Larissa Polejack, professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB)
E chegamos ao final de mais um ano...para muitos de nós é um momento de reflexão importante para fazermos uma avaliação sobre como estão nossos projetos, nossas relações, nossa vidas...Será que conseguimos realizar o que nos propusemos no ano anterior?
Para outros tantos de nós, é um momento de renovação de esperanças, de projetos, de sonhos. No início do ano vamos começar aquela dieta, fazer exercícios, mudar de emprego, de casa, viajar, se cuidar mais...
Ao completarmos mais um ciclo de 365 dias vamos experimentando coletivamente aquela sensação de “ufa, acabou”! E aos poucos vamos sendo inundados pela esperança no novo...Novo ano, novo ciclo, novas possibilidades...Ano novo, vida nova!!!
Mas será que é possível que consigamos ter uma “vida nova” sem nos propormos a ser “pessoas novas”?
Chegamos ao final de mais um ano lidando com a pandemia da COVID-19 e com tudo aquilo que ela tem nos apresentado de desafios e reflexões. Se ao final do ano passado nosso sentimento coletivo era de luto e dor, ao final deste ano podemos vivenciar um pouco de esperança com a chegada das vacinas, sem contudo deixarmos de ser solidários às dores e perdas que seguem acontecendo. Entrentanto, gostaria de convidar você a refletir junto comigo sobre as possibilidades de aprendizado ao longo dos últimos dois anos... O que a pandemia tem nos ensinado? Será que estamos realmente aprendendo a sermos “pessoas novas”?
Será que a concretude da possibilidade de finitude nos fez pessoas mais disponíveis para a vida e para o outro?
Será que aprendemos a viver mais o presente? Será que aprendemos a perdoar mais? A dizer para as pessoas o quanto são importantes para nós?
A pandemia tem nos ensinado o quanto somos dependentes uns nos outros...e o quanto o cuidado e corresponsabilidade precisam ser compreendidos como um dispositivos para a sobrevivência individual e coletiva. A sua decisão de não usar máscaras ou de não se vacinar não afeta apenas você...afeta a todos. Por uma decisão individual e egoísta podemos fazer com que alguém perca sua vida, seus amores. Infelizmente ainda estamos aprendendo essa lição.
A pandemia também tem nos ensinado a possibilidade concreta das perdas...de pessoas, da saúde, de capacidades...e de como os vínculos e as relações que estabelecemos nos sustentam e nos mantém de pé. É preciso coragem para refletir e neste olhar reflexivo, ao invés de enxergar as impossibilidades e imperfeições busquemos aprender a identificar e valorizar pequenos passos, caminhos, possibilidades, conquistas... Ao invés de ver apenas fragilidades, busquemos identificar e potencializar os recursos de saúde e as potências de vida nos indivíduos, famílias, nos grupos, nas instituições e em nós.
Todos nós temos a capacidade de estabelecer vínculos e relações e é isso que nos mantem de pé e nos fortalece para lidar com as dores, perdas e adversidades do caminho. Todos nós somos capazes de acolher e cuidar. O cuidado é do humano e a afetividade é uma grande potência de vida. Nosso mestre Paulo Freire já dizia: ““A afetividade não me assusta e a minha abertura ao querer bem significa a minha disponibilidade à alegria de viver”. Assim, quero convidá-los a vivenciar sem reservas o cuidado e a afetividade nas relações...viver e amar grande!
Sobrevivemos a mais um ano de pandemia e que possamos nos permitir ser inundados nesse final de ano pelo sentimentos da gratidão e de esperança. Sejamos gratos pelas possibilidades diárias de tentarmos de novo, de fazermos diferente, de exercitarmos o cuidado e o afeto nas relações. Que possamos agradecer aos nossos ancestrais que fizeram o melhor que conseguiram para que estivéssemos aqui hoje e que seus legados sejam lembrados. Sejamos gratos aos amigos que muitas vezes nos entendem e nos acolhem no silêncio. Sejamos gratos pelas dores que geraram aprendizados, por difíceis que sejam. Sejamos gratos pela ciência que segue buscando novas possibilidades de cuidado e bem estar e fortalecendo nossas esperanças em dias melhores.
Paulo Freire, nosso sempre patrono da educação, afirma que “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”…
Que cada um de nós tenha a coragem de aprender a conjugar cada vez mais o verbo “esperançar” e que, nesse caminho, exercite a solidariedade. Que não seja mais preciso uma pandemia ou um ano com mais dificuldades para termos a coragem de fazer as coisas de outro modo. Que não seja mais preciso convencer alguém sobre a importância das vacinas, do uso de máscaras ou de compreendermos que estamos todos interligados. Que nossas crianças possam receber as vacinas e terem o direito de crescerem esperançando. Cada um de nós tem a possibilidade e a capacidade de fazer a diferença na vida de alguém. Vamos tentar?
Feliz ano novo! Feliz pessoa nova!