Em dezembro, o Distrito Federal se enche de cores com a florada de árvores como o cambuí, que deixa a capital com um ar mais vibrante e alegre. Nem mesmo o céu nublado e as chuvas, características desta época do ano, tiram a beleza da cidade. O cambuí pode ser confundido com outras espécies, como a sibipiruna. Seu nome científico, Peltophorum dubium, já indica a dúvida: dubium significa duvidoso, em latim.
As sementes das duas espécies foram trazidas de Minas Gerais para Brasília, mas a sibipiruna não se adaptou tão bem ao clima seco da cidade. Na dúvida, o cambuí é maior, com copa arredondada e bem densa. A espécie pode atingir até 25 metros de altura, e seu tronco apresenta diâmetro entre 50 e 70cm, o que, com certeza, chama a atenção de quem passa por perto de uma.
A vendedora de plantas, Antônia Guesiane, 37, moradora do Lago Norte, é apaixonada por plantas de todos os tipos e afirma que o período em que as árvores começam a florir é o momento do ano em que a cidade fica mais bonita. "Eu acho lindo, acho Brasília linda. É uma época que dá aquela alegria, porque a cidade costuma ser muito seca e marrom", ressalta.
Antônia vende suculentas na Esplanada dos Ministérios. Sua paixão começou cedo, e hoje ela conta com um viveiro de quase 300m². Seu negócio tem dado tão certo, que o marido e os filhos a ajudam no trabalho. "As pessoas amam plantas. Elas, no geral, são uma terapia. As pessoas têm amor e carinho por elas", complementa.
Ao andar por Brasília, é difícil não se deparar com árvores enormes e amarelas. O Parque Ana Lídia, por exemplo, está repleto de cambuís. A diarista Teresa Alves Silva, 50, moradora do Valparaíso (GO), decidiu passar um tempinho no parque para aproveitar a paisagem e respirar ao ar livre. "Eu sou louca por flores e árvores. Se pudesse, eu queria uma (cambuí) desse jeito no meu quintal", pontuou. Ela conta que gostaria que a cidade ficasse sempre assim, cheia de cor.
A servidora pública, Ana Tercina, 43, aproveitou a manhã para levar suas filhas ao parque. Enquanto observava as meninas, se abrigava na sombra de um cambuí. Para ela, as cores, as árvores floridas e o verde mais forte por conta das chuvas embelezam a cidade. "Dá até gosto de ver, para onde você olha tem cor, tem vida", destaca.
Para quem gosta de apreciar árvores, os cambuís podem ser vistos, segundo informações da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), em quase todas as Regiões Administrativas e em vias como o Eixo Rodoviário Sul e Norte, no Canteiro Central da Avenida L4 Sul e no Parque da Cidade.
Espécie
Os cambuís florescem no Distrito Federal entre setembro e janeiro. Seus frutos aparecem entre março e novembro, suas flores apresentam cinco pétalas amarelo-vivas e perfumadas e elas ficam agrupadas em cachos ramificados com até 40cm de comprimento. A espécie tem crescimento rápido e porte elevado, sua madeira é medianamente dura e seus frutos não são comestíveis.
O cambuí pode ser encontrado na caatinga, em matas secas do cerrado e em solos profundos que margeiam cursos d'água. Também pode ser vista em florestas estacionais, em uma faixa que se estende da Bahia ao Rio Grande do Sul, na Argentina e no Paraguai.
As árvores têm efeito ornamental nas cidades por conta da beleza de suas flores amarelas que fazem contraste com o verde das folhas. Mas, além disso, essa espécie também traz benefícios. Segundo Rodrigo Corrêa, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA), a espécie é muito polinizada por abelhas e apresenta raízes muito bem desenvolvidas, que evitam a derrubada da árvore pelo vento, o que é um grande problema na arborização urbana.
As folhas servem para a alimentação de algumas espécies de animais e também são utilizadas com fins medicinais. "Indígenas de várias etnias do Paraná e de Santa Catarina usam o chá da casca do caule dessa espécie como anticoncepcional. A infusão das raízes, folhas e frutos é usada como purgativo. Da madeira se extrai corante de cor vermelha, e da casca saponina e tanino para curtumes", informa Corrêa.
O cambuí é uma espécie ameaçada de extinção no estado de São Paulo e, de acordo com Rodrigo, o plantio dela em áreas urbanas, como o que acontece em Brasília, contribui para a conservação ex-situ (fora do lugar de origem da espécie).
Cidade parque
Brasília nasceu para ser uma cidade parque setorizada e integrada por quatro escalas: residencial (superquadras ao longo do Eixo Rodoviário), monumental (conjunto de monumentos, principalmente ao longo do Eixo Monumental), gregária (parques e praças) e bucólica (conjunto de áreas verdes e arborizadas). A arborização inicial pensada para a capital possuía um viés mais ornamental, com espécies de copas altas e densas oferecendo sombra para amenizar o clima seco da região. Em 1962, houve a remoção quase que total da flora nativa, e com isso deu-se início ao plano de arborização da cidade; a preferência foi por espécies exóticas.
Espécies comumente usadas no paisagismo de outras cidades brasileiras foram plantadas em solo brasiliense. Até hoje existem cambuís que datam do início de Brasília. Mas, entre os anos de 1975 e 1976, cerca de 50 mil árvores adultas morreram na cidade, o que repercutiu de maneira muito negativa. As árvores teriam morrido por conta do solo do cerrado, que é bastante pobre e não conseguia oferecer suporte alimentar para as espécies. Brasília também não possuía condições climáticas favoráveis para o desenvolvimento dessas árvores. O acontecimento forçou a realização de pesquisas e a produção de mudas de espécies nativas do cerrado a partir de 1976.
Francisco Ozanan Coelho (1943-2016), conhecido como "o pai das árvores ou o jardineiro de Brasília", trabalhou no Departamento de Parques e Jardins da Novacap e com sua equipe realizou excursões pelo cerrado para coletar sementes e testar a natureza até descobrir qual delas resistiria ao solo do Planalto Central.Os esforços da equipe de Ozanan renderam muitos benefícios. Hoje, a Novacap só planta mudas nativas do cerrado; só no Plano Piloto são mais de um milhão de árvores.
*Estagiária sob a supervisão de Adson Boaventura