"Eu corro o risco de ficar sem trabalhar, e minha filha pode surtar", desabafa Marlene Araújo da Silva, 61 anos, mãe de Tatiane Araújo, 40. A filha da diarista foi diagnosticada com autismo severo aos 6 anos e, desde então, recebe atendimento na Associação dos Amigos dos Autistas do Distrito Federal (AMA-DF). A entidade, referência nesse acolhimento, luta para manter as portas abertas desde 2019, devido a uma ordem de despejo emitida que exige a desocupação dos dois imóveis onde a instituição funciona, no Instituto de Saúde Mental (ISM), no Riacho Fundo 1. No entanto, por decisão do atual chefe da pasta, Manoel Pafiadache, essa determinação será reavaliada nesta quinta-feira (10/2), em reunião às 17h.
A decisão que determinou a saída da AMA-DF do local em que funciona há 35 anos, por meio de convênio firmado com o Executivo local, saiu em 2017. A parceria com o governo local se encerrou, e a Secretaria de Saúde não renovou o contrato com a organização. Sem ter para onde ir, os colaboradores da associações permaneceram no endereço. Naquele ano, o governo entrou com uma ação judicial para cobrar a desocupação do espaço, e o prazo para cumprimento venceu em 2019. Contudo, nos últimos anos, os responsáveis pela organização tentam negociar com a pasta. A ordem de despejo requer o término das atividades em 1º de abril, véspera do Dia Mundial de Conscientização do Autismo.
Marlene Araújo conta que a situação mudou e que, agora, as famílias precisam arcar com diversos custos para manter os filhos na AMA-DF. Entre os gastos, há despesas com profissionais de saúde, transporte, além de água e luz. "Tive de adequar minha vida aos horários da minha filha. Ela precisa andar comigo porque ninguém faz esse trabalho. Minha renda é em torno de R$ 1,4 mil e tenho de comprar remédios que não são disponibilizados pela rede pública. Se a associação fechar, terei de ficar em casa com ela e será hora de dizer adeus aos remédios, porque não terei condições de pagar. Isso tem me desesperado e tirado meu sono", lamenta a moradora de Samambaia Sul.
Presidente da AMA-DF, Gisele Montenegro explica que as atividades incluem desde ensinar os frequentadores a escovar os dentes até se arrumarem por conta própria. Mãe de um autista em grau severo de 29 anos, ela destaca que nenhum outro espaço promove algo semelhante na capital federal. Antes do fim da parceria com o Estado, a organização acompanhava 67 famílias. Hoje, são seis. "Quando recebemos a notícia do fim do convênio, boa parte delas saiu. Ao recebermos a ordem de despejo, uma parte foi embora porque não tinha condições (de contribuir financeiramente)", detalha Gisele.
Repercussão
Atualmente, 250 autistas aguardam por uma vaga na associação, mas a demanda é grande desde 2014. Na terça-feira, a situação ganhou destaque depois de o apresentador Marcos Mion publicar um vídeo em que pede ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), para intervir e evitar que a instituição feche. "A justificativa do governo para o despejo é de que o espaço vai ser utilizado para abrigar ex-detentos com problemas psiquiátricos", comentou. "Essa é outra causa que merece, sim, atenção do Estado. Mas por que não manter a AMA-DF no lugar em que está instalada há mais de 30 anos e criar um novo espaço para atender os ex-detentos?", questionou Mion, que tem um filho diagnosticado como autista.
Em resposta à demanda, Ibaneis anunciou que suspendeu a tramitação administrativa de despejo do imóvel e que encontrará "uma saída para a situação". "Determinei ao secretário de Saúde que, dentro da legalidade, resolva a questão. A primeira reunião, com participação da AMA, será nesta quinta-feira. Nós não vamos permitir que o belo trabalho desenvolvido pela associação seja interrompido", escreveu em uma rede social. A causa também chegou ao Legislativo local e, na sessão de ontem, deputados distritais cobraram uma solução para o problema.
Morador do Guará, Gilberto Ferreira Pereira, 55, é pai de Marina de Oliveira Pereira, 28, diagnosticada com autismo severo. Na AMA-DF desde 2005, quando a família conheceu o projeto e recebeu acolhimento na associação, o administrador de empresas vê o espaço como uma segunda casa e torce pela manutenção das atividades. "Como pai (de uma pessoa com autismo), digo que a AMA-DF é um porto seguro. Lá, tenho a garantia de que minha filha será bem tratada. Então, todos torcemos para que tudo dê certo na reunião de hoje (quinta-feira)", reforça.
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