A solidariedade se fez presente no dia a dia de centenas de brasilienses durante o período da pandemia, em que muitas pessoas entraram em situação de vulnerabilidade social. Diante disso, atos de solidariedade, encabeçados por comunidades religiosas do Distrito Federal, tiveram um papel fundamental ao desenvolver a prática do bem por meio de ações voltadas às comunidades mais carentes. Nesse cenário, as casas espíritas tiveram um grande destaque. Os adeptos da religião encaram a participação social como de fundamental importância para o crescimento espiritual. Esse é um dos princípios espíritas, conforme explica o presidente da Federação Espírita do DF, Paulo Maia da Costa.
De acordo com dados da Federação, são 160 casas espíritas no DF, sendo que 20 são responsáveis por creches e centros de convivência, além de fazerem o atendimento de pessoas em situação de vulnerabilidade social e privadas de liberdade nas penitenciárias femininas e masculinas. Além dos benefícios práticos que essas atitudes provocam — trazendo um alento às pessoas vulneráveis e alterando positivamente a realidade social —, estudos apontam que fazer o bem para o outro é algo benéfico à saúde. Na terceira reportagem da série "Um Olhar para 2022", o presidente da Federação Espírita explicou como os atos generosos afetam o dia a dia das pessoas. "Ratificamos que fora da caridade, não há salvação. Assim como outras calamidades e flagelos que atingem a humanidade, são todas oportunidades de desenvolver o espírito de solidariedade humana, a prática do bem, assim como trabalhar a suscetibilidade das pessoas que sofrem ou se colocam na situação de quem sofre para melhor entender o sentido real da vida. Ajudam a repensar o propósito da vida", diz.
Este ano foi marcado pela retomada de atividades que foram cessadas no ano passado, mas a pandemia deixou rastros e marcas que não devem ser apagados da história. Neste ano de 2021, quais foram as questões que mais precisaram ser trabalhadas dentro da sua comunidade?
Desde o início da pandemia, a educação dos colaboradores e dos atendidos para utilizar os canais digitais para a prática das atividades da nossa fé tem sido uma das questões bastante trabalhadas. Além disso, acolher as pessoas, virtual ou presencialmente, com demandas por apoio espiritual para superar as dores advindas da solidão, mortes e adoecimentos de pessoas queridas, ideações suicidas e depressão aumentou exponencialmente. A demanda por alimento, especialmente nas camadas sociais mais vulneráveis, aumentou significativamente.
Para o próximo ano, quais questões acredita que deverão ser trabalhadas dentro da sua comunidade?
Além de trabalhar o acolhimento às vítimas com diversas sequelas e das mazelas da pandemia, será manter os trabalhos virtuais em harmonia com as atividades presenciais dentro da segurança adequada. Em formato híbrido, pois os benefícios da atividade virtual são imensuráveis.
Nesse mais de um ano de pandemia, o Brasil segue com um elevado número de mortes. Apesar da morte ser algo inerente à vida humana, como sua tradição religiosa lida com ela, em especial neste momento?
Para o espiritismo, a morte do corpo é uma passagem para o mundo espiritual, que é permanente. A vida na Terra, onde devemos desenvolver os valores espirituais e superar as provas e expiações, é um estágio em nossa vida espiritual. Assim devemos fazer aqui todo o bem ao nosso alcance, reconciliar com nossos desafetos e enfrentar as adversidades com resignação e humildade, para retornar à vida espiritual melhores. Deveríamos trabalhar mais esse tema.
Como disse, a pandemia deixou rastros e alguns temas passaram a ser fortemente debatidos neste ano. Uma das preocupações em nossa sociedade foi o surgimento de doenças mentais, como depressão e ansiedade. Como a sua religião enxerga o surgimento dessas doenças? O que impactou o surgimento desses problemas?
São consequências das chagas morais e espirituais dos indivíduos que eclodiram na sociedade. A liquidez das relações humanas em relação aos valores morais e espirituais, bem como o materialismo exacerbado criaram terreno fértil nas mentes das pessoas que permitiram o desenvolvimento das doenças mentais.
O próximo ano será importante para ajudar essas pessoas que foram impactadas pelas doenças. Como esse tema deverá ser conduzido em 2022? Para você, qual a responsabilidade das comunidades religiosas no combate dessas doenças?
A capacidade das comunidades religiosas de apascentar as "ovelhas" é muito grande, e muitas vezes a ajuda espiritual é necessária para complementar os tratamentos profissionais, pois atua diretamente no ânimo espiritual das pessoas e influencia a todos. Auxiliam os adeptos a enfrentarem as doenças com mais leveza e resignação, a realizarem reflexões importantes sobre o sentido da vida e a mudanças de hábitos necessárias para desenvolver a paz interior.
Nas instituições familiares, a violência também tem aumentado ao longo dos últimos anos. Como combater isso? Qual o papel da sua religião perante casos de violência doméstica, algo que tem sido comumente visto, principalmente no DF?
Com a pandemia, a hiperconvivência familiar revelou desequilíbrios e chagas comportamentais em seus integrantes. Nesse contexto, a religião auxilia a identificar os problemas e a buscar ajuda para essas mazelas sem ser conivente nem estimular que continuem sendo praticadas. A religião promove espaços de diálogos, de autoajuda e convívio respeitoso e pacífico entre diversas famílias, oportunizando assim a melhoria da família.
Esse assunto é trabalhado dentro da sua comunidade? De que forma? E qual a projeção para 2022?
Sim. Há diversos espaços para abordar essa questão. Fazem parte das temáticas de nossas lives, palestras e estudos seriados, campanhas nacionais, grupo de pais e filhos, temas recorrentes da Evangelização infanto juvenil e principalmente dos diversos espaços de convivência onde a família é estimulada a participar. Para casos pontuais, temos um processo de atendimento presencial ou virtual por meio do diálogo fraterno.
Outra consequência da pandemia é o aumento do desemprego, que gera aumento da pobreza. Diante disso, muitos atos de solidariedade, encabeçados pela sociedade civil, entidades sindicais e sociais, surgiram. Como você os analisa? Qual ensinamento esses atos deixam?
Ratificamos que da fora caridade não há salvação. Assim como outras calamidades e flagelos que atingem a humanidade, são todas oportunidades de desenvolver o espírito de solidariedade humana, a prática do bem, assim como também trabalham a suscetibilidade das pessoas que sofrem ou se colocam na situação de quem sofre para melhor entender o sentido real da vida. Ajudam a repensar o propósito da vida.
Quais lições podemos tirar desta pandemia para o próximo ano?
O desapego das coisas materiais e a valorização dos valores espirituais, tais como a fraternidade, caridade, amor ao próximo e paz interior.
Como a religião pode ser um caminho para a construção de uma sociedade mais justa e um planeta mais sustentável?
Estimulando a prática do amor ao próximo, do respeito à natureza. Promovendo a transformação moral de seus praticantes para o verdadeiro homem de bem. Do bem de todos, indistintamente.
O que levar de aprendizado para 2022?
A pandemia, tanto quanto outras calamidades, nos trouxeram oportunidades de mudarmos nosso comportamento individual e coletivo para melhor. Devemos aproveitar ao máximo essas oportunidades. A fraternidade, o amor e a justiça são grandes fontes para nossa transformação real e têm feito a diferença na vida das pessoas. Tenhamos coragem e fé para fazer essas transformações.