Violência

Violência: em três dias, mais duas vítimas de feminicídio no DF

Eliuda Velozo, 35 anos, foi assassinada com um golpe na cabeça, no sábado (22/1). Ontem, o corpo de uma jovem de 23 anos foi localizado em Brazlândia

Darcianne Diogo
Ana Isabel Mansur
Rafaela Martins
Renata Nagashima
postado em 25/01/2022 05:43 / atualizado em 25/01/2022 15:30
Eliuda Velozo, 35 anos, foi uma da vítimas. A maranhense foi encontrada em uma estrada de terra de Santa Maria -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Eliuda Velozo, 35 anos, foi uma da vítimas. A maranhense foi encontrada em uma estrada de terra de Santa Maria - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O sonho de uma vida melhor acabou para Eliuda Velozo, 35 anos, e para uma jovem de 23 anos identificada apenas pelas iniciais K.C.P.S. As duas mulheres entraram para as estatísticas de feminicídio na capital federal, Eliuda foi encontrada morta no sábado, em Santa Maria, e o corpo de K.C.P.S. foi localizado ontem, em Brazlândia. Nos dois casos, a Polícia Civil do Distrito Federal investiga a participação do companheiro e ex-companheiro, respectivamente, das vítimas nos crimes.

No sábado, o corpo de Eliuda foi encontrado em uma estrada de terra de Santa Maria. De família humilde, ela deixou a terra natal, em Belágua (MA), e se mudou para Brasília há cerca de dois anos. Ela veio com um homem que havia conhecido ainda no Maranhão e acreditava que viveria dias melhores. Mãe de quatro filhos, a família a qualifica como uma "guerreira" e lamenta o fim trágico.

O crime aconteceu no último sábado, mas só ontem ela foi identificada, após a PCDF ter solicitado apoio dos estados vizinhos, como Minas Gerais, Goiás, Bahia e Maranhão, já que as digitais da vítima não estavam na base de dados do Distrito Federal."Tínhamos a suspeita de que ela seria do Maranhão e, ao confrontarmos, deu positivo", explicou a delegada-chefe da 33ª Delegacia de Polícia (Santa Maria), Cláudia Alcântara.

Eliuda foi encontrada seminua, com ferimentos na cabeça. Após o reconhecimento, policiais civis refizeram o trajeto que a vítima teria feito, no dia do crime, em busca de indícios. Ao Correio, uma fonte policial afirmou que a suspeita é de que a mulher tenha sido morta a pedradas pelo atual companheiro. Testemunhas que não quiseram se identificar relataram que ouviram Eliuda gritar por socorro durante o ataque. "Era por volta de 16h, quando começaram os gritos de socorro. Ela pedia para ele (o agressor) não matá-la, pois tinha filhos para criar. Mas ele a xingava e a mandava calar a boca. Ficamos todos ligando para o 190", detalhou.

O Corpo de Bombeiros do Distrito Federal (CBMDF) foi acionado, mas quando chegou a mulher estava morta. A Polícia Militar chegou a avistar o suspeito, mas ele conseguiu escapar durante uma perseguição pela vegetação. A 33ª DP segue investigando. O corpo de Eliuda foi encaminhado ao Instituto de Medicina Legal (IML), onde passa por perícia. Segundo a delegada responsável pelo caso, a hipótese de estupro ainda não foi confirmada ou descartada.

Injustiça e saudade 

O lavrador Wilame Silva Velozo, 37, um dos irmãos de Eliuda, afirmou que familiares clamam por Justiça para elucidar o assassinato da familiar. "Era uma mulher trabalhadeira, mas acabou se envolvendo com gente errada. De repente vem um monstro desse e tira a vida de um ser humano. Tenho fé em Deus de nunca ver esse monstro", desabafou.

A família pretende sepultar a mulher no Maranhão. O traslado do corpo custa mais de R$ 11 mil. "Ela não tinha ninguém da família no DF. Era sozinha. Nossa mãe ajudava a gente, mas ela faleceu e nosso pai é deficiente", afirmou. Quem quiser ajudar a família com o valor do translado do corpo, pode encaminhar o dinheiro via PIX: (98) 991571722, que está em nome de Daniele Naile Santos Silva. Para mais informações, os familiares disponibilizaram o número: 9866-9402.

Morta e enterrada

O caso de Eliuda está sendo tratado como feminicídio, ou seja, de morte em decorrência de violência em razão de gênero. A mesma hipótese é averiguada no caso da jovem K.C.P.S, encontrada morta ontem no Setor Rural Maranata, em Brazlândia. Antes de desaparecer, ela havia denunciado o companheiro por violência doméstica e conseguido medida protetiva. O homem, identificado apenas como Mauro, é o principal suspeito do crime.

O Correio apurou que a relação do casal era conturbada e ele tinha um histórico de agressão contra a companheira. O corpo da jovem estava dentro de uma cisterna localizada na chácara onde eles viviam e que pertencia a Mauro. De acordo com os bombeiros, o corpo estava coberto de terra e foi encontrado, pelo cão da equipe de buscas, em avançado estado de decomposição.

Segundo o delegado-chefe-adjunto Ronney Teixeira, da 18ª Delegacia de Polícia (Brazlândia), que cuida do caso, o boletim de ocorrência do desaparecimento da vítima foi feito em 4 de janeiro. A PCDF informou à reportagem que a mulher teria sumido por volta das 12h naquele dia, após receber uma ligação do suposto autor às 11h40. "Desde então, demos início às investigações para entender as circunstâncias do fato. A nossa linha de investigação mostra que o principal suspeito do desaparecimento é seu ex-companheiro, indivíduo muito possessivo, ciumento e que não levava muito bem o término do relacionamento", afirmou Ronney Teixeira.

Ele chegou a prestar depoimento à polícia e não assumiu o crime. "Esse rapaz foi trazido à 18ª DP na quinta-feira da semana passada para ser ouvido. Quando confrontado com vários elementos de prova já angariados pela nossa investigação, ele entrou em contradição inúmeras vezes, apesar de negar a autoria de qualquer envolvimento com o desaparecimento da menina", informou.

Entretanto, no dia seguinte ao depoimento, ele teria se matado. "Na sexta-feira, ele foi encontrado morto no interior de uma de suas chácaras. Ele se enforcou", continuou Ronney Teixeira, informando que Mauro era proprietário de duas chácaras. Ele estava numa propriedade diferente da que o corpo da jovem. "Agora, vamos aguardar o trabalho pericial, que vai confirmar a identidade do cadáver encontrado", completou o investigador.

 

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  • jovem de 23 anos foi enterrada pelo assassino
    jovem de 23 anos foi enterrada pelo assassino Foto: CBMDF/Divulgação
  • Eliuda foi encontrada morta e seminua
    Eliuda foi encontrada morta e seminua Foto: Material cedido ao Correio

Palavra de especialista

Quais os sinais de que um relacionamento abusivo pode evoluir para um caso de feminicídio?

O feminicídio não é um evento isolado. É uma morte anunciada e evitável, porque costuma ser o desfecho brutal de um processo contínuo em que as mulheres são submetidas a toda sorte de violência, a xingamentos, violência patrimonial, sexual, agressões físicas, ameaças, que intentam disciplinar e castigar nossos corpos a obedecer às regras impostas numa sociedade patriarcal.

Antes de serem vítimas de feminicídio, muitas mulheres são ameaçadas, privadas de fazer contato com familiares e amigas, de administrar sua renda. Ao terminarem relações, escutam frases como “se você não for minha, não será de mais ninguém”.

Os feminicídios são processos de desumanização por meio da mutilação dos corpos, com quantidades excessivas de facadas, com promoção de dor prolongada e aniquilamento da identidade. Não se trata apenas de matar, mas de matar, rematar e contramatar.

Advogada Ingrid Martins, mestranda em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB e atuou na Relatoria da CPI do Feminicídio na CLDF.

Vítimas de feminicídio de 2015 a 2021

134 mulheres

86,5% dos autores possuíam relação íntima de afeto com a vítima

83,6% das vítimas possuíam de 18 a 49 anos

76,5% dos crimes ocorreram no interior das residências

62,1% dos crimes foram motivados por ciúmes/posse

29,1% registraram ocorrências anteriores praticadas pelo mesmo autor

22,7 por não aceitação do término

Fonte: Secretaria do Estado de Segurança Pública do DF

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