A pandemia provocou uma reflexão sobre o sentido da vida. Por isso, essa coluna conseguiu uma mediúnica exclusiva com Zygmunt Bauman, o pensador da sociedade líquida pós-moderna para conversar sobre a arte de viver. Fala, mestre.
O que há de errado com a busca atual pela felicidade?
Parece que a busca dos seres humanos pela felicidade pode muito bem se mostrar responsável pelo próprio fracasso.
Por quê?
Todos os dados empíricos disponíveis indicam que, nas populações das sociedades abastadas, pode não haver relação alguma entre mais riqueza, considerada o principal veículo de uma vida feliz, e maior felicidade.
O que revelam as pesquisas?
Pesquisas mostram que, a partir de uma comparação de dados transnacionais, que embora os índices de satisfação com a vida declarados cresçam amplamente em paralelo com o nível do PNB, eles só crescem de modo significativo até o ponto em que carência e pobreza dão lugar à satisfação das necessidades essenciais de sobrevivência. E param de subir, ou tendem a decrescer drasticamente, com novos incrementos de riqueza.
O que é essencial para a felicidade?
Cerca de metade dos bens cruciais para a felicidade humana não têm preço de mercado nem pode ser adquirida em lojas.
Quais são esses bens?
Qualquer que seja a sua condição em matéria de dinheiro e crédito, você não vai encontrar num shopping o amor e a amizade, os prazeres da vida doméstica, a satisfação que vem de cuidar dos entes queridos ou de ajudar um vizinho em dificuldade, a autoestima proveniente de um trabalho bem-feito.
Que importância o senhor atribui à amizade no mundo atual?
Os vínculos de amizade são, nas felizes e memoráveis palavras de Ray Pahl, nossa única escolta social em meio às águas turbulentas do mundo líquido-moderno. Somos artistas de nossas vidas — conscientemente ou não, de boa vontade ou não, gostemos ou não.
E o encontro com o amor?
O amor não é algo que se possa encontrar. É algo que precisa ser sempre e novamente construído e reformado a cada dia, a cada hora; constantemente ressuscitado, reafirmado, servido e cuidado.
Por que o senhor considera que a vida é uma obra de arte?
A vida não pode deixar de ser uma obra de arte se é uma vida humana — a vida de um ser dotado de vontade e de liberdade de escolha.
O que significa ser artista de sua vida?
Sermos artistas significa dar forma e condição àquilo que de outro modo seria sem forma ou aparência. Impor uma ordem, no que, de outro jeito, seria o caos.
A arte de viver reduz as incertezas?
Não importa o quanto se tente o contrário, a vida se passa na companhia da incerteza.