A solidariedade é um sentimento que deve ser exercitado o ano todo, mas nas festas de fim de ano, o desejo de ajudar o próximo parece despertar mais intensamente. A proximidade com a família e os amigos, e a reflexão sobre os meses passados contribuem com a vontade de retribuir.
Quando se trata de asilos, um dos maiores pedidos, não só no Natal, mas o ano todo, é companhia e atenção. A pandemia impediu que os voluntários pudessem distribuir esse carinho pessoalmente, mas eles não desistiram e adaptaram as maneiras de mostrar aos idosos o quanto eles são amados e importantes.
Morador da instituição Obras Assistenciais Bezerra de Menezes (Obem) desde 2013, Manoel Quirino de Oliveira, 76 anos, revela que seus principais desejos são ter saúde e paz para poder viver mais e conhecer pessoas. Mas para o Natal, a vontade mesmo é ficar cheiroso e bonito! Seu Manoel pede, de presente, um perfume e um sapato de numeração 40. Apesar do confinamento e de nem sempre poder aproveitar seus dias, olhar no espelho e se sentir bem é uma prioridade.
A vontade de estar bem para si e para passar o dia com os amigos do asilo não são exclusividade de seu Manoel. Cheias de acessórios, brincos, colares e com os cabelos arrumados, Angelina Pereira Barbosa, 69, e Elizete de Sousa Aguiar, 62, também querem presentes de Natal que estimulam a vaidade e o bem-estar. Angelina, moradora desde 2018, quer um tênis novo, de cor clara, para que ela possa combinar com todas as cores de roupa e suas batas estampadas. Elizete, que chegou ao Lar dos Velhinhos no ano passado e adora combinar peças, pede por uma calça nova.
Com a dose de reforço da vacina contra a covid-19 no braço, Angelina deseja um 2022 mais agitado. "Quero que a gente tenha mais liberdade. Comparando com 2020 já melhorou, mas nós, que somos idosos, ainda não podemos passear, e eu não vejo a hora de aproveitar mais", complementa.
Kits de carinho
Uma das maneiras de ajudar é comprar os presentes tão desejados, outra é contribuir para a montagem de kits de Natal entregues em diversas instituições. Entre os grupos voluntários que fazem e entregam pequenas lembrancinhas, está a ação social Amigos da Melhor Idade. O grupo surgiu em 2011. O professor universitário Rafael Moreira, 41 anos, visitou um abrigo de idosos, se comoveu e reuniu amigos para fazer visitas e doações. Hoje, a rede tem cerca de 70 voluntários e ajuda, pelo menos, um asilo por mês.
Antes da pandemia, além de alimentos, presentes e medicamentos, o grupo se esforçava para proporcionar bons momentos e diminuir a solidão dos idosos. Dias da beleza e outras atividades eram uma programação mensal. Com a necessidade de proteger os mais vulneráveis contra o coronavírus, as ações passaram a acontecer somente do lado de fora. Os voluntários podem ajudar na triagem das doações e das entregas, que acontecem nas portarias e administrações, sem contato com os moradores do asilo.
O grupo vende também camisetas, a R$ 20 cada, e reverte todo o lucro para as instituições. Durante a pandemia, itens de higiene entraram em prioridade e as necessidades mais urgentes ficaram em primeiro plano. Depois de quase dois anos sem o carinho das visitas, os idosos têm sofrido com a solidão, e os Amigos da Melhor Idade estão preparando os kits de Natal com o intuito de levar, mesmo de longe, um pouco de alegria e lembrar aos moradores dos asilos que eles são amados.
A ideia é entregar os kits em três ou quatro instituições. Cada um deles vai ter lembrancinhas, como pentes de cabelo, lixas de unha e meias e algum doce ou mimo que remeta ao Natal, além de mensagens de paz e esperança e máscaras de proteção. "O que eles mais sentem falta é essa troca de afeto, se sentirem ouvidos e ter, ali, um sorriso amigo que o respeita e considera. A caridade vai muito além do material, e são muitos os lugares que dizem que o que mais faz falta são os voluntários", afirma Rafael.
A expectativa para 2022, conforme a vacinação avança, é que possam ser retomadas as visitas presenciais e que, além de doar medicamentos, alimentos e presentes, os voluntários possam doar mais atenção e carinho para quem precisa.
Saúde
Presidente do Centro de Tratamento do Câncer (CTCAN), o administrador Alisson Molina de Oliveira, 35, faz trabalho voluntário desde 2008 e menciona a importância de enxergar as necessidades das pessoas antes de fazer doações somente por um senso de obrigação. "Muitas vezes, a conversa e o simples fato de perguntamos o que aquela pessoa precisa pode ter um valor muito maior do que uma doação feita sem amor ou carinho. Para as pessoas idosas, isso é fundamental", acredita.
Criado há cerca de dois meses e focado nas doações para pacientes com câncer, o CTCAN atende cerca de 10 pacientes, e é um dos braços do Instituto Mão Amiga. A equipe de voluntários montou uma árvore de Natal com fotos dos 10 pacientes atendidos e resolveu direcionar a campanha de Natal para as necessidades mais urgentes, como suplementos alimentares e medicamentos.
Porém, Alisson ressalta que o grupo recebe todo o tipo de doação, incluindo cestas básicas. Entre os itens, alguns são direcionados para o instituto, que auxilia 60 famílias. São feitos bazares solidários e kits para as famílias, de acordo com a necessidade. Seu Leonaldo Freitas de Oliveira, 45 anos, é um dos beneficiados pelo trabalho do CTCAN. Ele descobriu um câncer na boca e na laringe há cerca de dois anos. Depois de passar por um tratamento intenso, incluindo quimioterapia e radioterapia, ele entrou em remissão.
Leonaldo é casado, tem três filhos e atuava como vendedor, sustentando família. O tratamento impediu que ele trabalhasse, e foi por meio das doações que ele conseguiu o tão necessário suplemento alimentar. Por se alimentar por uma sonda, ele precisa do reforço nutricional. Mas seu Leonaldo não se deixa abalar. Garante que não pretende se aposentar e quer voltar a trabalhar e realizar muitos sonhos, além de viver muitos anos. Um dos sonhos mais preciosos dele é abrir uma loja e retribuir a ajuda que recebe.
"Jesus vai me ajudar. Eu vou abrir minha loja e vou poder fazer por outras pessoas tudo que fazem e já fizeram por mim. Vou retribuir todo esse bem que eu recebo, Meu sonho é poder ajudar como estou sendo ajudado", complementa.