Mais de 40 mil pessoas circulam diariamente em um dos pontos mais conhecidos e movimentados da capital federal. Essa "população" é maior do que a de regiões administrativas como Núcleo Bandeirante, Jardim Botânico ou Cruzeiro. O Aeroporto Internacional de Brasília é o terceiro maior do Brasil em número de passageiros e o maior hub (centro de conexões) doméstico do país. Mas nem tudo nessa "cidade" é o vai e vem frenético, o glamour das viagens, do comércio e dos milhares de visitantes e funcionários. Há um lado oculto no JK, longe dos olhos dos frequentadores. A imensa expansão da estrutura faz do terminal rota do tráfico de drogas, armas, anabolizantes e medicamentos proibidos (somatropina e remédios como ritalina).
Desde de março, policiais da 10ª Delegacia de Polícia (Lago Sul) desencadearam 11 operações no Aeroporto, prenderam seis pessoas em flagrante com drogas, esteroides e celulares roubados e furtados. Este ano, auditores-fiscais e analistas tributários da Receita Federal, Polícia Federal e Polícia Civil apreenderam cerca de 200kg de drogas. Também atuante na segurança e no combate ao crime, a PF trabalha para barrar o tráfico humano, a falsificação de documentos e na interceptação de pessoas procuradas pela Justiça.
Entre janeiro e novembro, mais de 9 milhões de pessoas passaram pelo Aeroporto JK para embarque ou desembarque, segundo dados da Inframérica. Em 2020, em decorrência da covid-19, registrou-se queda de 52,8% de passageiros, bem como a redução de 49,97% na carga aérea transportada.
As ações de investigação coíbem a prática de atos ilícitos que abastecem associações criminosas com atuação no DF e no Entorno, uma vez que policiais civis também apreenderam insumos para o batismo dessas substâncias, o que faz com que uma maior quantidade de drogas seja comercializada e, paralelamente, os traficantes obtenham mais lucros. Em sete dias, do final de novembro ao começo de dezembro, agentes da 10ª DP prenderam um casal e um homem por tráfico de drogas. Os três foram detidos depois de receberem encomendas de cocaína, que vieram em aviões de carga.
O delegado Tiago Carvalho, da 10ª DP, atribui as operações à atenção dada pela equipe policial no Aeroporto. "Estabelecemos uma nova forma de trabalho e demos mais relevância para aquilo que achamos que merecia, pois consideramos o Aeroporto a fronteira aérea de Brasília. Este ano, tivemos várias operações, que envolvem apreensões de entorpecentes e substâncias utilizadas para enriquecer a cocaína, celulares de alto valor com restrição de roubo e furto, além de medicamentos de uso controlado e anabolizantes", detalha o policial.
A intensa fiscalização de segurança no Aeroporto não impediu a entrada de diversos celulares da marca Apple. Os aparelhos eram furtados e roubados em São Paulo e chegaram ao DF pelo terminal para serem vendidos em uma banca na Feira dos Importados. A investigação da PCDF chegou até o proprietário da loja, o blogueiro Célio Tezoni, que acumulava quase 50 mil seguidores no Instagram e teve a prisão preventiva decretada pela Justiça.
Contrabando e roubo
Michael Ribeiro da Silva foi uma das vítimas de roubo e teve o celular arrancado à força das mãos por um ciclista, enquanto caminhava pela Rua Augusta, em São Paulo, em 6 de novembro. "Foi um crime esquematizado e planejado. Ele ficou super assustado na hora", revela o companheiro de Michael ao Correio, Wagner Pires. Após a deflagração da operação que prendeu o empresário Célio e apreendeu os Iphones, Michael recebeu uma ligação dos policiais da 10ª DP informando que o celular dele havia sido recuperado.
Uma outra operação resultou na prisão de um ex-vendedor de uma loja de suplementos e produtos naturais, que conseguiu transportar dezenas de frascos de substâncias anabólicas em encomendas com destino ao aeroporto, na casa dele. Segundo as investigações, o depósito com os produtos era mantido na residência do suspeito, em Sobradinho. O homem foi autuado por falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.
Controle Aduaneiro
No combate ao contrabando, descaminho, contrafação, pirataria e tráfico internacional de drogas e armas, auditores fiscais e analistas da Receita Federal trabalham de maneira ininterrupta no controle de bens de viajantes que vêm de outros países e de outros estados do Brasil, coibindo a entrada e a saída de produtos ilícitos em voos domésticos e em cargas. Assim como o Aeroporto JK conta com um posto da PCDF para registro de ocorrência, a Receita ocupa um andar do terminal de cargas e um escritório no saguão de passageiros, que funciona com plantões 24 horas. Cada equipe plantonista é composta, pelo menos, por um auditor e dois analista. A Receita também conta com dois cães de faro, o Bruce e a Roxy.
"Nosso monitoramento é antes mesmo do avião pousar. Fazemos toda uma análise dos passageiros e, quando, por exemplo, o avião de voo internacional finalmente pousa, temos uma equipe dentro do aeroporto e outra do lado de fora, de olho na aeronave e nas cargas importadas. As cargas, as bagagens e os passageiros precisam passar pela Receita. Não pode haver desvios de funcionário do Aeroporto. Caso contrário, ele pode ser preso e perder as funções", ressalta Leandro Gomes, auditor-fiscal.
Para tentar burlar a entrada de drogas nos aeroportos, traficantes chegam a fazer modificações estruturais no entorpecente e procuram locais estratégicos nas bagagens ou no corpo para esconder os ilícitos. No Aeroporto JK, os kits narcotestes, identificam, em 99,99%, qual o tipo da droga, com quase zero chance de erro. Junto a esse trabalho, está a atuação dos cães farejadores da Receita Federal. No DF, a Alfândega tem dois.
Murilo José Perini da Silva Braga, auditor-fiscal e delegado da Alfândega no Aeroporto Internacional de Brasília, destaca as principais apreensões da Receita entre 2019 e este ano. Em 2019, foram, ao menos, cinco ações que resultaram na apreensão de quase 30kg de cocaína em voos internacionais. Entre os destaques, estão dois viajantes nigerianos, que saíam do DF. Um deles escondeu 2kg da droga em 65 fivelas de cintos. O outro, ocultava 4,5kg de cocaína em 12 latas de bebidas energéticas.
Em fundos falsos de uma mala, uma espanhola levava, em um voo, 4,8kg de cocaína. Uma outra situação aconteceu com um passageiro que embarcava para Lisboa, mas acabou detido com 9,43kg de drogas em uma mochila de parapente. "Além disso, houve retenções de mercadorias no valor aproximado de R$ 1,7 milhão em voos internacionais e domésticos. Destacam-se as retenções de celulares e tablets, relógios, bolsas e vestuários, medicamentos e vitaminas, equipamentos médicos e odontológicos, entre outros", enumera Murilo.
Devido à pandemia, em 2020, houve redução de apreensões de substâncias proibidas de pessoas vindas de outros países, por causa da diminuição dos voos internacionais. No entanto, Murilo ressalta o aumento nas retenções de mercadorias. "Chegamos a um valor superior a R$ 4,1 milhões, com mais de 100 Iphones, um simulacro de arma, 22 matrizes para prensa de recarga de munições dissimulados em caixa de ferramentas e 500 projéteis", frisa o delegado da Alfândega.
Neste ano, entre janeiro e o começo de dezembro, a Receita Federal encaminhou 15 pessoas para prisão em flagrante e reteve um total de R$ 18,5 milhões em mercadorias contrabandeadas. A Inframérica informou há de mais de 1,5 mil câmeras de vigilância espalhadas pelo terminal.
Apreensões da Receita Federal em 2021
63,44 kg de cocaína
21,74 kg de substâncias utilizadas na produção da droga (insumos)
127, 437 kg de skunk
2,25 kg de maconha;
1,625 litros de gama-hidroxibutirato (“droga do estupro”)
3,243 kg de metanfetamina
450 selos de LSD
24 frascos de lança-perfume
950 comprimidos de ecstasy
200g de MDMA (princípio ativo do ecstasy)
13 frascos de 50 ml de cetamin (anestésico geral)
57 caixas de diversos remédios de tarja preta
63 caixas, 100 comprimidos e 1.098 frascos de anabolizantes
Aeroporto em números
Funcionamento 24 horas nos 7 dias da semana
7 mil trabalhadores diretos no terminal
1,5 mil câmeras em todo o terminal
29 pontes de embarque
120 pontos comerciais
9.192.272 passageiros passaram pelo aeroporto entre janeiro e novembro de 2021
91.246 aeronaves sobrevoaram em 2021