Infraestrutura

Famílias têm o passado soterrado e enfrentam um futuro incerto

Famílias que viviam no prédio que desabou em Taguatinga Sul deixaram toda a história para trás. Sem documentação nem perspectiva, eles aguardam o fim da interdição para salvar alguma coisa

José Nogueira, 57 anos, acordou ontem pensando nos álbuns de fotos, certidões, até contas de luz, água e aluguel que pagou. O esforço do autônomo não adiantou muito, pois, agora, tudo, até documentos pessoais, está soterrado. Ele morava com a esposa no prédio da Área Especial 20, de Taguatinga Sul, que desabou parcialmente e está interditado até, pelo menos, segunda-feira (10/1). "Está tudo lá. O dinheiro que a gente batalhou para conseguir. Estamos sem documento nenhum", lamenta. Assim como outras famílias, a de José está dormindo em um hotel, no Pistão Sul, com estadia custeada pelo proprietário do prédio. Porém a angústia não passa. "Ter um quarto de hotel é bom, porque não estamos dormindo nas ruas com as crianças. Mas não temos almoço nem janta e estamos sem dinheiro. Vamos comer onde, sem dinheiro?", questiona.

O autônomo não tem parentes no Distrito Federal e precisa cuidar da esposa e dos dois filhos e dos netos. "Deixamos celulares. Roupas. Tudo lá dentro. Só tivemos tempo de perceber que algo estava errado por causa da presença dos bombeiros e sair do local", lembra. Os proprietários da construção informaram, por meio de nota, que vão providenciar a contratação de uma empresa especializada para retirar os pertences dos moradores do prédio. Porém só depois das 72h de interdição imposta pelos órgão de segurança. Até lá, pelo menos, as pessoas ficam no hotel.

A situação precária da estrutura fez com que dois prédios vizinhos fossem interditados também. A Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, com o apoio de engenheiros da Universidade de Brasília (UnB) e do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do DF (Crea-DF), vão, até segunda-feira, observar e mapear os três prédios para ter certeza de que não há mais riscos de queda imediata. Só então estará autorizada a entrada nos locais para resgatarem pertences.

Ontem, foi instalado no local o Posto de Comando do Incidente dos Bombeiros, no qual 16 militares permanecem em revezamento. Treze animais de estimação morreram na tragédia. Um cachorro foi retirado com vida dos escombros, e outro cão conseguiu sair da estrutura sozinho. Moradores relatam que existem mais pets desaparecidos.

Na nota divulgada pelos responsáveis pelo prédio, eles disseram que foi a primeira vez que moradores teriam ouvido estalos na estrutura e que os proprietários estão prestando todas as informações para os órgãos competentes, "dando a devida transparência à investigação, bem como mantendo diálogo constante com os moradores e os lojistas instalados na edificação". Após o prazo de 72 horas, uma empresa especializada vai retirar os pertences das pessoas que viviam no local, mas isso depende da autorização da Defesa Civil.

Segundo o texto, o edifício, desde a fundação, passa por manutenções periódicas. "Lamentamos profundamente o ocorrido, pedimos desculpas às famílias, aos lojistas e aos moradores dos empreendimentos vizinhos, e os proprietários do empreendimento colocam-se à disposição", completa a nota.

Saiba Mais

Em busca dos direitos

Em situações como essa, do desabamento do prédio, é importante que as pessoas saibam quais são os direitos e os deveres de cada parte envolvida. O advogado especialista em direito imobiliário Bruno Ravanelli explica que, primeiro, é necessário avaliar o que está no contrato firmado entre condômino e inquilinos. "Não temos informação sobre como era a relação de contrato deles, mas, pelo que acompanhamos, era uma relação de aluguel. Sendo assim, em um primeiro momento, o proprietário é, sim, obrigado a dar assistência e alocar essas pessoas por um período e arcar com as despesas de moradia até que possam arrumar um outro local para morar", comenta.

O jurista diz que não há, legalmente, um prazo predeterminado para o fim desse auxílio. "Entra uma questão de bom senso e acordo entre as partes, mas, como há um contrato de aluguel, de um mês pelo menos, que é um prazo razoável para alugar outro lugar e fazer mudança", acrescenta. Além disso, Ravanelli afirma que os prejudicados podem processar os proprietários. "Há a possibilidade de danos materiais, ainda mais se não sabemos se vão conseguir ou não recuperar o que ficou no prédio", avalia. Alguns moradores procuraram a Polícia Civil para registrar boletim de ocorrência contra o condomínio.

O advogado explica que todos os custos que as vítimas tiveram no processo de mudança e para repor objetos perdidos também devem ser pagos pelo proprietário do imóvel. As denúncias por danos materiais podem ser feitas por meio da Polícia Civil, que deve apurar os fatos e apresentar o inquérito.

Histórias de sobrevivência

Yurubi González, 41 anos

Venezuelana, a engenheira veio para o Brasil em busca de uma vida melhor e para trabalhar e estudar. A imigrante morava, desde de 22 de dezembro, no prédio que desabou em Taguatinga. Com o incidente, ela viu os sonhos de uma vida indo embora. Agora, se abriga com a família em uma casa, em Samambaia. A venezuelana fechou o contrato e alugou um apartamento de três quartos, em que pagaria R$ 1 mil por mês. No pouco tempo em que ficou no imóvel, ela conta que não reparou em qualquer problema ou mesmo rachaduras. "Para mim, estava tudo normal. Não sabia desse risco tão grande, que poderia ter nos custado a vida", conta. Apesar das perdas, ela afirma estar grata por ter sobrevivido. "Em parte, me sinto tranquila, porque dou graças a Deus pela mulher que nos alertou disso tudo. Se não fosse ela, estaríamos ali", lamenta, apontando para os escombros do prédio.

Carlos Vieira/CB - 07/01/2021 Crédito: Carlos Vieira/CB. Hotel Star. Na Foto Adriana Alves com o cachorro, Theo.

Adriana Alves, 44 anos

A dona de casa morava no prédio há 13 anos. No dia do desabamento, ela tentou salvar o casal de cachorros que morava com a família no primeiro andar — que foi o único, por enquanto, com perda total. Durante toda a noite de quinta-feira, Adriana ficou imaginando onde os animais estariam. "Eu fui uma das primeiras pessoas a sair, só que eles não deixaram eu pegar os cachorros, que não ia dar tempo. E, realmente, não deu. Se eu tivesse voltado para pegar eles, o prédio tinha desabado. Foi muito rápido. Quando os bombeiros chegaram, foi questão de eu juntar os meus meninos, porque eu estava com quatro crianças em casa, descer e sair com a roupa do corpo. Peguei só a minha bolsa", lembra. Ontem, um dos animais surgiu dos escombros. "Quando eles acharam meu cachorro, me ligaram, e minha filha (Lanna de Alencar) foi lá buscar", conta aliviada.

Ed Alves/CB - 07/01/2022. Crédito: Ed Alves/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Cidades. Prédio em Taguatinga corre risco de desabamento total, segundo Defesa Civil. Edifício que desabou parcialmente está inclinado para um lado. Equipes de técnicos da Defesa Civil, UnB e do CBMDF avaliam entrada no prédio para retirarem pertences.

Josilda Alves, 45 anos

No dia do ocorrido, a vendedora chegou do trabalho e encontrou os bombeiros embaixo do prédio, onde ela morava há seis anos. "Encontrei meus filhos fazendo as mochilas, e me disseram que tínhamos que sair correndo. Não deu tempo de pegar quase nada, só sair com a roupa do corpo", relata. Agora, ela está no hotel. "Eu não sei até quando vou poder ficar lá. Tem que ser até resolvermos essa situação", avalia. Josilda busca um outro lugar para morar e adianta que vai procurar a Justiça. "Com certeza, todos os moradores vão atrás dos direitos. Pagamos aluguel de R$ 1,2 mil todo mês, e tudo que a gente tinha lá dentro de casa foi suado", protesta. Ontem, ela estava na frente no prédio para conseguir pegar algum pertence, porém sem esperanças. "Não acredito que vá dar certo", lamenta.

 

Como ajudar

Doações diretas

» Na tentativa de minimizar o impacto do incidente, uma moradora da região disponibilizou a residência para a entrega de doações.

» Endereço: QSE 7 Casa 35, rua do CEF 10, em Taguatinga (Falar com Raimunda). Também é possível doar pelo PIX (61) 9 8408-6817 (celular).

» Mais informações: (61) 9 8408-6817 (Cristiane).

Doações por órgãos públicos

» Os postos do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal e da Defesa Civil também servirão de ponto de apoio a fim de recolher doações para os moradores. Basta comparecer a uma unidade e informar da doação.

OAB-DF

» A Subseção de Taguatinga da Ordem dos Advogados Seccional do DF transformou a sede em um ponto de coleta de doações. Até a próxima sexta-feira, quem quiser ajudar poderá levar doações de água, comida, móveis e roupas.

» Endereço: QI 10, Lote 54

» Horário: 9h às 18h, em

dias úteis.