Infraestrutura

Prédio que desabou nunca teve Habite-se em 25 anos de fundação

Edifício de 24 apartamentos em Taguatinga Sul estava sem a Carta Habite-se desde a fundação, e os órgãos responsáveis não realizaram qualquer vistoria rigorosa no local. Estrutura está interditada

Desde a fundação, o prédio que desabou parcialmente em Taguatinga Sul estava em situação irregular. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal (Seduh), os responsáveis pela estrutura não tinham apresentado requerimento para emissão da carta de Habite-se ou atestado de conclusão da construção. Caso houvesse o pedido, a pasta encaminharia a demanda à Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal) para vistoria e posterior homologação do documento, caso a situação do edifício estivesse em dia. Como nada disso foi feito, o prédio não poderia estar abrigando pessoas.

O problema é que estava ocupado e muitos moradores corriam o risco de serem soterrados pelo edifício. A fiscalização desse tipo de situação é de responsabilidade do DF Legal. A pasta informou que o serviço é feito em duas frentes: com as vistorias diárias realizadas pelas equipes ou, na maioria, por meio de denúncias feitas pelos telefone 162 e site da Ouvidoria do GDF. Atualmente, não há um levantamento de quantos prédios estão irregulares no Distrito Federal. De acordo com o painel de resultados da pasta, no ano passado, foram realizadas 3.235 solicitações de vistorias para o Habite-se, sendo que 1.325 foram deferidas. O mês com mais requerimentos registrados foi outubro, com 383.

Porém, no local do prédio, não consta nenhuma ação fiscal. A Seduh ressalta que algumas áreas foram invadidas no DF, e as construções ocorreram sem licença, uma vez que a Central de Aprovação de Projetos (CAP) só concede licenciamento para áreas regularizadas. A pasta diz que construções muito antigas obtinham licenciamento pelas regiões administrativas, já que a CAP foi criada em 2015. O Correio apurou que uma das irregularidades do prédio seria dois pavimentos a mais do que o permitido para a área. Procurados, os proprietários da construção não comentaram o assunto.

Requisitos

De acordo com o Governo do Distrito Federal (GDF), a carta de Habite-se de Regularização, para ser emitida, precisa ser requerida junto à apresentação de documentos de titularidade, de comprovação da ocupação e de laudos técnicos que comprovem a estabilidade da edificação e a inexistência de riscos. Esses estudos devem ser acompanhados de documentos de responsabilidade técnica.

Para prédios erguidos em área de regularização, além da documentação, os interessados deverão apresentar laudos que comprovem o atendimento às normas de acessibilidade, de segurança contra incêndio — de acordo com os critérios exigidos pelo Corpo de Bombeiros — e de solidez da edificação, conforme as regras definidas pela Defesa Civil. No caso de edificações construídas em áreas de regularização, o licenciamento de casas e prédios só será possível em locais cujos lotes estejam registrados em cartórios.

Saiba Mais

Ed Alves/CB/D.A Press - Moradores saíram dos apartamentos com o que tinham na mão
Ed Alves/CB/D.A Press - Bombeiros resgatam um cãozinho dos escombros do edifício
Ed Alves/CB/D.A Press - Policiais protegem o perímetro do desabamento

O que é o Habite-se

A carta de habitação (Habite-se) serve para se adquirir direito de habitabilidade do imóvel construído. Pessoas físicas ou jurídicas que sejam proprietárias legítimas do imóvel ou qualquer pessoa com procuração podem requerer o documento, ao término da obra, com o devido alvará de construção. O requerimento deve ser solicitado na Central de Aprovação de Projetos (CAP), por meio do site www.cap.seduh.df.gov.br da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh). A central encaminha para a DF Legal o pedido de vistoria para Habite-se.

 

A morte de edificações

Prof Dickran Berberian, engenheiro civil especialista em patologias

"A principal razão é a falta de inspeção periódica. Na realidade, essa é a razão da causa de desabamento de várias obras, inclusive do viaduto de Brasília, do viaduto de São Paulo, da barragem de Brumadinho, da ponte de Gênova, na Itália; do prédio de Miami, do prédio de Fortaleza, nos quais as mortes e os prejuízos poderiam ter sido evitados se houvesse a fiscalização. É a falta real de uma lei de manutenção predial frequente.

Uma boa notícia é que, em Brasília, a Câmara Legislativa do DF, com apoio do Sindicato de Engenheiros, estão tentando aprovar um projeto de lei semelhante ao de Fortaleza, que, infelizmente, só ocorreu após o desabamento na cidade, que poderia ser evitado, criando lei que dá a urgência no trabalho de vistoria.

A proposta é que prédios com mais de 50 anos tenham vistoria imediata, caso contrário, será embargado e, a cada dois anos, precisará de uma nova vistoria. Prédios com 30 anos, a cada três anos uma novas vistorias, e por aí vai, dependendo da idade da edificação.

Uma outra razão é que nessa época de chuva, há incidência maior desse risco de acidentes como esse, porque a água é um dos maiores inimigos da edificação. A primeira indicação para o responsável pelo prédio é de retirar água do teto para que não acumule, porque, com o tempo, essa água vai para as fundações e provoca um 'câncer' terrível chamado recalque, que é obra afundar lentamente no chão.

Existem dois tipos de mortes de imóveis, um é o 'câncer' que mata lentamente chamado recalque, e Brasília tem um solo chamado colapsível, vermelho. Enquanto seco é muito resistente, mas molhou, perde toda resistência. Por isso, as obras desabam; por isso, os asfaltos enchem de buracos; e por isso, garagem de edifícios sofrem desabamentos ou sofrem infiltração.

O outro tipo é o que mata rápido, é o problema da estrutura em si, do concreto ou do aço. Mas ela avisa, primeiro aparecem pequenas fissuras de 0,3mm, quase invisíveis aos olhos de leigos. Com a evolução do problema, se transformam em trincas, podem chegar até 0,9mm, tem que observar se estão crescendo. Depois, viram rachaduras, dá para colocar a mão dentro, e você passa a ouvir estalos. Depois das rachaduras, o prédio tomba. Nesse caso, a Defesa Civil e os Bombeiros identificaram e fizeram um excelente trabalho.

Pelo que vi, a obra de Taguatinga afetou um dos níveis mais críticos, que foi as colunas e os pilares. Essas colunas são de extrema importância. Precisamos saber se foi o recalque que causou isso nas colunas ou se foi a estrutura danificada. Além disso, quando chove, a edificação fica mais pesada, porque umedece o concreto, e, se a estrutura estava ruim, piora."