CÂMARA LEGISLATIVA

Funcionários fantasmas e "rachadinhas": saiba o que está em investigação na CLDF

Operação da Polícia Civil e do Ministério Público do DF promoveu buscas em oito endereços nessa terça-feira (14/12), para apurar supostas irregularidades no pagamento de comissionados. Gabinete do distrital Daniel Donizet (PL) estava entre os alvos

Ana Isabel Mansur; Ana Maria Pol; Ana Maria Campos; Darcianne Diogo; Júlia Eleutério
postado em 15/12/2021 00:01 / atualizado em 15/12/2021 06:19
Policiais deixaram prédio-sede do Legislativo local cerca de cinco horas depois de chegarem para cumprir os mandados de busca -  (crédito: Júlia Eleutério/CB/DA Press)
Policiais deixaram prédio-sede do Legislativo local cerca de cinco horas depois de chegarem para cumprir os mandados de busca - (crédito: Júlia Eleutério/CB/DA Press)

Investigadores da Polícia Civil (PCDF) e integrantes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apuram denúncias sobre a existência de funcionários fantasmas e um suposto esquema de "rachadinha" (leia Palavra de especialista) na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Um dos endereços alvo da Operação Melinoe, deflagrada nessa terça-feira (14/12), é o gabinete do deputado distrital Daniel Donizet (PL). Agora, a Corregedoria da Casa aguarda para ter acesso às informações e avaliar a necessidade de adotar "medidas cabíveis".

As apurações sobre o caso começaram em 2019, quando denunciantes informaram que integrantes da equipe do parlamentar assinavam a folha de ponto e não compareciam ao trabalho. A situação teria ocorrido antes da pandemia da covid-19, quando as atividades presenciais aconteciam normalmente na Casa. Além de não exercerem as funções profissionais, os comissionados devolviam parte da remuneração mensal ao chefe de gabinete do deputado. A ausência dos funcionários, inclusive, deu origem ao nome da operação, que faz referência a Melinoe, figura grega considerada deusa dos fantasmas.

No decorrer dos trabalhos, os investigadores colheram provas de que os contratados, de fato, não compareciam à CLDF — apesar de assinarem as folhas de ponto. Além da Câmara Legislativa, outros oito locais do DF e de Goiás passaram por buscas. Os mandados de apreensão de documentos emitidos pela Justiça visam reunir evidências de possíveis irregularidades, além de pagamentos na forma de "rachadinhas".

A ação em um dos endereços resultou na apreensão de, aproximadamente, R$ 110 mil em espécie. Questionado a respeito da polêmica, o presidente da Câmara Legislativa, deputado Rafael Prudente (MDB), afirmou que não comentaria o tema, pois "cabe à Justiça deliberar".

Ação em um dos endereços resultou na apreensão de, aproximadamente, R$ 110 mil em espécie
Ação em um dos endereços resultou na apreensão de, aproximadamente, R$ 110 mil em espécie (foto: Reprodução/PCDF)

Buscas

Na manhã de terça-feira (14/12), policiais chegaram à Casa em dois carros do Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor), da PCDF, e em um carro do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPDFT. Sob clima de tensão, seguranças e funcionários da CLDF não quiseram dar entrevista sobre a ação. Por volta das 8h45, os integrantes do Ministério Público deixaram o prédio sem dar detalhes sobre a força-tarefa. Os policiais saíram da Câmara Legislativa, aproximadamente, às 12h, cerca de cinco horas depois de estacionarem no local.

Suplente de Donizet, Kelly Bolsonaro (Patriota) afirmou que desconfiou das irregularidades em 2019, quando esteve no gabinete do distrital. A suspeita teria decorrido de conversas com funcionários. "No período em que eu fiquei lá, os próprios funcionários denunciaram isso para mim. Inclusive, alguns deles, à época, foram afastados enquanto eu estava no gabinete, justamente porque estariam 'falando demais'", afirmou.

Kelly assumiu o mandato durante o período em que Daniel Donizet atuou como administrador regional do Gama, em abril de 2019. Ela permaneceu um mês na função. A estimativa é de que, de lá para cá, o desvio de recursos tenha superado R$ 1 milhão. "Quando ouvi os funcionários falarem sobre isso, cheguei a pedir as folhas de ponto e, de fato, existiam alguns dos quais eu não tive conhecimento se apareciam. Na verdade, nem cheguei a conhecê-los. Sei que estavam lotados no gabinete apenas pela folha", acrescentou.

Entre os supostos funcionários fantasmas investigados, há Ezio Sini, cantor da dupla sertaneja Marcelo Paiva & Santiago. Caso confirmadas as irregularidades, os envolvidos podem responder por crimes como corrupção; peculato — desvio de bens públicos para fins particulares —; prevaricação — faltar com as responsabilidades em nome de questões pessoais; e falsidade ideológica. À reportagem, o Ministério Público informou que, por enquanto, não dará detalhes sobre as apurações. "A operação corre em sigilo. Por esse motivo, o MPDFT não vai comentar e não pode prestar mais informações neste momento", comunicou a instituição.

Defesa

Em nota, o deputado Daniel Donizet ressaltou estar calmo em relação às acusações, por considerar não haver fundamentos que envolvam o gabinete dele em esquemas de "rachadinha". "Sobre a operação deflagrada hoje (terça-feira) pela Polícia Civil, afirmo, com muita tranquilidade, que as denúncias são completamente infundadas. Ainda não tive acesso ao inquérito policial para entender o que motivou as buscas realizadas. (Mas) já estou em contato com meu advogado", informou o parlamentar no texto.

O distrital fez questão de reforçar que ele não é alvo de qualquer mandado de busca e apreensão: "O dinheiro apreendido pela polícia foi encontrado na casa de um ex-funcionário do meu gabinete exonerado em 2019. Trata-se de um empresário que, com certeza, terá como comprovar a origem do dinheiro, que nada tem a ver comigo ou com qualquer servidor do meu gabinete". Por fim, Donizet ressaltou estar confiante de que a situação será "totalmente esclarecida". "Sigo trabalhando, incansavelmente, pelos animais e pela população do DF", pontuou na nota.

Palavra de especialista

O que são rachadinhas?

A prática consiste no repasse — por servidor público ou prestador de serviços da administração — de parte da remuneração do funcionário para o superior hierárquico que, na maioria das vezes, é parlamentar. A "rachadinha" se configura quando o detentor do poder de nomear escolhe determinada pessoa para exercer uma função vinculada ao exercício de um cargo de confiança e ela passa a receber uma parcela ou fração dos vencimentos. Tudo isso para manter vigentes os efeitos diretos e reflexos do ato de nomeação. Conquanto seja uma prática imoral que pode atentar contra os princípios da administração pública ou até causar prejuízos ao erário, entendo não se tratar de crime tipificado no Código Penal, pois a tipicidade do delito exige comportamento fechado, que se adeque integralmente à norma penal — o que não existe atualmente —, e não permite uma elasticidade maior na interpretação do que aquilo que está descrito na norma penal.

Philipe Benoni, especialista em direito público e integrante da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim-DF)

Memória

16 de setembro de 2020

O ex-deputado distrital Berinaldo Pontes (Pros) foi alvo de operação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e da Polícia Civil, por suspeita de praticar “rachadinha”, além de crimes como lavagem de dinheiro, concussão e peculato. O esquema teria movimentado cerca de R$ 500 mil, com a exigência da devolução de parte do salário recebido por funcionários comissionados do gabinete do ex parlamentar. Após deixar o mandato, ele foi acusado de registrar bens em nome de familiares para ocultar desvios de valores.

23 de junho de 2020

A Procuradoria Geral da República (PGR) denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o ex-deputado distrital Cristiano Araújo (PSD) por participação em esquema de “rachadinha” durante mandato na Câmara Legislativa. O ex-parlamentar foi acusado por peculato e associação criminosa. Além dele, dois ex funcionários comissionados do gabinete foram alvo de denúncia.

2 de dezembro de 2019

A segunda fase da Operação Escalada mirou irregularidades no pagamento de salários de servidores dos gabinetes da ex-deputada Telma Rufino (Pros) e de Hermeto (MDB). Não houve indícios, à época, de envolvimento direto dos distritais com o esquema, segundo a Polícia Civil. As investigações continuaram,
posteriormente, a fim de apurar se houve a prática do crime em outros gabinetes.

Colaboraram: Cibele Moreira, Pablo Giovanni (estagiário sob supervisão de Jéssica Eufrásio), Samara Schwingel e Vinicius Nader

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