Em certo momento da adolescência, eu concordava com a letra de uma banda punk paulistana, Papai Noel velho batuta: "Presenteia os ricos/Cospe nos pobres/Presenteia os ricos/Cospe nos pobres." Mas a minha visão sobre o Natal e sobre Papai Noel mudou completamente com a chegada dos filhos e se consolidou com a dos netos.
A banda punk considera Papai Noel uma espécie de agente metafísico do capitalismo. Sem abstrair a crítica óbvia sobre as desigualdades sociais, o fato é que todas as crianças, as ricas e as pobres, adoram a festa. Tive de rever a minha postura extremista, reconhecer que estava equivocado e, inclusive, vestir muitas vezes a roupa de Papai Noel para entreter as crianças.
As desigualdades sociais não estão mais invisíveis. Elas saíram para as ruas, nos abordam na porta dos supermercados e nos cruzamentos dos semáforos. Paramos o carro em um semáforo, e apareceu um adolescente portando um cartaz de papelão, com os dizeres: "Estou me humilhando para vocês porque quero passar um Natal razoável. Aceito pix."
O Natal não vai resolver os problemas seculares, mas representa um momento de pausa, de utopia de fraternidade. E eu acho que nós devemos aproveitar a fugacidade desse instante. Como bem disse o nosso colega Humberto Resende, os presentes nada mais são do que declarações de amor.
Antes da pandemia, visitei instituições da periferia durante o Natal e pude constatar como as crianças adoram a festa. Na volta, passei em uma feira popular e, em um átimo, ouvimos um coral de crianças que transformavam a Canção da América, de Milton Nascimento, em uma música dos anjos. Fiquei imaginando que, se Milton estivesse lá, choraria as tais lágrimas de esguicho de que fala Nelson Rodrigues.
Moro em um condomínio horizontal e, há vários anos, quando bate a meia-noite, visto a roupa de Papai Noel, saio do fundo do quintal imerso no breu, com todas as luzes da casa apagadas e passo rapidamente pelo quintal para que os meus dois netos, Aurora, de 8 anos, e Judá, de 4, vejam a figura de relance. É, literalmente, um sufoco, faz um calor de lascar, a barba cheira a borracha e o gorro ameaça cair. Estarei a postos novamente hoje, vale a pena pelos gritos de júbilo das crianças.
Nesta semana, Judá e Aurora confabularam sobre o Natal. Ele está preocupado em saber por onde Papai Noel entrará na casa: "Não tem chaminé". Aurora é fantasiosa e contra-argumentou: "É uma questão de magia". Judá tem uma cabeça lógica e não se convenceu: "Que magia nada, eu quero saber por onde ele vai entrar se não tem chaminé". No entanto, eles esperam, ansiosamente, pelos presentes.
Judá tem 4 anos e escreveu uma carta para Papai Noel com a seguinte mensagem: "Querido Papai Noel, aqui é o Judá, te amo. Neste Natal, por favor, eu quero ganhar um hot wheels. Se não ganhar, eu vou ficar muito irritado, viu?" É isso aí, Papai Noel, sinta a pressão e trate bem as crianças. Um feliz Natal para todos!