Com o aumento de casos de covid-19 e de influenza no Distrito Federal, o clínico geral e coordenador de Clínica Médica do Hospital Santa Lúcia, Lucas Albanaz, foi o entrevistado do CB.Saúde de ontem. Em conversa com a jornalista Carmen Souza, o médico admitiu que a ômicron, variante da covid-19, tem potencial para sobrecarregar o sistemas de saúde público e privado no DF, em especial os pronto-socorros.
Para o especialista, se houver um agravamento nos índices de transmissão da doença, a tendência é que mais pessoas precisem de atendimento e, eventualmente, de internações. De acordo com Lucas, até o momento, a maior parte das hospitalizações ocorreram em pessoas que não estão vacinadas. O cenário da escassez de testes para o diagnóstico da infecção respiratória também é preocupante.
Como a ômicron tem chegado para os profissionais de saúde?
Não foi um presente de Natal. Inicialmente, o sistema de saúde está sentindo bem forte as infecções por influenza, um grande número de pacientes estão procurando os serviços de saúde e com muitas infecções com característica de influenza. Só conseguimos avaliar qual é a infecção através dos testes, a ômicron tem aparecido, mas acreditamos que ainda vai ter uma onda bem grande, infelizmente.
É um movimento parecido com o do Rio de Janeiro, que há pouco tempo estava com muitos casos de influenza, e hoje começa a diagnosticar muito mais casos de covid-19?
Exatamente. Na epidemiologia, conseguimos avaliar, estudamos como a doença se comporta. Vimos na Europa, estamos vendo nos Estados Unidos. No Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo são grande cidades que sofrem primeiro por conta da grande circulação de pessoas e, agora, está chegando para aqui também. Chegou a influenza, tivemos três semanas de grande impacto no sistema de saúde, e a nossa expectativa é que agora venha a grande onda da ômicron. Deve piorar, infelizmente.
Um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA mostra o efeito da ômicron e o impacto, principalmente nos hospitais. O resultado sinaliza que é uma variante que adoece, é preocupante, mas com um impacto menor de permanência no hospital. A gente pode avaliar isso de uma forma positiva e tranquilizadora?
Temos que avaliar esses números com muito cuidado pensando que são tranquilizadores no sentido de letalidade, mas não podemos usar esses números para que se relaxe com os cuidados, isolamento, vacinação e combate à pandemia. Se a gente baixar a guarda, não vai ser benéfico. O impacto pode ser menor, mas terão muitos casos, vão sobrecarregar o sistema de saúde tanto público quanto privado e os profissionais de saúde, mas não vai ter um número alto de internações e de óbitos, esse é o esperado.
De qualquer forma, é uma variante que continua matando também.
É uma variante que continua matando e se ela pegar um número maior de pessoas, a gente vai observar um número maior de óbitos também.
Pensando em tratamento, no caso dos pacientes que precisam de uma assistência mais intensiva e uma hospitalização, há alguma diferença? Pergunto isso porque alguns estudos mostram que a ômicron tem um comportamento no corpo diferente da delta, parece que ela se transmite e age muito mais na parte superior do que no pulmão, o que explicaria uma redução no número de mortes. Isso tem alguma diferença no tratamento dos pacientes hospitalizados?
O tratamento, hoje, tem uma diferença no sentido de que aprendemos mais com a doença, dispomos de algumas drogas em casos de pacientes internados que a gente pode lançar mão. Temos aprendido com o tempo e conseguindo desenvolver novas medicações, mas no sentido de tratar diferente, não, seguimos tratando da mesma forma, como um quadro viral respiratório.
Há uma mudança no perfil de quem está sendo hospitalizado? Quem é que, hoje, está nos hospitais e na UTI por conta da covid-19?
Tem um perfil bem designado de pacientes não vacinados, a gente percebe isso de forma bem discrepante, nos que estão evoluindo para a gravidade, evoluindo para óbito, é um número seis vezes maior dependendo do local observado.
Pensando nas pessoas mais vulneráveis, até as que foram inicialmente imunizadas, idosos, pessoas com doenças crônicas, hipertensos, diabéticos, a gente consegue identificar que eles também, ainda que vacinados, tenham um risco maior de internação por conta de uma infecção pela ômicron?
Não, a gente observa um movimento anterior. Percebemos uma letalidade maior na delta. A variante ômicron, por mais que a gente tenha um número maior de infectados, a gente tem visto um número menor de gravidade. Mesmo em populações vulneráveis, a gente também observa um número menor de casos graves e de casos letais.
Em relação à influenza, é um surgimento meio atípico, não é? Não se esperava, tanto as pessoas comuns quanto os profissionais de saúde, um índice tão alto de infectados. O que aconteceu?
Os vírus da gripe também podem sofrer mutações e apresentar novas cepas para infectar. Foi isso que aconteceu com a influenza, ela tem três tipos, Influenza A, Influenza B e Influenza C, hoje a gente observa mais a influenza A e B, e dentro da influenza A a gente tem a H1N1 e a H3N2, que foi essa mutação que a gente observou, inicialmente no hemisfério norte, na temporada passada. E agora a gente está sofrendo com esses novos casos precocemente. Pode ser mais complicado, principalmente se a gente tiver grupos de risco, gestantes, idosos, pessoas com comorbidade. Tendo duas infecções, o nosso sistema imunológico tem mais trabalho para poder combater.
Os sintomas são parecidos, mas tem alguma coisa que dá para diferenciar? Dá para pontuar algumas diferenças?
Tanto para influenza quanto para o covid nós só conseguimos realmente fazer a diferença testando, então a testagem em massa é importante, ela é aconselhada, ela é fundamental. Pode ser que vamos apresentar, em certo momento, um racionamento de material e um racionamento de testes por falta, e a gente direciona esses testes para populações de risco, então isso é importante para a gente também.
Na quarta, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica se posicionou com relação a essa questão da possível falta de exames de diagnóstico, já com uma recomendação inclusive de que sejam testados só os infectados que apresentam sintomas mais graves. O que são sintomas mais graves, e o senhor acha que adotar essa estratégia é importante agora?
É importante sim por conta da falta, se a gente está trabalhando em um ambiente inóspito, temos que racionar. Temos que pensar é que independente da testagem, a gente tem que praticar o isolamento, praticar as medidas realmente de proteção, porque aí a gente consegue fazer essa barreira e não passar esse vírus adiante, independentemente se está com covid-19 ou influenza, ou que seja um resfriado comum, a gente não vai conseguir testar todo mundo. Então, tem que realmente fazer essa essa barreira de transmissão para que consigamos sair dessa.
Quais são os sintomas
mais graves?
Queda de saturação, falta de ar, febre que não baixa com medicação, aquele cansaço. Com tudo isso observado, tem que procurar o serviço de saúde para ser avaliado. O médico vai fazer o exame físico, ver sua história e ver a necessidade ou não de fazer exames laboratoriais ou de imagem.
Vamos falar um pouco de tempo de isolamento. O Ministério da Saúde reduziu de 10 dias para sete, como é que essas regras funcionam?
Isso e vale lembrar que foi reduzido para pacientes que estão vacinados e pacientes que têm essa dose de reforço a menos de seis meses, os pacientes que não estão vacinados a gente mantém ainda esse número de isolamento acima de 10 dias. O paciente que estiver assintomático, se ele tiver um teste negativo, no quinto dia ele pode sair do isolamento. A gente tem que ser um pouco racional, se tá faltando teste para quem está positivo, para quem tá com sintomas, imagina para quem já testou positivo e a gente vai testar de novo, fica um pouquinho complicado. Então, a gente começa a adotar esse sete dias. Para o paciente sintomático a gente vai lá para os 10 dias mesmo.
*Estagiário sob a supervisão de Juliana Oliveira