Dor, revolta e comoção marcaram o adeus à Drielle Ribeiro da Silva, 34 anos. Assassinada com 59 facadas pelo companheiro, Juvenilton Aquino da Costa, 36, a dona de casa foi velada na tarde dessa quarta-feira (8/12), no Cemitério Campo da Esperança de Taguatinga. Amigos e familiares não se conformam com a tragédia. "Minha filha será lembrada de uma forma muito boa", resume a mãe da vítima, Anita Ribeiro. O agressor foi preso pela Polícia Civil do DF (PCDF), ao se entregar na 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas). Ele confessou o crime e deu detalhes do feminicídio.
Segundo a mãe, Drielle esperava um bebê. A polícia aguarda o resultado da autópsia para confirmação, que deve sair em até 30 dias. "Ele não matou só ela! Matou uma criança também, minha filha estava grávida de um mês. Ele matou a Drielle e uma criança, foi um crime muito brutal!", lamenta Anita. "Eu estou muito triste, foi um crime desumano, e ele não pode sair impune. Quero justiça! Não justiça com as próprias mãos, justiça mesmo, e a justiça divina", desabafa.
Carlos Vieira/CB/D.A.Press - Anita Ribeiro, mãe de Drielle, afirma que a filha estava grávida de um mês
A Justiça do DF deferiu mandado de prisão preventiva contra Juvenilton. Preso na noite de terça-feira (7/12), o homem confessou o assassinato. Durante o interrogatório, contou que dormiu na casa da companheira por três noites e, no domingo (5/12), os dois fizeram uma feijoada no local, com amigos. "Ele relata que a mulher teria ficado com ciúmes de algumas meninas que estavam na residência e, logo ali, teria começado a primeira discussão", explica o delegado Rodrigo Carbone, adjunto da 26ª DP (Samambaia Norte).
O casal teria brigado novamente e, depois, decidiu ir com os convidados até uma distribuidora de bebidas na região. Imagens do circuito interno de segurança do estabelecimento registraram a chegada dos dois. De acordo com o delegado, na filmagem, é possível ver que o autor e vítima estavam com os ânimos alterados. Juvenilton argumentou que Drielle o ameaçou, dizendo que, caso ele se aproximasse de uma menina, iria "picotar" os dois.
"Ele alega que, ao sair da distribuidora, a vítima foi atrás e insistiu para que ele dormisse na casa dela. No trajeto, os dois desviaram o caminho e foram até um local descampado, perto da linha do trem, onde aconteceu o crime", descreve Rodrigo Carbone. Drielle foi golpeada, ao menos, 59 vezes nas costas, no braço, no pescoço e no peito. O corpo dela foi encontrado na segunda-feira (6/12), próximo à linho do metrô, em Samambaia. Juvenilton descartou a faca utilizada no crime em um bueiro. Após cometer o feminicídio, o acusado foi até a casa do irmão e pediu para que ele o levasse de moto até uma rodovia federal. Antes disso, o criminoso passou em casa e pegou roupas e sandálias.
Reprodução - Drielle possuía medidas protetivas contra Juvenilton
Agressivo
A mãe de Drielle revela que o comportamento agressivo de Juvenilton era recorrente. "Ele batia nela, já tentou matá-la perto da casa do irmão dela, foram diversas situações até que isso acontecesse. Além dessas coisas, ele já atropelou a Drielle e colocou fogo em uma moto. Uma vez, perseguiu minha filha em uma feira com duas facas na mão, disse que ia 'picar' ela todinha. Quem a salvou foi um senhor dono de uma banca, ele até testemunhou a favor dela quando foi pedida a medida protetiva contra Juvenildo", recorda-se Anita.
Drielle deixa um filho de 7 anos, fruto do relacionamento com Juvenilton. Durante o sepultamento, todos se comprometeram com a orientação e a educação da criança. Anita Ribeiro adianta que pedirá a tutela do menino. "Meu neto está arrasado! Eu vou entrar na Justiça para pedir a guarda dele. Ele abraça as fotos dela, cheira o travesseiro para sentir o cheiro da mãe, está muito triste", finaliza.
*Estagiária sob a supervisão de Guilherme Marinho
Compromisso público por uma vida sem violência
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulher (NEPeM)/UnB
O feminicídio, previsto pela Lei 13.104/2015, refere-se aos assassinatos de mulheres em contextos de violência doméstica e familiar e àqueles casos em que há menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Por se tratar de uma circunstância qualificadora do homicídio, está entre os crimes hediondos. Consta, portanto, entre os crimes mais graves do ordenamento jurídico, sendo considerado altamente repulsivo e inafiançável, insuscetível de graça, indulto, anistia, fiança ou liberdade provisória.
Os feminicídios explicam-se pela existência de estruturas históricas e sociais que instituem e reproduzem a condição histórica subalternizada das mulheres tanto nas relações da vida pública quanto na vida íntima. Nesses crimes, o corpo das mulheres é visto como um território de disputa e dominação. “Se não for minha, não será de mais ninguém”: esta é uma das frases mais comuns nos relatos de tentativa ou consumação desses crimes. Expressa muito bem o imaginário do agressor, para quem as mulheres não são dotadas de autonomia. É por esse motivo que um dos momentos críticos para as mulheres em situação de violência é, justamente, a separação. Em uma sociedade marcada pelo sexismo e pela misoginia, mulheres sofrem constantemente com a privação de sua liberdade e seu direito de decidir.
São essas estruturas que explicam a manutenção das desigualdades, que caracterizam nosso país, e que, ao encontrarem outras estruturas segregadoras, como o racismo, o capacitismo e a desigualdade de classe, explicitam as razões pelas quais há urgência no desenvolvimento de políticas públicas transversais. Essas devem ser de responsabilidade de todos os setores do Estado, incluindo as políticas econômicas, de promoção do trabalho decente, da assistência social, do acesso à saúde e à moradia digna.
Embora os assassinatos fossem previstos no Código Penal Brasileiro como crimes, e obviamente abarcassem as mulheres, a denominação “feminicídio” enquanto uma qualificadora dos homicídios, tem um papel muito relevante para além da dimensão jurídico-penal. Dar nome às coisas é um modo de reconhecer sua existência, de materializar um conjunto de situações em torno de um conceito que explica um padrão de fatos ou acontecimentos. Que outro nome senão "feminicídio" daríamos a uma tentativa de assassinar uma mulher dormindo em sua própria cama, no convívio de sua família, como aconteceu com Maria da Penha? Ou assassinada diante dos filhos, vitimadas por armas brancas, as mesmas que antes eram usadas para preparar os alimentos da família? Que nome daríamos a esses casos em que mulheres perdem a vida nas mãos de pessoas a quem já amaram? É desse fenômeno que falamos e que precisamos conhecer enquanto estrutura social, com reflexos nas relações interpessoais, que requer amplas e diversificadas ações de transformação de uma cultura que insiste em objetificar e menosprezar as mulheres.
O Brasil, apesar de ter índices altos de violência contra as mulheres, tem uma das legislações mais avançadas do mundo, que criou mecanismos robustos para o enfrentamento do problema e para o atendimento às mulheres. Destacam-se as medidas protetivas, que são decisões judiciais de caráter emergencial para interromper o ciclo da violência e preservar a integridade física e mental da ofendida. Outra inovação é a atuação em rede dos serviços de atendimento (art. 8º da Lei Maria da Penha), que prevê a intersetorialidade nas políticas públicas e judiciárias, instituindo a governança na gestão pública de enfrentamento à violência.
Na agenda pública, mais premente do que nunca, está a necessidade de aprimoramento dos serviços, o que envolve sua capilaridade, ou seja, sua ampliação em número e dispersão territorial. Está, também, o aprofundamento de protocolos entre eles, por meio do estabelecimento de convênios intersetoriais e outras formas de articulação entre os órgãos governamentais e o sistema de Justiça, incluindo atores relevantes como a sociedade civil e as instituições de ensino e pesquisa, como escolas e universidades. Para isso, a previsão e a execução orçamentária são indispensáveis, a fim de que intenções sejam efetivamente convertidas em investimento público na dignidade das mulheres.
A quem recorrer
>> Polícia Militar
Ligue 190. Disponível 24h, todos os dias. Ligação gratuita.
>>Central de Atendimento à Mulher
Ligue 180. A denúncia pode ser feita de forma anônima. Disponível 24h todos os dias. Ligação gratuita.
>> Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
Diante de qualquer situação que configure violência doméstica, a mulher deve registrar a
ocorrência em uma delegacia de polícia, preferencialmente nas Deams, que funcionam 24 horas todos os dias.
Deam 1: EQS 204/205, Asa Sul. Telefones: (61) 3207-6172 / 6195 / 5673. E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br.
Deam 2: QNM 2, Conj G, Área Especial — Ceilândia. Telefones: (61) 3207-7391 / 7408 / 7438
>> Disque Denúncia
Ligue 197. E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br. WhatsApp (61) 9 8626-1197 e site www.pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher. Canais disponíveis 24h, todos os dias. Ligação gratuita.
>> Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
WhatsApp (61) 9 9656-5008. Canal 24h para denúncias e informações.
>> Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
Telefones: (61) 3343-6086/9625 e e-mail:pro-mulher@mpdft.mp.br.
>> Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher (Nudem)
Endereço: Fórum José Júlio Leal Fagundes, Setor de Múltiplas Atividades Sul, Trecho 3, Lotes 4/6, BL 4 Telefones: (061) 3103-1926 / 1928 / 1765. WhatsApp (61) 9 99359-0032 e e-mail: najmulher@defensoria.df.gov.br. Site: www.defensoria.df.gov.br/nucleos-de-assistencia-juridica/.
>> Observatório da Mulher Distrito Federal
Conheça os principais dados referentes às mulheres do Distrito Federal. site: www.observatoriodamulher.df.gov.br/peca-ajuda/.