VIOLÊNCIA

Feminicídios registrados no DF chamam a atenção para barbárie recorrente

Total de mulheres assassinadas até ontem, em 2021, supera em 47% a quantidade de todo o ano passado. Diante de um cenário alarmante, secretarias de governo enfatizam que combate à violência doméstica é prioridade no DF

Darcianne Diogo
Pedro Marra
postado em 08/12/2021 05:54 / atualizado em 08/12/2021 05:55
 (crédito: Thiago Fagundes/Editoria de Arte/CB)
(crédito: Thiago Fagundes/Editoria de Arte/CB)

Em 28 de novembro, Giovanna; 10 dias depois, Drielle. Em um curto período de tempo, o Distrito Federal acompanhou mais dois casos brutais de feminicídio. Aos 20 anos de idade, Giovanna Laura Peters teve a garganta cortada pelo namorado. O corpo foi jogado em uma área de mata, em Taguatinga, onde permaneceu por cinco dias. Drielle Ribeiro da Silva, 34, tentava interromper um relacionamento conturbado com o companheiro, mas encontrou um fim trágico: levou quase 60 facadas, em Samambaia Norte. Apesar de os números não serem oficiais, neste ano, o Distrito Federal registrou, ao menos, 25 casos desse tipo de crime, o que supera em 47% a quantidade de todo o ano passado (17).

Duas mulheres com histórias distintas tiveram o mesmo destino trágico nas mãos dos agressores. As ocorrências mais recentes chocaram a população da capital federal e despertaram a atenção de autoridades e especialistas quanto à necessidade do desenvolvimento de políticas públicas para combater o ciclo de violência contra a mulher. Questões como desigualdade entre gêneros, sentimento de posse e falta de educação são alguns dos pontos apontados por estudiosos para a permanência da covardia.

Drielle Ribeiro, mãe de um menino de 7 anos, tentou deixar o relacionamento abusivo com o pai da criança, Juvenilton Aquino da Costa, 36, durante nove anos. Em duas ocasiões, registrou ocorrências contra o agressor, que insistia em persegui-la. Vizinhos relataram que ele costumava esbarrar com a vítima na rua e a ameaçar. Na noite de domingo, ela respondeu a uma mensagem da irmã, por volta das 22h30, dizendo que estava tudo bem.

Aquele foi o último sinal dado por Drielle. Às 8h da última segunda-feira, policiais civis de Samambaia Norte — região onde a vítima morava — atenderam a uma ocorrência de localização de cadáver na QR 206, perto da linha do metrô. Era o corpo dela, marcado por diversas perfurações. As investigações revelaram que, por volta de meia-noite, Juvenilton chegou às pressas em casa, pegou uma mochila com roupas e fugiu. Ele é apontado pela polícia como o principal suspeito do feminicídio e, até o fechamento desta edição, não havia sido preso.

Dados sobre feminicídios registrados no Distrito Federal entre janeiro e outubro de 2021
Dados sobre feminicídios registrados no Distrito Federal entre janeiro e outubro de 2021 (foto: Thiago Fagundes/Editoria de Arte/CB)

Estatísticas

Giovanna Laura também entrou para a triste estatística de mulheres mortas em decorrência de violência em razão de gênero. A jovem saiu de casa, em Samambaia, por volta das 18h de 28 de novembro, para encontrar o namorado, Leandro Marques, 22, em Ceilândia Sul.

Na noite do crime, o casal teve uma discussão motivada por ciúme, e Leandro usou um facão para matar Giovanna. Os dois estavam na casa dele. Na manhã do dia seguinte, o acusado pediu o carro de um amigo emprestado e levou o corpo da vítima até um local de mata, no sentido da Avenida Elmo Serejo. A polícia encontrou o corpo cinco dias depois, na sexta-feira, e o agressor confessou o crime.

Entre janeiro e outubro, o número de feminicídios quase dobrou em relação ao mesmo período do ano anterior: foram 23, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), contra 14 em 2020. Os dados são do balanço mais recente, divulgado pela pasta em novembro. Em relação ao meio usado para a prática do crime, na maioria dos casos (43,5%) de 2021, as vítimas foram assassinadas com armas brancas — itens de fácil acesso para os agressores. Em 26,1% das ocorrências, a morte decorreu do uso de arma de fogo, enquanto 13% delas foram asfixiadas.

Em nota, a SSP-DF destacou que o enfrentamento ao feminicídio e à violência doméstica representa uma prioridade da atual gestão do governo local. "Como estratégia de prevenção, a pasta lançou, em março deste ano, o (programa) Mulher Mais Segura, que reúne medidas, iniciativas e ações de enfrentamento aos crimes de gênero e o fortalecimento de mecanismos de proteção", afirma o texto. Entre as ações da proposta, há o fornecimento do Dispositivo de Monitoramento de Pessoas Protegidas. "Além de o agressor receber a tornozeleira, a vítima é acompanhada por meio de um dispositivo móvel."

Até o fechamento desta edição, a Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas (DMPP) acompanhava 36 casos de violência doméstica, todos os casos encaminhados pelo Judiciário. "No início de abril, realizou-se a primeira prisão em flagrante por descumprimento da medida", destaca a pasta. A SSP-DF acrescenta que, em relação aos agressores, o relatório mais recente — com dados de janeiro a setembro — mostra que, dos 17 autores de feminicídios registrados, 13 foram presos, três cometeram suicídio e um está foragido.

Conscientização

A Secretaria da Mulher do DF enfatizou que, desde o início da gestão atual, está "empenhada em criar programas de prevenção e combate à violência de gênero, projetos e ações que fortaleçam a rede de enfrentamento à violência e o acolhimento às vítimas". Esta semana, por exemplo, ocorre em Planaltina a Jornada Zero Violência contra Mulheres e Meninas, parceria da pasta com a SSP-DF e o Fundo de Populações da Organização das Nações Unidas (ONU).

"A proposta é mobilizar a população do Distrito Federal a divulgar e fortalecer a rede de enfrentamento à violência de gênero, além de reforçar os canais de denúncias disponíveis e, também, apresentar à comunidade os equipamentos de acompanhamento psicossocial, apoio e acolhimento das vítimas", informou a secretaria. A ação prevê, durante uma semana, palestras para a comunidade, capacitação dos funcionários da administração regional, além de visitas aos serviços de acolhimento e proteção às vítimas de violência em Planaltina.

Três perguntas para

Lia Zanotta Machado, professora do curso de antropologia e integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepen) da Universidade de Brasília (UnB)

Quais os efeitos que a pandemia tem causado nas relações entre casais para vermos tantas mortes quanto as destes últimos dois anos?

A agressão contra mulheres por companheiros ou cônjuges em uma mesma casa ou uma mesma família existe em função da cultura arcaica e da desigualdade entre gêneros, porque os homens ainda consideram ter a posse das mulheres. O motivo que os homens alegam, em grande parte, tem a ver com ciúmes, de quem não deixa a mulher sair, arrumar-se ou trabalhar. Quando você tem uma relação dentro de casa — dificultada em função da pandemia — e uma ideia de que as mulheres devem obedecer a tudo que o marido quer, qualquer briga é motivo de agressão. Ela não se vestiu como ele queria, não saiu de casa quando ele achava que devia... Os motivos mais variados e fúteis são usados para que ele jogue toda a raiva que tem sobre ela. É uma ideia de posse.

Como a mulher que sofre violência pode procurar ajuda quando percebe estar desprotegida ou sob ameaça?

Campanhas são importantes, pois há mulheres que estão totalmente em cárcere privado. Vizinhos e familiares têm de se preocupar com o silêncio total e o isolamento de quem eles conhecem — quando percebem que a mulher não sai de casa, por exemplo. E as campanhas também têm de ser para que os outros se atentem àquelas que conhecem, que parecem ter desaparecido das relações sociais, que respondem mensagens sem qualquer conteúdo aprofundado, etc.

Que atitudes do atual companheiro ou do ex devem ligar o alerta das mulheres para a possibilidade de um eventual feminicídio?

Infelizmente, as mulheres têm de acreditar que o companheiro que elas amaram ou amam pode não só espancá-las como vir a cometer assassinato, ou seja, o femincídio. Elas têm de conseguir apoio de familiares, vizinhos, amigos. De tal forma que esteja apoiada quando for fazer a denúncia à polícia. Elas precisam de uma rede de proteção. E que os juízes, ao atenderem mulheres que denunciam violência, saibam que essa se trata de uma ameaça grave e concedam medidas protetivas que obriguem o agressor a sair de casa. É fundamental que elas acreditem que a ameaça é grave, pois muitas não creem que aquele que a amou pode não só ameaçá-la, como também matá-la.

Onde pedir ajuda

  • Polícia Civil

Telefones: 197 (Opção 0) e 61 986-261-197 (WhatsApp)

E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br

Site: pcdf.df.gov.br/servicos/delegacia-eletronica

  • Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)

Telefones: 61 3207-6172/6195 (Asa Sul) e 61 3207-7391/7408/7438 (Ceilândia)

  • Central de Atendimento à Mulher — 180
  • Disque Direitos Humanos — 100
  • Polícia Militar — 190
  • Centros Especializados de Atendimento à Mulher (Ceams)

Ceam Ceilândia — 61 3371-0256 / 61 991-173-406

Ceam Estação 102 Sul do Metrô — 61 3224-0943 / 61 991-836-454

Ceam Planaltina — 61 3388-4656 / 61 992-026-376

Ceam Setor de Diversões Norte (SDN) — 61 3341-1840

  • Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (Nafavds)

Endereços e telefones: mulher.df.gov.br/nafavds

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação