Há um aspecto intrigante em André Luiz Oliveira, um dos mais importantes e originais artistas de Brasília: a conexão espiritual com a Índia. Ele toca ragas indianas e cultiva, diariamente, com devoção, o instrumento sitar. Não se trata de modismo. A relação misteriosa com a Índia emana do fato de André ser baiano e nordestino. A Índia está com as raízes fincadas, de maneira sutil, mas entranhada, no Nordeste brasileiro.
André criou o Festival Internacional de Cinema e Transcendência. É diretor de Meteorango Kid, Louco por Cinema e de Mito e música: a mensagem de Fernando Pessoa. Além de cineasta, é um compositor talentoso. Cometeu a audácia de estabelecer uma espécie de parceria mediúnica com Fernando Pessoa e musicou todos os poemas do livro Mensagem.
Já viajou quatro vezes para a Índia e, quando chega lá, tem a sensação de aterrissar em Salvador, tudo lhe é muito familiar, parece que está em casa. É a pimenta, o cheiro das especiarias, a veste colorida, a forma de andar e a espiritualidade no cotidiano. Tudo bem Nordeste, que, embora travestido de catolicismo, tem o mesmo sentimento religioso, a mesma relação com a transcendência, a fé popular e o gosto pelas romarias.
A ligação com a Índia está envolvida em uma trama enigmática. Ele fica perplexo de lembrar que colocou, no primeiro curta metragem, Doce amargo, filmado em 1967, um trecho de sitar indiana, tocada em disco dos Beatles, por George Harrison. Ganhou o prêmio de melhor documentário no Festival JB.
Mais tarde, em 1974, comprou uma briga e, contra a opinião de todos os parceiros no projeto, inseriu trecho de Ravi Shankar, no filme Ubirajara, de temática indígena. Os companheiros de cinema condenaram. No entanto, André insistiu e misturou Índia com indígenas.
Em 1977, André foi à Índia, pela primeira vez, e ficou quatro meses. O impacto foi grande. Sentia-se como se estivesse em casa. Lembrou que o pai tinha criação de búfalos no interior da Bahia. Desde pequeno, ele via esses animais importados da Índia. Encantou-se com a sitar, instrumento que produz aquela sonoridade meio extrassensorial da raga indiana.
Retornou em 1983, comprou o sitar e mergulhou, definitivamente, na cultura indiana. Para ele, não se trata de nenhum exotismo. Não está viajando na maionese. Toda a colonização portuguesa no Brasil se deu a partir de Goa, Kerala e Calicut. Antes de vir para cá, era preciso fazer um estágio na Índia.
O historiador Victor Leonardi levanta essa questão no livro Os navegantes e o sonho. A troca de experiências foi intensa. André fez um projeto de documentário chamado Índia-Brasil: Um sonho distante, uma presença sutil. Mas não conseguiu financiamento. A influência indiana no Brasil é 100% negligenciada. Sem ela, não haveria fabricação de açúcar, boi, manga, jaca, coqueiro ou abacaxi.
Na cultura ocidental, no princípio era o verbo. Na cultura indiana, no princípio era o Om, era o som, era a música. É pura espiritualdiade. A música nordestina é 100% indiana, segundo André. Não tem origem nos árabes, como se propaga.
O nordestino tem uma devoção, uma maneira de sentir a existência, uma maneira de olhar, muito diferentes das pessoas do sul, que teve uma colonização distinta. E, para André, é a música que confirma todos esses sinais, sondagens e intuições. No princípio, está o som extrassensorial da música indiana.