execução e na pós-produção dos eventos. Na prática são realizados os estudos para garantir a segurança dos eventos e disponibilizar adequadamente profissionais de segurança, brigadistas, postos médicos, ambulância, entre outros. "A demanda do serviço, em termos de colaboradores, chega a ser a maior de um evento, chegamos a gerar mais de 1, 4 mil vagas indiretas (em um evento de carnaval), através de diárias", completa.
Há dois anos a renda de Wesley não chega a 10% do que ele ganhava com o trabalho em evento. "A insegurança dos eventos não deixa o profissional fechar a sua agenda, pois de uma hora para outra ela é totalmente desmarcada", pontuou.
Situação que Gilberto Silva, 48, dono da empresa FGS Limpeza, conhece bem. Ele trabalhava no carnaval e em eventos no Setor Comercial Sul (SCS), mas há dois anos passa por dificuldades. "Através do carnaval e das festas aqui do no Setor a gente empregava muita gente em situação de rua. Nos dias de festa conseguíamos colocar cerca de 30 pessoas para trabalhar. Ajudamos muitas pessoas aqui e gostaríamos de continuar", relembrou.
Ele destaca que, como outros profissionais que dependem dos eventos, tem se virado com bicos para garantir o sustento, mas não é suficiente. "O carnaval trazia uma renda muito boa para mim e para todas as pessoas que dependiam da festa", lembra.
O Instituto No Setor, que também atua no carnaval de Brasília com o Setor Carnavalesco Sul, consegue fazer a ponte entre as pessoas em situação de rua e empresas como a de seu Gilberto. "Desde que começamos o nosso trabalho, sempre nos preocupamos com a questão da inclusão de quem já estava nesse espaço. No último carnaval a gente teve 30 vagas para pessoas em vulnerabilidade", disse Felipe Velloso, 32, coordenador geral do No Setor.
Alternativas
A rotina das escolas de samba também é afetada pelo cancelamento. A Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc), tradicional escola de samba, viu frustrada a perspectiva de retomada das atividades, pois não participa dos desfiles do DF desde 2014, quando o subsídio governamental foi interrompido. "Para 2022 havia a expectativa de retomada. Com essa nova onda da pandemia, tivemos de nos adaptar mais uma vez", pontuou Rafael Fernandes de Souza, 44, presidente da Aruc.
Para driblar os empecilhos a escola de samba optou por participar de lives, do projeto Brasília tem Cultura Carnavalesca, da Secretaria de Cultura, que iniciaram em janeiro. A Aruc teve sua estreia no projeto no dia 11 de fevereiro e vai participar nos dias 20 de fevereiro, 19 de março, 9 e 30 de abril.
O projeto ajuda, mas não resolve, sobretudo num momento em que o carnaval na capital federal se consolidava como destino turístico. Em 2019, o Distrito Federal foi apontado como um dos destaques da festa, atraindo mais de 1 milhão de pessoas. Em 2020, o Ministério do Turismo destacou um acréscimo de 32% no setor hoteleiro durante o período de folia.
Em 2020, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa, por meio de edital, disponibilizou um aporte de R$ 4 milhões para fomentar a atividade. Naquele ano, conforme estimativas, 1 milhão de foliões ocuparam as ruas, 20 mil postos de trabalho foram criados e houve um incremento de R$ 240 milhões na economia do Distrito Federal.
Procurada, a Secretaria de Saúde confirmou que o avanço da contaminação por covid-19 e suas variantes impõe protocolos que impedem as festas e está buscando formas de amparar o setor de eventos, como o Projeto Apoio Atividades Carnavalescas Permanentes, que vai injetar "o valor global R$ 1.200.000" que vai beneficiar profissionais do segmento. Além disso, por nota, a pasta reforça a importância da vacinação para a população adulta e infantil para que as comemorações possam ser retomadas o mais breve possível.
*Estagiárias sob a supervisão de Juliana Oliveira
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